Hermetismo

Magia e Filosofia Natural em Heinrich Cornelius Agrippa

Agrippa_

Adriana Tabosa*

*Doutoranda em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas

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Resumo

Esse artigo analisa a relação entre magia e filosofia natural em Heinrich Cornelius Agrippa. Examina sobretudo a ideia básica de magia natural: a que considera o mundo como uma unidade orgânica em que todas as coisas estão conectadas a um espírito universal. Disto resultaria a possibilidade de controlar os processos naturais com manipulações não mecânicas, senão linguísticas e simbólicas acessíveis às substâncias espirituais que regeriam a matéria.

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Introdução

Em um sentido geral, magia é a ciência que pretende dominar as forças naturais com os mesmos meios com que se sujeitam os seres animados. Portanto, o pressuposto fundamental da magia é o animismo; pois considera as coisas naturais como coisas animadas. Agrippa, assim como todos os naturalistas do Renascimento, classificou a magia como uma parte da filosofia natural, ou seja, como a parte desta que possibilita agir sobre a natureza e dominá-la.

Para Agrippa, a magia seria a ciência que possibilitaria a conexão do espírito com o cosmo. O conceito fundamental de magia considera o mundo uma unidade orgânica na qual todas as coisas estão conectadas a um espírito universal. Daí a possibilidade de controlar os processos naturais, não por intermédio de manipulações mecânicas, mas linguísticas e simbólicas acessíveis às substâncias espirituais que dirigem a matéria. Agrippa, como também Paracelso, julga a passividade ou receptividade a característica primordial da matéria.

Agrippa entende o universo como um cosmo, que por sua vez, seria um ente composto e modificável. Seriam quatro os elementos e fundamentos primários das coisas corporais ou da matéria: fogo, terra, água e ar. Segundo Agrippa, a partir desses se formam todos os elementos do universo, não por acumulação, mas por transmutação e união. Quando se desintegram, se convertem novamente em tais elementos. Os quatro elementos seriam a causa das potências naturais. O conhecimento das qualidades dos elementos e de suas combinações seria o pressuposto da magia natural.

Segundo Agrippa, o universo é dividido em três partes: elemental1, celeste e intelectual. Cada uma delas recebe influxo do grau diretamente superior. Agrippa acreditava que era possível recorrer a esse processo em sentido inverso, conseguindo atrair para o mundo inferior as potências do mundo superior. Seguindo esse princípio, julgava que o homem poderia ascender por cada um desses universos até chegar ao Universo primeiro: Deus, a causa primeira.

1 O sentido de “elemental”, segundo Agrippa, é o conjunto de componentes primordiais de um todo composto. Indica as qualidades sensíveis que formam os “complexos de elementos” que são as coisas. Ou seja, cada um dos corpos constituintes do universo (o fogo, a terra, o ar e a água).

Para Agrippa, as potências do mundo elemental são compreendidas por intermédio da medicina e da filosofia natural; as potências celestes são compreendidas por intermédio da astrologia e da ciência matemática; por fim, tudo se consolidaria mediante as potências intelectivas, que são transmitidas pela teologia.

O que vamos expor nesse artigo serão os principais temas que resumem o princípio da magia natural, presentes na obra De Occulta Philosophia Librum I. Primeiramente, pretendemos explicar como as imagens do cosmo são o meio por intermédio do qual descendem as ideias e como se referem ao espírito do mundo como vínculo entre as potências ocultas. Em seguida, tratamos da simpatia natural existente entre as coisas, do breve tratado de psicologia sobre as paixões do espírito e por fim, discorremos sobre a teoria da linguagem e sua relação com a magia.

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I – A Definição de Magia e suas Partes

Agrippa define a magia como o domínio das forças naturais e de suas causas. A magia compreenderia desde a contemplação do oculto (potências, qualidades, substâncias etc.) até o conhecimento de toda a natureza. A magia se fundamentaria sobretudo na combinação harmônica das coisas inferiores com as qualidades e potências superiores. Por isso Agrippa considerava a magia como a ciência mais perfeita e elevada, a filosofia mais profunda e sagrada, a consumação absoluta da mais nobre filosofia. Como qualquer outra ciência sistematizada, a magia pode dividir-se em física, matemática e teologia. A física estudaria a natureza do que há no mundo, investigaria e exploraria suas causas, seus efeitos, o tempo, o espaço, os modos, os acontecimentos, em sua totalidade e em suas partes. A matemática estudaria a natureza e o que se estende em três dimensões, observaria o movimento e a evolução dos corpos celestes. A teologia estudaria o que é Deus, o que é a mente, a inteligência, o espírito, a alma, a religião, as cerimônias sagradas, os ritos, os templos e os mistérios sagrados. Investigaria também a fé, os milagres, o valor das palavras e das figuras, dos mistérios e dos signos.2 Em suma, para Agrippa, a magia compreenderia essas três ciências e investigaria como se relacionam entre si. Por conseguinte, não seria possível entender a razão da magia sem o conhecimento dessas três ciências.

2 É necessário ressaltar que essas definições correspondem às idéias e opiniões da época em que Heinrich Cornelius Agrippa escreveu De occulta philosophia, em princípios do séculoXVI.

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II – O Aspecto das Coisas a partir das Idéias: A Influência da Teoria Platônica

Platão definiu o conceito de ideia como a espécie única intuível numa multiplicidade de objetos. A ideia como unidade visível na multiplicidade se sobrepõe à multiplicidade, já que frequentemente é considerada a essência ou a substância do que é multíplice e, por vezes, como o ideal ou o modelo dele:

Creio que acreditas haver uma espécie única toda vez que muitas coisas te aparecem, por exemplo, grandes e tu podes abrangê-las com um só olhar: parece-te então que uma única e mesma ideia está em todas aquelas coisas e por isso julgas que o grande é uno (Platão, Parmênides, 132 a).

Para Platão, enquanto unidade, a ideia se mostra como o exemplar das coisas naturais: “Essas espécies estão como exemplares na natureza e as outras coisas se assemelham a elas e são imagens delas; a participação dessas outras coisas na espécie consiste apenas em serem imagens da espécie” (Platão, Parmênides, 132 d). Segundo a concepção platônica, existem ideias de conceitos matemáticos ou de valores, entretanto, as idéias não podem ser consideradas “supracoisas”, ou seja, objetos transcendentes cuja existência tem como modelo a existência das coisas, mesmo constituindo uma esfera à parte, mas normas, regras ou leis.

Agrippa, fundamentando-se no conceito de ideia platônico, sustenta que todas as coisas do mundo inferior foram criadas a partir das ideias do mundo superior. Define a ideia como a forma que está acima da matéria; a ideia é concebível como una, simples, pura, imutável, indivisível, incorpórea e eterna. A todas as ideias se confere uma só natureza, dado que se situam no bem supremo, isto é, em Deus, e se diferenciam entre si somente pela origem. O que há no mundo não é variável, é único; todas as ideias coincidem em sua essência, e Deus não seria uma substância múltipla. Afirma que, na segunda noção inteligível, ou seja, a alma do mundo, as ideias estão em formas diferentes daquelas que pertencem ao mundo superior, as absolutas, e assim como todas as ideias têm em Deus uma forma única, na alma do mundo teriam formas múltiplas, diferenciadas entre si pelas mentes através das quais se unem. Estabelece, também, que as ideias transmitem uma espécie de semente, que está na matéria como se fosse sombra. Por conseguinte, as sementes de todas as coisas estariam na alma do mundo, como as ideias estão na mente divina, representada nos céus, nas estrelas e demais figuras, com suas propriedades correspondentes:

Das estrelas, figuras e suas propriedades dependem todas as potências e propriedades das espécies do mundo inferior, assim como qualquer espécie tem sua figura celeste, e dela recebe sua faculdade de operar; através das formas seminais da alma do mundo obtém a faculdade de atuar. Há ideias que não procedem de nenhuma espécie, apenas de uma potência determinada contida em tal espécie. A isso se referem os filósofos quando dizem que algumas potências existentes na natureza das coisas se movem graças a outras potências que têm uma forma estável, e são poderosas e inesgotáveis; essas potências procedem das ideias e não se enganam a não ser por causa da impureza e imperfeição da matéria (De occulta philosophia, I, 11).

Para Agrippa, as coisas nas quais menos se introduz a matéria têm potências mais poderosas, e guardam maior semelhança com as ideias, isto é, têm um poder semelhante ao que tem a ideia por si. Assim, pois, a posição e a figura das coisas celestes são a causa de toda potência nas espécies deste mundo.

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III – A Correspondência do Mundo Inferior com o Superior: A Doutrina da Simpatia Universal

Segundo Agrippa, tudo o que há no mundo sublunar ou inferior está sujeito ao desenvolvimento e à corrupção. E é o mesmo que há no mundo celeste ou superior; logo, no mundo intelectual, onde adquire uma forma mais perfeita, e, finalmente, no arquétipo3, o estado de perfeição absoluta. Por meio desta cadeia, cada coisa do mundo inferior se corresponde, segundo seu gênero, com seu imediato do mundo superior: do céu recebe a força celeste, chamada quinta essência, o espírito do mundo4 ou natureza média; do mundo intelectual recebe a força espiritual ou força viva, que lhe transfere todas as suas qualidades. E, por último, do arquétipo recebe a força de toda sua perfeição, que lhe chega através desses intermediários:

Assim é como cada coisa pode chegar desde o mundo inferior até as estrelas, destas às inteligências, e das inteligências até o arquétipo. Desta ampla cadeia é de onde procede toda a magia e filosofia oculta, já que – como podemos observar todos os dias – se atrai alguma potência natural por meio da arte, ou alguma potência divina por meio da natureza. Disto se deram conta os egípcios, e chamaram “mágica” à natureza, isto é, força mágica com poder de atrair por semelhança e harmonia. A este tipo de atração mediante a comunicação dos corpos superiores com os inferiores os gregos definiram por συμπάθεια (De occulta philosophia, I, 37).

3 O arquétipo corresponde à “Ideia” de Platão.
4 Os conceitos de “alma do mundo” e “espírito do mundo” não significam a mesma coisa. “A alma do mundo” é o princípio motor de toda a natureza. O “espírito do mundo” é o princípio da vida e da inteligência da natureza..

O conceito de simpatia (συμπάθεια) significa a ação recíproca entre as coisas ou sua capacidade de influência mútua. Os antigos gregos aplicaram o conceito de simpatia para explicar tanto a realidade humana quanto a física. Segundo os estoicos, a simpatia é o vínculo que une duas ou mais coisas, mantém-nas ou as faz convergir para a ordem do mundo. Plotino definiu a simpatia como o fundamento da magia. A simpatia é o que possibilitaria uma concordância natural entre as coisas semelhantes e discordância natural (συμφωνία) entre as coisas diferentes, e seria por intermédio da simpatia que haveria certa quantidade de potências variadas que colaborariam para a unidade do universo.

Para Agrippa, a doutrina da Simpatia Universal5 é a interação das coisas existentes nos mundos inferior e superior. A simpatia é a comunicação interior de dois ou mais objetos, obedecendo a uma hierarquia; ou seja, uma gradação de elementos inferiores e superiores. As pedras e metais simpatizariam com as ervas, estas simpatizariam com os animais, os animais com os céus, os céus com as inteligências e as inteligências com os atributos divinos e com Deus. A primeira imagem de Deus seria o mundo; a imagem do mundo seria o homem; a do homem, o animal; a do animal, o zoófito; a do zoófito, a planta; a da planta, os metais; e a dos metais, as pedras. E, vice-versa, no espírito a planta simpatiza com o irracional por ser um ser vivo; o irracional simpatiza com o homem pelo sentido; o homem com o demônio6, pelo intelecto, e o demônio compartilha com Deus a imortalidade. A divindade se corresponde com a mente, a mente com o intelecto, o intelecto com a intuição, esta com a imaginação, a imaginação com os sentidos e os sentidos com as coisas exteriores.

5 A doutrina da Simpatia Universal é uma cadeia de correspondências e semelhanças entre o mundo terrestre e o mundo celestial. A busca deste princípio é a mesma do Princípio Hermético, cuja definição é uma contradictio in terminis: “O que está abaixo é como o que está acima, e o que está acima é como o que está abaixo”.
6 A concepção de “demônio” em Agrippa é a mesma em Plotino. O “demônio” seria uma “imagem de Deus”. Os demônios estariam na segunda ordem, logo depois dos deuses, ao passo que depois deles vêm os homens e os animais.

De um modo geral, para Agrippa, a correspondência da natureza ocorre de tal modo que toda potência superior é transmitida aos corpos inferiores, mediante uma cadeia que distribui suas influências entre si. Deste modo, os corpos inferiores estão em contato com os superiores e seu influxo chega desde a causa primeira até a última.

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IV – Os Sentidos Exteriores e Interiores: Os Apetites da Alma e as Paixões da Vontade

Agrippa divide os sentidos em duas categorias: os exteriores e os interiores. Os exteriores são os cinco sentidos: visão, audição, olfato, gosto e tato, cujos órgãos são dispostos de tal forma que o grau de pureza corresponde com o lugar que ocupa no corpo. Segundo Agrippa, os olhos teriam maior grau de pureza porque se situam em um lugar mais alto, e teriam relação com o fogo e a luz natural. As orelhas, que seguem os olhos em lugar e grau de pureza, teriam relação com o ar; consecutivamente, o nariz, que contém metade de ar e metade de água; o gosto, mais denso, teria relação com a água, e, por último, o tato, que se difunde por todo o corpo e teria relação com a densidade da terra. Para Agrippa, os sentidos mais puros são os que percebem as coisas sem precisar aproximar-se delas, como é a visão e a audição. Em segundo lugar, o olfato, pois percebe por intermédio do ar sem precisar aproximar-se. O gosto estaria num grau inferior porque sua sensação depende do contato. O tato tem duas qualidades, isto é, sente os corpos quando se aproximam, como também sente as coisas ásperas, brandas, úmidas etc., tocando-as com algum objeto, por exemplo, um bastão.

Agrippa, fundamentando-se em Averróis, classifica os sentidos interiores em quatro tipos: o primeiro é o sentido comum. A função do sentido comum seria reunir todas as imagens captadas pelos sentidos exteriores. O segundo sentido é o da imaginação, cuja função seria reter as imagens captadas pelos sentidos anteriores e levá-las ao terceiro sentido, o da fantasia, que teria como função perceber e julgar as imagens recebidas e, uma vez classificadas, enviá-las ao quarto sentido, o da memória, que tem como função conservar essas imagens. Ao sentido da fantasia pertencem o talento, a conversação, a ordem, a distinção entre o que se deve evitar e o que se deve fazer; no que se refere ao intelecto, a inteligência, a aprendizagem, o juízo e o critério. Segundo Agrippa, o sentido da fantasia é o que nos faz ver por intermédio do sonho; por essa razão também é chamado de “intelecto fantástico”, porque é o último vestígio da inteligência, a qual, segundo Jamblich, ao possuir todas as forças do espírito, é capaz de inventar qualquer figura, representar suas semelhanças e transmitir a outras imagens tudo o que vê; ou seja, as imagens que procedem dos outros sentidos representa-as como conjetura, e as que procedem do intelecto ocupam um segundo lugar; não obstante, recolhe-as todas e com sua própria assimilação representa as ações da alma, unindo as exteriores às interiores, para registrar a impressão no corpo.

Para Agrippa, muito além da alma sensitiva, que distribui suas forças nos diferentes órgãos do corpo, está em primeiro lugar a “mente incorpórea”, com uma dupla função: a primeira se ocupa das coisas contidas na natureza buscando suas causas, propriedades e funcionamento, a fim de chegar à contemplação da verdade, e por isso se chama “intelecto contemplativo”, e a segunda ajuda a distinguir entre as coisas que se devem fazer e as que se devem evitar; estando sua função entre a reflexão e a ação, por que se chama “intelecto ativo”.

Segundo Agrippa, a natureza deu ao homem virtudes7 de tal modo distribuídas que, pelos sentidos exteriores, podem conhecer as corpóreas e, pelos sentidos interiores, ver as semelhanças que existem entre elas; por intermédio da mente o intelecto pode ver as coisas abstratas, ou seja, as que não são corpóreas nem guardam semelhanças entre si. É a partir dessas três potências da alma que se originam os três apetites. O primeiro é o natural8, que é comum a todos, e consiste em uma tendência natural em vista do seu próprio fim, como a da pedra de descer sobre a terra. O segundo é o animal, que segue os sentidos, podendo ser irascível ou concupiscível. O terceiro pertence ao intelecto; é o que Agrippa designa por vontade. Para Agrippa, a vontade se diferenciaria do sensitivo no que depende de si própria e não sentiria desejo pelas coisas que se oferecem aos sentidos, ao menos que pudesse apreendê-las. Não obstante, ainda que a vontade contenha em si as coisas possíveis, pode também – dado que é livre por essência – pretender as coisas impossíveis9. Segundo Agrippa, quando a vontade é afetada pelo desejo e pela dor, daí se originam as paixões: o deleite, que seria uma inclinação do ânimo à voluptuosidade; a expansão, que consiste em uma dissolução da virtude e se produz quando a mente alcança o ponto máximo de deleite e cede ao gozo do momento presente. A jactância, que é o orgulho vão por crer que alcançou o bem supremo, cuja possessão provoca um comportamento exultante e insolente. Por fim, a malevolência, que seria uma espécie de prazer gratuito no mal alheio. Para Agrippa, quando se originam as quatro paixões por causa do apetite desmedido de prazer, a própria dor origina outras paixões contrárias: o horror, a tristeza, o medo, a inveja etc.

7 O significado de “virtude” em Agrippa significa o poder imanente de um ser, uma força interior de origem natural ou sobrenatural.
8 O que Agrippa define por “apetite natural” corresponde ao sentido aristotélico de hábito/costume (έθιμο). Significa a repetição constante de um acontecimento ou de um comportamento, devido a um mecanismo de qualquer gênero (físico, fisiológico, biológico, social etc.). Na maioria das vezes, esse mecanismo se forma mediante a repetição dos atos ou dos comportamentos e, portanto, no caso de acontecimentos humanos, por intermédio do exercício.
9 Podemos perceber a influência aristotélica na definição dos conceitos de apetite e vontade. Aristóteles menciona que existem três elementos que determinam a ação: a sensação (αίσθηση), o intelecto (λόγος) e o apetite (όρεξη). Contudo, a sensação não é o princípio de uma ação deliberativa, pois os animais possuem sensação, todavia, não participam das ações deliberativas. O intelecto, sozinho e diretamente, não comanda o comportamento e as ações de um indivíduo, mas pode fazê-lo por intermédio do apetite. O apetite, por sua vez, pode ser movido por uma escolha racional (ορθολογική), a forma racional do desejo, como também pode comandar as ações completamente à parte da razão, quando o apetite é movido por um desejo irracional (De Anima).

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VAs Paixões da Alma e a Linguagem

Para Agrippa, as paixões da alma são movimentos ou inclinações causadas pela apreensão de alguma coisa, seja um bem ou um mal. As apreensões podem ser sensitivas, racionais ou mentais e, segundo esta classificação, correspondem às mesmas paixões da alma. Quando as paixões refletem uma apreensão sensitiva, por exemplo, o medo de que ocorra algo agradável ou desagradável, se chamam paixões naturais ou animais. Quando refletem uma apreensão racional, ou seja, o medo de que ocorra um bem ou um mal e a vêem como virtude ou vício, útil ou inútil, se chamam paixões racionais ou voluntárias. Quando refletem uma apreensão mental, e a vêem como justa ou injusta, verdadeira ou falsa, se chamam paixões intelectuais. Segundo Agrippa, o que causa tais paixões seria a própria concupiscência, que pode ser irascível ou concupiscível; ambas temem um bem ou um mal, porém de maneira distinta. A concupiscência teme o bem e o mal de modo absoluto, e assim é como produz o desejo, ou, pelo contrário, a repulsa; ou teme a ausência do bem e, então, produz ansiedade; ou teme a ausência de um mal, porém o vê iminente, e gera o horror; ou teme o bem e o mal como algo presente, e origina, alguma vezes, alegria, prazer e satisfação, outras vezes, tristeza, angústia e dor.

Para Agrippa, a paixão irascível teme o bem e o mal como dificuldade para alcançar o primeiro e evitar o segundo. Se isso se origina com um sentimento de confiança, gera uma atitude de esperança e audácia; se, pelo contrário, impera a desconfiança, surge a desesperação, o medo e o temor. Agrippa identifica onze paixões da alma, a saber: amor, ódio, desejo, horror, alegria, dor, esperança, desesperação, audácia, temor e ira.

Segundo Agrippa, diferenciamo-nos dos animais e consideramo-nos racionais não pela razão, a qual temos em virtude da alma e consiste na capacidade de afeto, que também os animais têm em comum conosco, uns mais, outros menos, mas pela razão, que se manifesta por intermédio da palavra e da linguagem, a chamada “razão enunciativa”, e é devido a ela que nos distinguimos dos outros animais. Agrippa identifica duas classes de palavras: uma interior, que é o conceito da mente e o movimento da alma, pertencente ao pensamento sem presença da voz; a segunda é a palavra exterior, que se pronuncia mediante a boca e a língua. Agrippa afirma que a natureza deu ao homem uma voz corpórea unida à mente e ao intelecto, uma linguagem enunciativa e intérprete dos conceitos deste intelecto para quem nos escuta. Deste modo, a linguagem é, efetivamente, o meio mais adequado entre locutor e ouvinte; expressa não apenas o conceito, mas também a força do que fala; transmite a energia do locutor ao ouvinte. Para Agrippa, as palavras possuiriam tal intensidade que poderiam afetar inclusive outros corpos e objetos inanimados. Agrippa classifica três tipos de palavras: as intelectuais, as celestes e as sobrenaturais, já que sua representação é expressa e oculta simultaneamente. As palavras possuiriam estreita relação com a magia, pois corresponderiam à língua sagrada, cujos signos e representações obtêm a força dos corpos celestes e sobrenaturais; seu poder procederia do objeto significado, ou da força do próprio locutor.

Três Livros de Filosofia Oculta – Agripa

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Conclusão

Agrippa, assim como os antigos cosmológicos, acreditava na correspondência entre macrocosmo e microcosmo. Interpretava o universo com fundamento no universo menor, que é o homem para si mesmo. Supunha que o que acontecia no microcosmo poderia acontecer no macrocosmo; e, se ocorria no cosmo, poderia acontecer do mesmo modo no infinito. Por esta razão julgava que por intermédio da magia se poderia dominar o mundo. Seu pressuposto era exatamente de que o mundo é um composto orgânico e de que todos os seus aspectos são controláveis com procedimentos que se dirigem a eles como a atividades vivas. Afirmava que devido à correspondência entre macrocosmo e microcosmo, o homem reúne em si tudo o que está disseminado nas coisas, e que isso lhe permite conhecer a força que mantém o mundo integrado e utilizá-la para realizar ações mágicas. Por isso considerava a magia a ciência superior; porque ela se basearia na correspondência entre macrocosmo e microcosmo e reuniria em si todas as ciências que estudam a natureza do universo: alquimia, astronomia, filosofia, teologia etc.

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Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
AGRIPPA von Nettesheym Heinrich, Cornelius. La philosophie occulte ou la magie. Paris, Lib. Gen. des Sci. Occultes: B. Charconac, 1910.
AGRIPPA von Nettesheym Heinrich, Cornelius. Filosofia oculta o magia natural. Introducción, traducción y notas de Bárbara Pastor de Arozena. Madrid: Alianza Editorial, 1992.
ARISTÓTELES. De Anima. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Ed. 34, 2006.
ARISTÓTELES. Éthique de Nicomaque. Texte, traduction, préface et notes par Jean Voilquin. Paris: Ques Garnier, 1961.
PLATÃO. Parmênides. Textos estabelecido e anotado por John Burnet. Tradução, apresentação e notas de Maura Iglesias e Fernando Rodrigues. Rio de Janeiro: PUC, Rio; São Paulo: Loyola, 2005.

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