Astronomia Geodésica

Astronomia Geodésica

Astronomia Geodésica

Posicionamento pelas Estrelas

Basílio Santiago
Adriano Salviano

α

Notas dos Autores

Este texto tem uma origem curiosa, pois seguiu um caminho possivelmente inverso da maioria. Inicialmente foi produzido em formato de hipertexto a ser acessado pela Internet e somente agora está sendo publicado na forma tradicional.

O endereço é do site Internet do Instituto de Física da UFRGS. Este material foi inicialmente confeccionado com o objetivo de ajudar os alunos e professores de disciplinas de Astronomia Posicional, Fundamental e Geodésica. Trata-se, portanto, de material didático concebido como apoio ao ensino universitário. Por outro lado, o leigo interessado em Astronomia e dispondo de conhecimento de matemática elementar como geometria e trigonometria certamente vai se beneficiar deste material.

Na elaboração do hipertexto, originalmente foram usados trechos e figuras de alguns livros e sítios disponíveis na Web, incluindo-se sítios do exterior. A tradução do inglês para o português, quando necessária, foi feita por este autor. Os livros e sites da Web de onde foram retiradas partes dos conteúdos que originalmente compunham o hipertexto, são os seguintes:

Boczko, R., Conceitos de Astronomia;
Gemael, C., “Astronomia Esférica”;
Hatschbach, F., Determinações Astronômicas;
Astronomy 250 lecture notes;
Tutorials for Astronomy;
Roy Fisher’s, Earth Rotation and Equatorial Coordinates;
Terry Moore’s, Coordinate Systems.

Tanto o hipertexto quanto o livro evoluíram com o tempo, sendo que a elaboração da versão impressa, resultado de um projeto apoiado pelas Pró-reitoras de Ensino e Pesquisa da UFRGS, foi um dos principais impulsionadores deste processo de aprimoramento. O material aos poucos foi sendo modificado e adaptado por este autor, levando-se em conta os conteúdos da disciplina de Astronomia Geodésica I e II, do curso de Engenharia Cartográfica da UFRGS, além das demais disciplinas oferecidas pelo Departamento de Astronomia desta universidade. Figuras semelhantes às originais, por vezes melhoradas, bem como figuras novas, foram confeccionadas em sua maior parte por Adriano Salviano, formando de Engenharia Cartográfica da UFRGS e coautor desta versão impressa principalmente na parte de Sistema Geodésico de Referência. Mudanças no texto e no ordenamento da exposição dos tópicos abordados se deveram em parte às novas figuras, mas também ao próprio processo de aprofundamento didático dos autores. Todos os capítulos do texto foram ampliadas com relação à versão original, em especial os capítulos conceituais e o capítulos de problemas com soluções. O Capítulo 5 em diante são, na verdade, um diferencial importante deste livro didático, pois enfatizam a prática astronômica, dando assim maior clareza aos conceitos teóricos apresentados.

Capítulo 1

Conceitos Fundamentais e Sistemas de Coordenadas

Introdução à Astronomia Geodésica

O simples ato de olhar para o céu noturno, em uma noite sem nuvens e longe das luzes da cidade, e nele identificar o grande número de estrelas de variados brilhos e cores, se constitui em uma forma primitiva de praticar a Astronomia de Posição. Quem não teve a experiência de ver uma “estrela cadente”, ou presenciar subitamente algum fenômeno no céu (passagem de um satélite, balão meteorológico ou mesmo um avião, aparente mudança de brilho de uma estrela, etc.) e tentar descrever a outra pessoa em que posição do céu isso aconteceu? Em geral, para o leigo, este tipo de experiência leva ao uso das mãos: a primeira reação é apontarmos para a direção onde se deu o fenômeno. Já outras pessoas podem tentar usar estrelas vizinhas ao ponto ou região do céu em questão. O fato é que a necessidade de localizar e identificar objetos no céu acompanha a civilização humana desde o seu início.

Na Antiguidade, a identificação de estrelas específicas no céu logo ao anoitecer ou amanhecer, ou mesmo a posição do Sol no céu com relação a marcos de referência em terra eram usados para marcar a sucessão das estações de calor ou frio, de secas ou cheias. Para facilitar seu trabalho, muitos povos usavam as estrelas mais brilhantes do céu, juntamente com um pouco de imaginação, para formar figuras familiares, de animais conhecidos, figuras de sua mitologia, ou cenas cotidianas no céu noturno. Essas figuras, as constelações, já representam um avanço na prática da Astronomia de Posição. Ao invés de apontar o dedo na direção de um certo fenômeno ou objeto celeste, o reconhecimento das constelações no céu permitia localizar este fenômeno ou objeto simplesmente fazendo menção à constelação cujas estrelas o circundavam.

Apesar do apelo que têm junto às pessoas (todos nós já ouvimos falar de constelações como o Cruzeiro do Sul, Escorpião, Sagitário, Touro, etc.) atualmente a Astronomia de Posição faz pouco uso delas. O motivo para o pouco uso das constelações pode ser conhecido se nos dispusermos a passar uma noite olhando para o céu e tentando identificar as constelações nele presentes com o auxílio de um mapa celeste. No mapa, as estrelas que compõem a figura de cada constelação estão ligadas por linhas, de forma que, com alguma boa vontade, podemos identificar as formas dessas figuras que lhes dão o nome. Mas ao olharmos para o céu noturno a coisa se complica e muito. O que vemos é simplesmente um monte de estrelas, algumas mais brilhantes, outras menos, algumas avermelhadas, outras azuladas ou bem brancas. Aquelas figuras marcadas na carta celeste simplesmente não se materializam facilmente aos nossos olhos no céu acima de nós. Uma explicação para este fato poderia ser a de que as constelações que os mapas celestes descrevem até hoje são as mesmas que os gregos e romanos antigos identificaram. Figuras como o Sagitário, Centauro, Pégaso, Andrômeda, Cassiopeia, etc., fazem parte da cultura deles e não da nossa! Mas a verdade é que somente com muito treino poderíamos começar a separar a confusão de estrelas que vemos no céu em figuras distintas, mesmo que tentássemos identificar coisas bem familiares no céu, como por exemplo, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, o elevador Lacerda em Salvador, o prédio do Congresso Nacional em Brasília, o mapa do Brasil, o símbolo da CBF, uma cuia de chimarrão, animais domésticos como cachorros, gatos, bois, o que for!

Atualmente, nós temos meios mais eficazes de localizar um astro no céu. Eficaz aqui significa objetivo e simples; na verdade tão objetivo e simples quanto a Matemática que aprendemos no ensino básico. A posição de um astro no céu pode ser estabelecida por meio de um sistema de coordenadas. Nas páginas que se seguem, nós vamos descrever os sistemas de coordenadas mais usados em Astronomia de Posição, em especial o Sistema Horizontal de Coordenadas e o Sistema Equatorial de Coordenadas. Estes sistemas, assim como os demais que veremos adiante, são todos de um mesmo tipo: a posição de uma estrela no céu pode ser definida pela especificação do valor de dois ângulos, um deles contado ao longo de um plano de referência, variando de 0° a 360°, e o outro contado a partir deste mesmo plano, variando de –90° a 90°. Estes sistemas são chamados de Sistemas de Coordenadas Esféricas.

Antes de introduzirmos os sistemas horizontal e equatorial de coordenadas, contudo, faz-se necessário estabelecer alguns conceitos elementares. Quando apontamos o dedo para alguma estrela, estamos escolhendo uma direção no espaço. Todos os pontos situados ao longo da reta que, partindo de nós, passa pelo nosso braço a atinge a estrela, estão na mesma direção no espaço. Mas onde ao longo desta reta está localizada a estrela? Esta pergunta é inteiramente análoga a perguntarmos “a que distância está essa estrela de nós?”. Para uma estrela “próxima”, o tamanho do segmento de reta que nos une a ela será menor do que no caso de uma estrela “distante”. Uma mesma direção no espaço pode conter mais de uma estrela, situadas a diferentes distâncias.

 O fato é que as estrelas estão tão distantes de nós que, para o efeito de sua localização no céu, podemos considerar que elas estão a uma distância infinita! O que queremos dizer com isso é que em Astronomia de Posição estamos apenas preocupados em caracterizar a direção na qual se encontram os astros. Não nos interessa aqui a sua distância, bastando para nós aceitar que esta distância é muito maior do que as distâncias com que lidamos em nossas vidas cotidianas, ou mesmo do que o tamanho da Terra. Essa conclusão nos permite definir então a esfera celeste. Trata-se de um conceito abstrato, mas muito importante: a esfera celeste nada mais é do que uma forma de atribuir uma forma material ao céu de um observador. A esfera celeste tem raio infinito e centro o observador. Mas como seu raio é infinito, qualquer observador situado sobre a superfície da Terra pode se considerar igualmente situado em seu centro. Qualquer objeto celeste (Sol, Lua, planetas, estrelas, o que for) em um dado instante está situado em um ponto da esfera celeste. Este ponto resulta do prolongamento ad infinitum da direção no espaço na qual vemos o objeto.

Podemos desenhar círculos na esfera celeste. O exemplo mais fácil é o círculo do horizonte. O horizonte é um círculo sobre a esfera celeste que a divide ao meio: o hemisfério que está acima do horizonte é a parte visível da esfera celeste. Só conseguimos ver no céu os astros que estão no hemisfério visível, acima do horizonte. A metade abaixo do horizonte, obviamente, não conseguimos observar. O Sol, por exemplo, quando está acima do horizonte de um observador, ilumina tudo à sua volta, caracterizando o dia; quando o Sol está abaixo do horizonte, temos obviamente menos claridade, o que significa uma situação de noite. Aos círculos que, como o horizonte, dividem a esfera celeste ao meio chamamos de grandes círculos ou círculos máximos. Ao longo do nosso estudo, deparar-nos-emos com outros exemplos de grandes círculos como o equador celeste, o meridiano astronômico e a eclíptica. Estes serão discutidos em mais detalhe ao longo do livro, mas podemos adiantar que o primeiro divide a esfera celeste em dois hemisférios: o norte e o sul celestes. Já a eclíptica é um grande círculo no céu percorrido pelo Sol ao longo de um ano.

Na verdade, todos os pontos e círculos que definimos sobre a superfície da Terra podem ser prolongados ad infinitum até encontrarem a esfera celeste. Assim podemos não apenas falar de Equador celeste e de hemisférios norte e sul celestes, mas também de polos norte e sul celestes, paralelos celestes (assim como os paralelos ao Equador da Terra) e meridianos celestes. Quanto a estes últimos, o meridiano astronômico de um observador, mencionado acima, nada mais é do que a projeção na esfera celeste do meridiano geográfico do mesmo.

Sistema Horizontal de Coordenadas

A figura I.1.1 abaixo ilustra o sistema de coordenadas horizontais. Na figura vemos a metade da Abóbada Celeste (= Esfera Celeste) visível ao observador situado em O. A posição da estrela está marcada por E. O Zênite do observador é indicado por Z. O zênite é o ponto da esfera celeste acima da cabeça do observador. De maneira mais técnica podemos defini-lo como sendo o ponto da esfera celeste que resulta da extensão ad infinitum da vertical do observador. Assim sendo, a direção de Z é perpendicular ao Plano Horizontal do observador, no qual se situam os pontos cardeais: Norte (N), Leste (E), Sul (S) e Oeste (W).

O plano que contém tanto os pontos cardeais N e S quanto o zênite Z é o Plano Meridiano, cuja intersecção com a Esfera Celeste define o Meridiano Astronômico do observador. Este último, por vezes chamado de Linha Meridiana, divide a esfera celeste ao meio, sendo portanto um grande círculo. Analogamente, a intersecção do plano horizontal do observador com a esfera celeste é o horizonte do observador, novamente um círculo máximo da esfera celeste. As duas metades da esfera celeste definidas pelo horizonte são o hemisfério visível (acima do horizonte e que contém o zênite) e o hemisfério invisível (abaixo do horizonte). A figura I.1.1, como já dissemos, representa apenas a metade visível da esfera celeste. Como o meridiano astronômico não é todo disponível à observação, alguns autores preferem definir como meridiano astronômico apenas o semicírculo meridiano situado acima do horizonte. Outros fazem referência a este último como sendo o Meridiano Superior ou ainda, Semimeridiano Superior.

O plano que contém o observador O, o zênite Z e a estrela E é chamado de Vertical da Estrela. A intersecção do vertical da estrela com a esfera celeste define o Círculo Vertical da mesma.

Figura I.1.1 – Sistema de coordenadas horizontais.

Pois bem, podemos situar qualquer ponto na esfera celeste com duas coordenadas. No caso do sistema horizontal essas coordenadas são a altura h e o azimute A. Pela figura I.I.1 vemos que a altura é o ângulo entre a direção à estrela (segmento de reta OE) e o plano do horizonte. A altura é arbitrada como sendo positiva para pontos da esfera celeste situados acima do horizonte e negativa para aqueles abaixo do horizonte. Já o azimute é o ângulo, contado ao longo do plano horizontal, entre o plano meridiano e o vertical da estrela. A origem da contagem de A (ou seja, A = 0°) é em geral arbitrada como sendo o ponto cardeal norte (N); mas alguns autores preferem usar o ponto cardeal Sul (S). É comum também se substituir a altura h pela distância zenital z; esta última é o ângulo entre a direção vertical (ou seja, OZ) e a direção à estrela. Fica claro, tanto pelas definições quanto pela figura, que a altura e a distância zenital são ângulos complementares, ou seja:

h + z = 90°

Azimute e altura geralmente são definidos de forma que seus valores possam variar dentro dos seguintes domínios:

0° ≤ A ≤ 360°
− 90° ≤ h ≤ 90°
0° ≤ z ≤ 180°

Valores negativos de altura se aplicam a objetos abaixo do horizonte, sendo z > 90° neste caso.

Para fins de fixação, procuremos agora responder às seguintes perguntas:

1) Qual a altura de um objeto exatamente no horizonte do observador?

2) Qual a altura de uma estrela que esteja no nadir, ou seja, no ponto da esfera celeste diametralmente oposto ao zênite?

3) Qual o azimute de um astro que se situa no meridiano astronômico do observador, entre o zênite e o ponto cardeal norte?

4) Qual a altura de um astro cuja distância zenital é z = 40°?

5) Qual o azimute de uma estrela cujo vertical contém o ponto cardeal leste (E)?

A figura I.1.2 mostra o sistema horizontal por uma outra perspectiva. No painel da direita vemos a definição da altura h do ponto de vista de alguém que se situa no plano do horizonte. Já o painel da esquerda mostra a definição do azimute A partir de uma perspectiva de quem olha para o plano horizontal de cima, ou seja, ao longo da vertical do observador.

Figura I.1.2 – definição da altura h e do azimute A

Uma observação importante sobre o sistema horizontal é que as coordenadas de um objeto mudam com o passar do tempo. É fácil constatar isso, pois sabemos que, devido à rotação da Terra, os astros se movem lentamente de leste para oeste. Ao nascer a leste do meridiano astronômico, qualquer estrela terá necessariamente um azimute no domínio 0° A 180°. Já ao se por a oeste do meridiano do observador, seu azimute será 180° A 360°. A altura (ou distância zenital) obviamente também varia: tanto ao subir no horizonte a leste quanto ao baixar a oeste, a altura de uma estrela é nula (h = 0°). No intervalo entre estes dois instantes, o objeto obviamente está acima do horizonte e temos, portanto h > 0°. Na verdade, veremos mais adiante que o movimento diurno de um astro tem a forma de um círculo na esfera celeste. Em geral, parte deste círculo está acima do horizonte e parte abaixo dele. A figura I.1.3 ajuda a visualizar um arco diurno típico descrito por uma fonte celeste. Novamente, vemos apenas a parte do arco diurno que está acima do horizonte do observador.

Figura I.1.3 – exemplo de arco diurno descrito por um astro

Figura I.1.3 – exemplo de arco diurno descrito por um astro.

Note que na Figura I.1.3 os pontos em que o arco diurno cruza com o horizonte não coincidem com os pontos cardeais leste (L) e oeste (W). De fato, veremos mais adiante que poucos astros nascem (se põem) exatamente em L (W).

Além de variar com o tempo, as coordenadas horizontais de uma fonte astronômica também dependem da posição do observador na superfície da Terra. O fato de esta última ser de tamanho desprezível comparada com as distâncias às fontes astronômicas implica que a direção à fonte no espaço independe da posição do observador. Por outro lado, a direção da vertical do observador claramente depende de onde na superfície da Terra ele está. A situação é retratada na figura I.1.4, que mostra dois observadores situados em um mesmo meridiano geográfico, mas em pontos distintos da superfície da Terra. A direção à estrela é a mesma independentemente do ponto de observação sobre a Terra, sendo esta direção representada pelas retas paralelas da figura. Mas as verticais dos observadores, que pode ser aproximada como a reta originada no centro da Terra e que passa pelo observador, aponta em direções diferentes. Em outras palavras, os zênites Z1 e Z2 dos observadores claramente correspondem a direções distintas no espaço. O plano horizontal de cada observador é perpendicular à vertical e, portanto também varia de orientação no espaço. Nota-se que a altura da estrela medida pelo observador O1 é bem menor do que aquela medida por O2. Na figura, PNG e PSG correspondem aos polos norte e sul geográficos, respectivamente.

Figura I.1.4 – Variação da direção vertical e do plano horizontal com a posição do observador na Terra

Na próxima seção veremos um sistema de coordenadas que não depende do tempo ou da localização do observador na superfície da Terra.

Sistema Equatorial de Coordenadas

Já havíamos mencionado que os pontos e círculos que são definidos sobre a superfície da Terra têm seus equivalentes na esfera celeste. Esta situação é retratada na figura I.1.5, na qual vemos uma representação da Terra (esfera interna) e da esfera celeste (esfera externa). Note que esta última tem raio infinito, o que é obviamente impossível de reproduzir na figura. Mas o importante da figura é o fato de permitir a visualização dos equivalentes celestes ao equador e polos geográficos. Eles são naturalmente chamados de Equador Celeste e Polos Celestes norte e sul.

Figura I.1.5 – Equador e polos celestes

O fato de haver um único plano equatorial, reconhecido como tal por todos os observadores em Terra, independente de onde estejam na sua superfície, constitui-se na condição básica para a definição de um sistema de coordenadas que seja universal, ou seja, utilizável por todos os observadores e cujas coordenadas, para uma dada fonte, tenham o mesmo valor, independentemente de quem as mede. Este é o Sistema Equatorial (ou Uranográfico) de Coordenadas. Este sistema de coordenadas vem sendo usado desde que os primeiros catálogos de estrelas foram criados.

O sistema equatorial de coordenadas, assim como o horizontal, é também baseado em dois ângulos: a Ascensão Reta α e a Declinação δ. Outra semelhança entre os dois sistemas é o fato de ambos serem definidos a partir de um plano de referência. No sistema horizontal este plano é o Plano Horizontal do observador. No sistema equatorial, como novamente implícito pelo próprio nome, o plano de referência é o plano que contém o equador da Terra e o equador celeste, ou Plano Equatorial. Na verdade, um observador atento vai notar que há uma enorme semelhança formal entre os sistemas horizontal e equatorial.

Na figura I.1.6 abaixo vemos uma representação gráfica do sistema equatorial, onde T é o observador e E é uma estrela. Também indicamos a posição do Polo Norte Celeste (PNC). O plano perpendicular à direção deste último e que contém o observador é o plano equatorial. A intersecção entre o plano equatorial e a esfera celeste é o grande círculo chamado de Equador Celeste.

A declinação δ é definida como o ângulo entre o plano equatorial e a direção à estrela (segmento TE da figura). Analogamente ao caso horizontal, o sinal de δ caracteriza os pontos dos diferentes hemisférios separados pelo plano de referência: δ > 0° (δ < 0°) corresponde a pontos a norte (sul) do equador celeste. Uma estrela sobre o equador celeste tem declinação δ = 0°. Já o conjunto de todos os pontos cuja declinação é constante é chamado de Paralelo Celeste ou Paralelo de Declinação. O complemento da declinação, representado pelo ângulo p na figura, se chama Distância Polar, sendo, como implica o próprio termo, o ângulo entre a direção à estrela e a direção ao polo norte celeste (segmento de reta T–PNC). A distância polar desempenha, no sistema equatorial, o mesmo papel que a distância zenital no caso das coordenadas horizontais. Podemos então escrever:

δ + p = 90°

Figura I.1.6 – Sistema de coordenadas equatoriais

Já a ascensão reta, analogamente ao azimute no sistema horizontal, é contada ao longo do plano de referência. Logo a origem da contagem da ascensão reta (α = 0°) é necessariamente um ponto sobre o equador celeste. Este ponto é representado por γna figura I.1.6. O ponto γ (ou Ponto Vernal ou ainda Ponto de Áries) é um dos dois pontos da esfera celeste que pertence tanto ao equador celeste quanto à eclíptica (ver seção sobre movimento anual do Sol). A ascensão reta é definida como o ângulo entre o plano que contém PNC, T e γ e o plano que contém PNC, T e a estrela E (ver figura I.1.6). A intersecção deste último (primeiro) plano com a esfera celeste define um grande círculo chamado de círculo horário da estrela (do ponto vernal). Os pontos sobre o círculo horário da estrela têm o mesmo valor de α. Vemos pela figura que a ascensão reta é contada para leste e pode assumir valores entre 0º ≤ α ≤ 360º. É comum, no entanto, exprimirmos a ascensão reta em unidades de tempo. Se atribuirmos um domínio de 24h ao domínio de valores de α acima, teremos 1h = 15°. Por exemplo, os pontos sobre o círculo horário do ponto γ têm α = 0° = 0h. Esta relação entre ascensão reta e tempo ficará mais nítida adiante, quando discutirmos o conceito de ângulo horário e as diferentes definições de sistemas de tempo.

Ângulo horário

Ângulo horário H de um astro é o ângulo entre o círculo horário deste astro e o meridiano astronômico do observador. Este ângulo, assim como a ascensão reta, também é contado sobre o equador celeste, variando de 0° ≤ H ≤ 360°. A figura I.1.7 é muito semelhante à figura I.1.6. A diferença é a inclusão do meridiano astronômico do observador na figura. Conforme explicado anteriormente, o meridiano é o grande círculo no céu que contém o zênite e os pontos cardeais norte e sul. O meridiano necessariamente contém também os polos celestes norte e sul. Na figura vemos que o ângulo horário cresce, a partir do meridiano, em direção oposta à ascensão reta. H cresce para oeste, acompanhando o movimento diurno dos astros (de leste para oeste). Já α cresce para leste, seguindo o movimento anual do Sol. Note que enquanto a ascensão reta α e a declinação δ formam o sistema de coordenadas equatoriais ou uranográficas, o ângulo horário H, juntamente com a declinação δ forma o sistema horário de coordenadas.

Figura I.1.7 – Sistema horário de coordenadas

É precisamente o fato de acompanhar o movimento diurno dos astros que torna H um indicador útil para contagem de tempo. Por exemplo, se num dado instante uma estrela está no meridiano astronômico de um observador, seu ângulo horário é H = 0°. Um dia depois, após a Terra dar um giro completo em torno de seu eixo, a estrela estará novamente passando pelo meridiano do observador. Durante estas duas passagens meridianas, o ângulo horário da estrela terá variado de 0° a 360°. Podemos, portanto, definir a hora do dia com base no ângulo horário do astro. Daí o nome!

A verdade é que o céu é um imenso relógio, do qual os astros são os ponteiros. A partir da posição destes ponteiros podemos então obter uma medida da hora. Por exemplo, define-se Hora Sideral (S) como sendo simplesmente o ângulo horário do ponto vernal (ponto γ). Pela figura I.1.7, vemos então que:

S = Hγ =H*+ α∗
onde H* e α∗ se referem a uma estrela qualquer.

Podemos então definir como Dia Sideral o intervalo de tempo necessário para que o ponto vernal passe duas vezes pelo meridiano de um observador qualquer. Em outras palavras, é o intervalo decorrido entre duas passagens meridianas do Ponto γ.

Podemos também usar o ângulo horário do Sol como indicador da hora. Uma vantagem óbvia de fazê-lo reside no fato de que o Sol é facilmente localizável no céu, o mesmo não se aplicando ao ponto vernal. A Hora Solar (M) é então dada pela expressão:

M =Hsol + 12h

onde Hsol é o ângulo horário do Sol em um dado instante. O acréscimo de 12h serve simplesmente para fazer com que a passagem meridiana do Sol (Hsol = 0h) corresponda ao meio-dia (M = 12h) e não à meia-noite. Novamente podemos falar de dia solar como sendo o intervalo de tempo decorrido entre duas passagens consecutivas do Sol pelo meridiano de um observador.

Por estar a Terra orbitando em torno do Sol ao mesmo tempo em que gira em torno de seu eixo de rotação, os dias solar e sideral não têm a mesma duração. Como o sentido de ambos os movimentos é o mesmo (anti-horário se visto do norte e horário se olhamos do sul) é fácil provar que o dia solar é um pouco mais longo do que sideral:

Dia solar = 24h solares.
Dia sideral = 24h siderais = 23h 56min 04s solares.

Para fins de fixação, veja se consegue responder as perguntas abaixo.

1) Qual o valor de declinação do Polo Sul Celeste? E qual o valor de δ para o Polo Norte Celeste?

2) Qual o valor de α de um ponto cujo círculo horário faz um ângulo de 180° com o círculo horário do ponto vernal?

3) Qual o valor de δ de uma estrela situada 45° a sul do equador celeste?

4) Seja um observador situado no polo norte geográfico da Terra. Que ponto de referência do sistema equatorial se situa no zênite deste observador? Qual a declinação de um ponto cuja distância zenital medida por este observador é 30°?

5) Qual o valor de distância polar de uma estrela de declinação δ = 20°? E de uma estrela com δ = –50°?

Precessão

Finalmente, cumpre mencionar que o eixo de rotação da Terra muda de direção no espaço. Por conseguinte, mudam no céu as posições dos polos celestes, do equador celeste e do ponto vernal. A este movimento chamamos de precessão do eixo (ou precessão dos equinócios). Como as coordenadas equatoriais são definidas a partir destes pontos e círculos da esfera celeste, elas também variam com o tempo. Fórmulas para calcular as coordenadas equatoriais de um astro em diferentes épocas são dadas pelo Astronomical Almanac. Essas fórmulas são muito úteis, pois os catálogos astronômicos geralmente listam as coordenadas das estrelas para uma época arredondada, como 1950 ou 2000. Se quisermos localizar com precisão um objeto no céu em uma época arbitrária, teremos necessariamente que corrigir as coordenadas catalogadas para a precessão.

A precessão do eixo é muito lenta. De maneira aproximada, a variação de α é da ordem de 3s por ano e a de δ de uns 20”/ano. A figura I.1.8 mostra a variação da posição dos polos celestes devida à precessão. A figura da esquerda mostra a situação no presente, em que o polo norte celeste (PNC) coincide aproximadamente com a estrela Polaris. Daqui a milhares de anos, o polo celeste norte coincidirá aproximadamente com a estrela Vega (figura da direita). No Capítulo 4 discutiremos com mais profundidade a precessão do eixo, bem como outros movimentos que levam a variações nas coordenadas equatoriais das estrelas.

Figura I.1.8 – Precessão do eixo de rotação terrestre

Relação entre os Sistemas Horizontal e Equatorial de Coordenadas

Vimos que o sistema de coordenadas horizontais ou altazimutais é baseado no plano do horizonte e na vertical do observador. Por serem a horizontal e a vertical fáceis de localizar, este sistema de coordenadas é o mais fácil de se visualizar e suas coordenadas são mais diretamente mensuráveis. É também mais fácil montar um teodolito ou telescópio de forma que ele se mova horizontal e verticalmente. Portanto, quase todos os instrumentos de medida astronômica têm montagem altazimutal.

Por outro lado, vimos que, contrariamente às coordenadas equatoriais, as coordenadas horizontais de um astro mudam com a posição do observador e com a hora do dia. Isso porque o sistema equatorial é baseado em pontos e círculos que são universalmente reconhecidos por qualquer observador na superfície da Terra. Já conceitos como o plano horizontal e direção vertical são relativos. Computadores podem ser programados para transformar coordenadas de um sistema para outro. Essas transformações podem ser deduzidas usando-se fórmulas de trigonometria esférica. Como as coordenadas horizontais variam rapidamente com o tempo, e também dependem de onde se encontra o observador, essas transformações também envolvem coordenadas temporais, como o ângulo horário, e a latitude do observador, φ.

A Trigonometria Esférica será discutida no Capítulo 2. Uma compilação mais extensa de fórmulas de Trigonometria Esférica pode ser obtida no livro Conceitos de Astronomia, de R. Boczko. Outra boa compilação pode ser obtida em Astrophysical Formulae, de K. Lang.

Uma dificuldade comum consiste em sermos capazes de visualizar, ao mesmo tempo, os pontos e círculos pertinentes tanto ao sistema horizontal quanto ao sistema equatorial de referência. Tentamos fazer isso na figura I.1.9. A figura mostra o plano que contém o meridiano geográfico de observadores situados nos pontos O1 e O2 sobre a superfície da Terra. São indicados o eixo de rotação da Terra, ligando os polos geográficos norte (PNG) e sul (PSG), bem como o Equador geográfico. Sabemos pela figura I.1.5 que o prolongamento do eixo de rotação leva aos polos celestes e que a projeção do Equador define o seu correspondente celeste.

Figura I.1.9 – Pontos e círculos de referência aos Sistemas Horizontal e Equatorial de coordenadas

O plano horizontal do observador em O1, assumindo-se a Terra como esférica e de densidade uniforme, é simplesmente o plano tangente à superfície da Terra em O1, tal como indicado. Já a vertical do observador será o prolongamento da reta que liga o centro do planeta (C) ao observador, apontando na direção do zênite (Z1). O ângulo entre esta reta e o plano equatorial é, por definição, a latitude (φ) de O1. Como a vertical é perpendicular à horizontal, o mesmo acontecendo com a direção dos polos celestes com relação ao equador celeste, fica evidente pela figura que a altura do polo celeste visível do observador (no caso de O1 na figura é o polo celeste norte, PNC) é igual à latitude do observador. Note que para O1 o polo elevado (acima do horizonte) é o celeste norte, enquanto que para O2, por situar-se a sul do equador da Terra, o polo celeste elevado é o sul. Para O2, portanto, a igualdade entre a altura do polo elevado e a latitude é uma igualdade em módulo, com sinais algébricos opostos.

Outros sistemas de coordenadas

Coordenadas Eclípticas

Este é um sistema cujo plano de referência é o da eclíptica, ou seja, o plano que contém o caminho descrito pelo Sol no céu ao longo de um ano. Este sistema é usado com frequência em Astronáutica, por exemplo, para expressar e manter a posição e orientação de uma nave com relação ao Sol. Latitude e Longitude Eclípticas são usualmente expressas em graus e são mais comumente usadas em Astronomia do Sistema Solar. A primeira (β) é a altura do astro com relação ao plano da eclíptica (ver figura I.1.10 abaixo). Já a longitude eclíptica (L) é contada ao longo deste plano, com origem no ponto γ. Transformações entre este sistema e os demais podem ser encontradas em Conceitos de Astronomia, de R. Boczko ou em Astrophysical Formulae, de K. Lang.

Figura I.1.10 – Sistema de Coordenadas Eclípticas

Coordenadas Galácticas

Mais um sistema de coordenadas esféricas, análogo aos demais. Ele é representado na figura I.1.11. Desta vez o plano de referência é o plano do disco da Via-Láctea, a galáxia a que pertence o nosso Sistema Solar. Este plano faz um ângulo de 62°32′ com o plano equatorial. A Longitude Galáctica (l), contada ao longo do plano do disco, tem origem na direção ao centro da Galáxia. Note que é difícil definir o centro da Via-Láctea, o que torna este sistema sujeito a revisões mais frequentes do que os anteriores. A Latitude Galáctica é usualmente denotada pela letra b, podendo, assim como a declinação, a altura e a latitude eclíptica, assumir valores entre –90° < b < 90°. A direção ao centro da Galáxia (ou seja, l = 0° e b = 0°) situa-se na constelação de Sagitário, ao passo que o polo norte galáctico (ou seja, b = +90°) fica na constelação da Cabeleira de Berenice. Este sistema de coordenadas é mais aplicado em estudos que envolvem a distribuição de objetos dentro da Via-Láctea. Consulte o livro do Lang para ver transformações entre este sistema e o equatorial.

Figura I.1.11 – Sistema de Coordenadas Galácticas

Fundamentos de Geodésia

História da Geodésia

Nós temos, por séculos, nos preocupado com a Terra sobre a qual vivemos. Em passado remoto, esta preocupação se limitava a mapear a vizinhança imediata de nossas casas; com o tempo, foi se tornando útil, e mesmo necessário, localizar e mapear outras regiões, para fins de rotas comerciais e de exploração. Finalmente, com o aumento da capacidade de se transportar a grandes distâncias, surgiu o interesse em se estabelecer a forma, o tamanho e composição de todo o planeta.

Os gregos dos períodos arcaico e clássico tiveram ideias variadas quanto à forma e tamanho da Terra. Homero sugeriu uma forma de um disco plano; Pitágoras e Aristóteles advogavam uma forma esférica. Pitágoras era um matemático que considerava a esfera a figura geométrica mais perfeita, sendo para ele, portanto, natural que os deuses dessem esta forma ao mundo. Já Anaxímenes acreditava que a Terra tinha uma forma retangular.

A ideia de uma Terra esférica foi predominante entre os gregos. A tarefa seguinte e que ocupou muitas mentes foi a de determinar seu tamanho. Platão estimou a circunferência da Terra como sendo de umas 40.000 milhas. Arquimedes estimou em 30.000 milhas. Estes valores, contudo, não passavam muito do campo da mera especulação. Coube a Erastóstenes, no século II a.C., determinar o tamanho da Terra usando medidas objetivas.

Ele notou que no dia do solstício de verão os raios solares atingiam o fundo de um poço em Siena (atual Assuan, no Egito) ao meio dia. No mesmo instante, contudo, o Sol não estava exatamente no zênite na cidade de Alexandria, a norte de Siena; pelo tamanho da sombra que o Sol projetava, Erastóstenes determinou o ângulo de incidência dos raios solares: 7° 12’, correspondendo a 1/50 de um círculo. Conhecido o arco de circunferência entre as duas cidades, ou seja, a distância entre elas, Erastóstenes pode então estimar a circunferência do globo. A distância era de umas 500 milhas (na direção norte–sul). Se essa distância corresponde a 1/50 da circunferência da Terra, esta deveria ter então 50 x 500 = 25.000 milhas de circunferência. Este é um valor bastante próximo do raio equatorial terrestre (24.901 milhas, valor adotado no World Geodetic System). A figura I.1.12 ilustra o método usado por Erastóstenes. Nela vemos raios solares paralelos incidindo sobre as duas cidades, sendo que em Alexandria o ângulo com relação à vertical não é nulo, mas de 7°12’.

Figura I.1.12 – método de Erastóstenes para medir a circunferência da Terra

A precisão de medida de Erastóstenes é incrível considerando-se todas as aproximações embutidas no seu cálculo. Siena na verdade não está exatamente no Trópico de Câncer (ou seja, os raios solares não são estritamente perpendiculares à superfície no solstício de verão), sua distância a Alexandria é de 453 milhas (ao invés de 500 milhas) e as duas cidades não estão alinhadas na direção norte–sul; todos estes fatores contribuem para diminuir a precisão da medida.

Outro Grego antigo a estimar o tamanho do globo foi Posidônio. Ele utilizou uma estrela que era circumpolar, ou seja, que estava sempre acima do horizonte, quando vista da cidade de Rodes, tangenciando o horizonte no instante da culminação inferior. Esta mesma estrela teve então sua altura medida em Alexandria e, conhecida, a distância entre as duas cidades, foi possível a Posidônio determinar um valor de 24.000 milhas para a circunferência da Terra. Outro filósofo grego revisou o método de Posidônio e encontrou um valor substancialmente menor: 18.000 milhas. Este valor foi o adotado por Ptolomeu, cujo trabalho e modelo de cosmos foi adotado na Europa ao longo da Idade Média. Foi possivelmente graças a esta subestimava da circunferência do globo que Cristóvão Colombo foi levado a crer que o Extremo Oriente estaria a apenas umas 3 ou 4 mil milhas a oeste da Europa. Somente no século XV que o valor aceito por Ptolomeu foi revisado pelo cartógrafo finlandês Mercator.

O advento do telescópio, de tabelas logarítmicas e do método da triangulação foram contribuições do século XVII à ciência da Geodésia. Nesta época, o Francês Picard fez medidas de arcos que podem ser consideradas modernas. Ele mediu uma linha de base usando traves de madeira e um telescópio para medir ângulos. Cassini posteriormente estendeu o método de Picard, fazendo medidas de linhas de base maiores e tanto a sul quanto a norte de Paris. Quando computou o comprimento das linhas de base equivalentes a um ângulo de 1°, Cassini notou que estas eram maiores na direção sul do que no norte. Tal resultado foi o primeiro indício de um desvio da forma da Terra com relação a uma esfera.

(…)

Capítulo 3

Movimento Anual do Sol e Sistemas de Tempo

Movimento Anual do Sol

As estrelas que vemos à noite têm posições fixas no céu umas com relação às outras (exceto pelos efeitos secundários de aberração, paralaxe e movimento próprio, que discutiremos mais adiante). O Sol, contudo se move por entre as estrelas a uma taxa de 1° por dia aproximadamente. Assim, ao final de um ano, terá descrito um grande círculo no céu, a que chamamos de eclíptica. O movimento anual do Sol no céu é causado pelo movimento orbital da Terra em torno deste. A figura I.3.1 mostra a variação da posição do Sol no céu com relação às estrelas mais distantes à medida que a Terra se move em sua órbita anual. A órbita corresponde à elipse mais interna da figura. A esfera maior, mostrada em quatro diferentes posições da órbita, representa a Terra, enquanto que a esfera central representa o Sol. A elipse mais externa da figura é a eclíptica.

Figura I.3.1 – Movimento orbital da Terra, resultando no movimento anual do Sol na esfera celeste, sobre a eclíptica

As estrelas formam figuras imaginárias no céu, a que chamamos de constelações. As constelações atravessadas pela eclíptica são chamadas de constelações zodiacais. A faixa do céu coberta por estas constelações é chamada de zodíaco. Por entre as estrelas do zodíaco move-se não apenas o Sol, mas também os demais astros do sistema solar, como a Lua e os planetas.

Em torno do dia 21 de março o Sol, em seu caminho sobre a eclíptica, atravessa o equador celeste. Este ponto de intersecção entre os dois grandes círculos é o ponto vernal (ou ponto γ). Neste dia, chamado de equinócio de março, o Sol cruza o equador celeste de sul para norte, marcando então o fim do verão no hemisfério sul da Terra e o fim do inverno no hemisfério norte. Pela definição de ascensão reta, neste dia seu valor para o Sol é α = 0h. Como está sobre o equador celeste, a declinação do Sol no equinócio de março também é nula. Pela figura acima, vemos que o Sol, visto da Terra, é projetado na eclíptica na direção da constelação de Peixes nesta época.

Uns 3 meses depois, em torno de 21 de junho, o Sol alcança seu maior valor de declinação: δ = 23½°. Nesta época ele é visto sobre a constelação de Gêmeos. A partir deste instante, o Sol começa a se mover em direção ao sul, de volta ao equador celeste. Este dia é chamado de solstício de junho, marcando o início do verão (inverno) no hemisfério norte (sul). Neste dia, α = 6h para o Sol. Em torno do dia 21 de setembro, o Sol volta a cruzar o equador celeste, mas desta vez do hemisfério norte para o hemisfério sul. É o Equinócio de setembro, fim do inverno (verão) no hemisfério sul (norte) terrestre. O Sol está agora em Virgem. Coordenadas equatoriais do Sol: α = 12h ; δ =0°.

Finalmente, uns 3 meses depois, o Sol atinge seu ponto mais a sul na esfera celeste: δ = –23½°, α = 18h . Este é o solstício de dezembro, sempre em torno do dia 21/12. É o início do verão (inverno) no hemisfério sul (norte). A partir deste dia, o Sol começa a se mover para norte até reatingir o ponto vernal no dia 21/3 do ano seguinte.

Figura I.3.2 – Representação da eclíptica (curva mais fina) sobre a esfera celeste, com a posição do Sol nos equinócios e solstícios

Em resumo, em sua jornada anual ao longo da eclíptica, o Sol percorre 24h de ascensão reta, a uma taxa média de 2h por mês. Note que este movimento anual é independente do movimento diurno, compartilhado por todos os astros e causado pela rotação da Terra. O movimento diurno é mais facilmente notável, pois se dá a velocidade bem maior, de 24h por dia.

A figura I.3.2 mostra uma espécie de ‘mapa mundi‘ da esfera celeste, no qual vemos toda a região com |δ| ≤ 47° projetada em um plano. O equador celeste é a linha horizontal que corta a figura em duas metades. As demais linhas horizontais são paralelos de declinação, ou seja, círculos (pequenos) contendo todos os pontos de declinação constante, no caso, com δ = +/–23,5°. Estes paralelos de declinação sobre a abóbada celeste são as projeções no céu dos Trópicos de Câncer (latitude φ = 23,5°) e de Capricórnio (latitude φ = –23,5°), tal como indicado. As retas verticais representam os círculos horários, de ascensão reta constante. A eclíptica é a linha curva e mais fina, sendo que os dois pontos em que ela cruza o equador celeste, no meio e no extremo direito figura, são, respectivamente, os pontos γ e .

Já a tabela abaixo mostra as coordenadas equatoriais do Sol nos equinócios e solstícios.

coordenadas

Estações do Ano e Eclipses

As estações do ano em nosso planeta

As estações do ano resultam do fato de que o eixo de rotação da Terra está inclinado por uns 23,5° com relação à normal ao seu plano orbital (plano da eclíptica). A este ângulo chamamos de obliquidade da eclíptica, sendo comumente representado pela letra grega épsilon (ε). O eixo aponta sempre na mesma direção no espaço (exceto pelos efeitos secundários de precessão e nutação, que discutiremos mais adiante), de forma que o polo norte geográfico está por vezes inclinado na direção do Sol (de junho a agosto) e por vezes na direção oposta (de dezembro a março). Estas duas situações, obviamente, caracterizam o inverno e verão no Hemisfério Sul da Terra, sendo a situação inversa no Hemisfério Norte.

A figura I.3.3 procura ilustrar a situação: o Sol é representado pela esfera no centro da figura. A linha horizontal pertence ao plano da órbita da Terra em torno do Sol (este plano é perpendicular à figura). A Terra (esfera menor) é mostrada em duas situações distintas: à esquerda, vemos a Terra no dia do solstício de dezembro. Nesta situação, os raios solares incidem perpendicularmente sobre o Trópico de Capricórnio (= paralelo de latitude, φ = –23,5°). Outra maneira de dizer a mesma coisa é que a declinação do Sol é δ = –23,5°. Pelo fato do Sol iluminar mais o Hemisfério Sul, as noites são mais curtas e os dias mais longos neste hemisfério do que no Norte. A incidência mais perpendicular dos raios solares sobre o Hemisfério Sul também ajuda a aquecer as regiões a sul do Equador; inicia-se, portanto, o verão (inverno) no Hemisfério Sul (Norte) geográfico. Já na posição à direita, a Terra está no extremo oposto de sua órbita anual, sendo este então o solstício de junho. A declinação do Sol é agora δ = +23,5° e os raios solares incidem perpendicularmente sobre o Trópico de Câncer (φ = +23,5°) neste dia. Trata-se do início do inverno (verão) no Hemisfério Sul (Norte).

Figura I.3.3 – Efeito da obliquidade da eclíptica: situações de solstícios de dezembro (painel à esquerda) e de junho (painel à direita)

Sabemos que o céu muda sazonalmente, havendo constelações visíveis somente no verão ou no inverno em cada hemisfério. Isso ocorre porque, à medida que o Sol se move pela eclíptica (como reflexo do movimento orbital da Terra em seu torno), as estrelas que aparecem no céu noturno (ou seja, que se situam longe do Sol) variam.

Eclipses

Eclipses ocorrem quando a Terra, Sol e Lua se encontram sobre uma linha reta. Podemos então ter duas situações distintas: 1) a Lua se situa entre o Sol e a Terra, projetando sua sombra sobre esta última. 2) a Terra se situa entre o Sol e a Lua, projetando sua sombra sobre esta última. No primeiro caso temos um eclipse solar, no segundo um eclipse lunar. Note que eclipses lunares só ocorrem quando a Lua está na fase cheia, enquanto que os eclipses solares só ocorrem quando a Lua está na fase nova.

Outra diferença é que a sombra da Lua projetada sobre a Terra não cobre toda a superfície desta última. Já a sombra da Terra é suficientemente grande (e a Lua suficientemente pequena) para cobrir toda a Lua. Assim, eclipses solares só são visíveis de alguns pontos da Terra, mas eclipses lunares são visíveis por qualquer observador que tenha a Lua acima do seu horizonte quando ocorrem.

Por que não ocorrem eclipses todo mês?

• Por que o plano da órbita da Lua em torno da Terra não coincide com o plano da órbita da Terra em torno do Sol. Uma outra maneira de dizer isso é que a Lua não se move sobre a eclíptica, mas sobre um outro grande círculo no céu, que faz um ângulo de 5° com a eclíptica.

A linha que conecta os dois pontos de intersecção entre o plano da eclíptica e a órbita da Lua é chamada de linha dos nodos. Somente quando a linha dos nodos aponta na direção do Sol podem ocorrer eclipses. Há, portanto, duas épocas ao longo do ano em que podem ocorrer eclipses. Estas épocas mudam com o tempo devido às perturbações gravitacionais sofridas pela órbita da Lua. A linha dos nodos orbitais da Lua varre um ângulo de 360º em um período de 18,6 anos (chamado de ciclo de Saros). A figura I.3.4 ilustra este movimento da linha dos nodos orbitais da Lua. O painel da esquerda mostra a órbita da Lua projetada no céu, juntamente com a eclíptica, num determinado instante. O painel da direita representa a posição relativa dos dois grandes círculos aproximadamente 1 ano depois, tendo a órbita lunar mudado de orientação com relação à eclíptica, o mesmo naturalmente ocorrendo com a linha dos nodos.

Figura I.3.4 – a eclíptica e a órbita lunar, cuja intersecção define a linha dos nodos lunares

A figura I.3.5 mostra a eclíptica e a órbita da Lua projetadas sobre a esfera celeste. Elas fazem um ângulo de 5,2° entre si. Este é o valor da inclinação da órbita da Lua em torno da Terra com relação ao plano orbital da Terra em torno do Sol. Os dois nodos orbitais da Lua são também mostrados. A linha que os conecta é a linha dos nodos e somente quando a Lua Cheia ou Nova ocorrem perto destas posições temos eclipses.

Figura I.3.5 – Projeção da órbita lunar e da eclíptica na esfera celeste, sendo os nodos da órbita lunar os pontos de intersecção entre os dois círculos

A figura I.3.6 descreve os eclipses da Lua e do Sol usando os cones de sombra que a Lua e a Terra projetam no espaço. Nos dois primeiros painéis, a luz do Sol vem da esquerda da figura. Quando a Lua está à esquerda da Terra, ela é nova, pois sua face iluminada é invisível para nós. A Lua cheia é representada à direita da Terra. No painel superior, as fases cheia e nova não levam os eclipses, pois o cone de sombra da Lua (da Terra) não se projeta sobre a Terra (Lua). Essas fases estão ocorrendo fora dos nodos orbitais, quando, portanto, o Sol não se situa ao longo da reta que liga a Terra à Lua. No painel do meio, por outro lado, os três astros estão alinhados, fazendo com que a sombra da Lua Nova se projete sobre uma pequena região da superfície da Terra (causando um eclipse do Sol nesta região) e com que a sombra da Terra se projete sobre a Lua Cheia (causando um eclipse lunar).

Figura I.3.6 – Situações favoráveis e desfavoráveis à ocorrência de eclipses. Painéis superiores: jogo de sombras; painel inferior: elementos orbitais e jogo de sombras

Já a painel inferior da figura I.3.6 combina os elementos orbitais e o jogo de sombras para mostrar a situação favorável à ocorrência de eclipses. A linha dos nodos orbitais da Lua é a linha vertical que corta o centro da figura. Ao longo dela vemos que as fases nova e cheia da Lua acarretam eclipses. Já quando o Sol está fora da linha dos nodos (situações mostradas nas partes à esquerda e à direita da figura), as fases nova e cheia não levam aos eclipses, pois o cone de sombra da Lua (da Terra) não é projetado sobre a Terra (a Lua).

A ocorrência de eclipses solares é devida a uma coincidência: o fato de que os diâmetros angulares da Lua e do Sol, vistos da Terra, são quase iguais.

Mas note que o diâmetro aparente da Lua varia ao longo do mês, pois sua órbita em torno da Terra é uma elipse moderadamente excêntrica; no apogeu (ponto da órbita em que a distância é máxima) a Lua parece ser 15% menor do que no perigeu (ponto de maior aproximação à Terra). Se um eclipse solar ocorre na primeira situação, a Lua não cobrirá todo o Sol, ocasionando um eclipse anular.

Capítulo 4

Correções às Coordenadas Equatoriais

Variação de Coordenadas Equatoriais

Do ponto de vista da astrometria moderna, a Terra é uma plataforma bastante irregular para a observação do céu. A rotação da Terra não é uniforme, seu eixo de rotação não é fixo no espaço e mesmo a forma do planeta e as posições relativas de pontos sobre sua superfície não são fixas. Como resultado, as coordenadas de um objeto no céu, mesmo as equatoriais, não são rigorosamente constantes. Se muda a direção do eixo de rotação, por exemplo, mudam os valores da ascensão reta α e da declinação δ de todos os objetos na esfera celeste. Dependendo da precisão com que desejamos medir a posição das estrelas, faz-se necessária a correção para estes efeitos.

Na antiguidade, medidas astrométricas, ou seja, medidas da posição dos objetos no céu eram feitas com instrumentos rudimentares, sendo, portanto de precisão baixa. Assim, os efeitos de que trataremos neste capítulo não eram muito importantes para os antigos. Mas se objetivamos apontar um telescópio com uma precisão de 1”, ainda assim não precisamos nos preocupar com variações em sua forma e superfície, mas mudanças na orientação do eixo de rotação já se tornam muito importantes. É sobre isso que trataremos nas próximas seções.

De certa forma, as coordenadas equatoriais celestes compatibilizam um sistema móvel, baseado na Terra, com um sistema, que seria ideal, fixo com relação às estrelas distantes. Ascensão reta e declinação são bastante análogas à longitude e latitude, usadas para a superfície da Terra. Estes dois sistemas compartilham o mesmo eixo polar e equador, mas a grade de coordenadas celestes não rotaciona junto com o planeta. Graças a esta característica, as coordenadas equatoriais de uma estrela se mantêm constantes ao longo do seu movimento diurno. Contudo, a ascensão reta e declinação verdadeiras não são fixas com relação às estrelas, pois o sistema equatorial, amarrado ao eixo de rotação e ao equador, desloca-se com estes em função de perturbações gravitacionais sofridas pela Terra. Para poder listar as posições das estrelas em catálogos, utilizamos então as coordenadas baseadas na orientação do polo e do equador em uma época específica. 1° de Janeiro de 1950 e de 2000 (ou seja, 1950,0 e 2000,0) são as épocas mais comumente usadas.

Como vimos anteriormente, a origem da ascensão reta se dá em um dos dois pontos onde o Sol, em seu caminho anual por entre as estrelas (eclíptica), parece cruzar com o equador celeste. A este ponto chamamos de ponto vernal. Em três dimensões, este ponto é a projeção sobre o céu da reta de intersecção entre o plano do equador da Terra e seu plano orbital. Como o primeiro plano é sempre perpendicular ao eixo de rotação e este muda sua orientação constantemente, a posição do Ponto vernal no céu também muda com relação às estrelas.

Na prática, as coordenadas celestes estão amarradas a objetos observáveis, pois é muito difícil determinar observacionalmente a posição do ponto vernal e, por conseguinte, a posição de qualquer astro no céu relativamente a este último. Assim sendo, o sistema de coordenadas associadas à época 1950 é definido a partir de posições de estrelas publicadas no quarto Catálogo Fundamental, o FK4, enquanto que o sistema de 2000 é baseado no quinto Catálogo Fundamental, o FK5. Estes catálogos listam estrelas que, em sua maioria, são próximas, de forma que quaisquer sistemas de coordenadas definidas a partir das posições destas estrelas estão sujeito a erros causados pelos movimentos dessas estrelas na esfera celeste (movimentos próprios, ver próximas seções). Atualmente sabemos que o equinócio obtido a partir do FK4 se desloca com relação ao do FK5 por 0,085” por século.

Atualmente, a definição mais estável de coordenadas para a época 2000 é baseada em 608 rádio fontes extragalácticas que compõem o International Celestial Reference Frame (ICRF). Este sistema de referência é extremamente estável, deslocando-se a menos de 0,020” por século. O ICRF se tornou o sistema de referência fundamental adotado pela União Astronômica Internacional (IAU) em 01/1998.

Por motivos que são em parte históricos e em parte práticos, a variabilidade temporal da direção do eixo de rotação da Terra e da posição de um observador na superfície da Terra com relação a ele é dividido em 4 fatores: precessão, nutação, deslocamento do polo celeste e deslocamento do polo. Por definição, precessão e nutação são expressas matematicamente, usando-se equações matemáticas apropriadas. Os outros dois fatores de variabilidade são desvios observados (ou seja, medidos) com relação ao esperado pelas fórmulas matemáticas que descrevem os dois primeiros. Assim sendo, a amplitude destes dois últimos não é previsível para períodos muito longos.

Precessão

Nem o plano orbital da Terra, cuja intersecção com o céu define a eclíptica, nem o plano do equador terrestre são fixos com relação a objetos muito distantes, como as fontes extragalácticas do ICRF. O principal movimento é a precessão do eixo de rotação em torno da normal ao plano da órbita (polo eclíptico). Este movimento de precessão é causado por torques gravitacionais devidos à Lua e ao Sol e é chamado de precessão lunissolar. O eixo de rotação da Terra varre um cone no espaço de ângulo de vértice igual a 23,5° uma vez a cada 26.000 anos.

Há ainda a precessão planetária, causada pelas perturbações gravitacionais combinadas dos outros planetas do Sistema Solar. Esta causa uma mudança no plano da órbita da Terra. O polo eclíptico, contudo, se move bem mais lentamente. Se imaginarmos seu movimento com relação às fontes extragalácticas, o eixo de rotação muda de posição a uma taxa de 20” por ano, ∂enquanto que a normal ao plano da órbita varre apenas 0,5” no céu. Ambos os movimentos combinados formam o que chamamos de precessão geral. Há desvios com relação à precessão geral, de curto período, que também são previsíveis e expressos por fórmulas matemáticas, aos quais chamamos de nutação, que será discutida na próxima seção.

Equações para o efeito da precessão, de precisão da ordem de 1”, sobre as coordenadas equatoriais são dadas abaixo. Elas se aplicam para qualquer data dentro de um intervalo de uns 20 anos, centrado no ano 2000.

∂δ/∂t = n cos(α)

∂α/∂t = m + n.sen(α)tan(∂)

onde m = 3,07419 s/ano e n = 20,0383”/ano ou 1,33589s/ano. Estes valores, como já mencionado, são válidos por uns 20 anos, centrados no ano 2000. A variação das coordenadas ascensão reta (α) e declinação (δ) são expressas em segundos de tempo e segundos de arco, respectivamente.

As fórmulas, como as acima, para calcular as correções sobre as coordenadas equatoriais de um astro em diferentes épocas e para intervalos de tempo, são dadas pelo Astronomical Almanac. Essas fórmulas são muito úteis, pois os catálogos astronômicos geralmente listam as coordenadas das estrelas para uma época arredondada, como 1950,0 ou 2000,0. Se quisermos localizar com precisão um objeto no céu em uma época arbitrária, teremos necessariamente que corrigir as coordenadas catalogadas para a precessão.

Vemos pelas fórmulas acima que a precessão do eixo é muito lenta. De maneira aproximada, a variação de α é da ordem de 3s por ano e a de δ de uns 20” por ano. A figura I.4.1 mostra a variação da posição dos polos celestes devida à precessão. O painel da esquerda mostra a situação no presente, em que o polo norte celeste coincide aproximadamente com a estrela Polaris. Daqui a milhares de anos, o polo celeste coincidirá aproximadamente com a estrela Vega (painel da direita).

Figura I.4.1 – Precessão do eixo de rotação terrestre em torno da normal à eclíptica

Segue um exemplo de como calcular as correções para o efeito da precessão usando a fórmula dada acima e que repetimos abaixo:

∂δ/∂t = n cos(α)

∂α/∂t = m + n.sen(α)tan(∂)

Computemos a precessão do núcleo da Galáxia de Andrômeda durante 10 anos, conhecidas suas coordenadas equatoriais no ano 2000.

α(2000) = 0h 42min 44,32s;

δ(2000) = +41° 16’ 08,5”

O primeiro passo é converter ambas para graus decimais:

α = 0 + 42/60 + 44,32/3600

α = 15(0,71231) = 10,68467º

Cálculo da precessão:

∂δ = 20,0383″/ano .cos(10,68467).10anos = 196,9088″ = 3’16,91″

∂α = 10anos [3,07419s/ano + 1,33589s/ano sem(10,68476) tan(41,269028)] = 32,915s

Para computar as coordenadas para o ano 2010, essas correções devem ser adicionadas às coordenadas do ano 2000.

Nutação

Movimentos previsíveis do eixo de rotação terrestre em escalas de tempo (períodos) de 300 anos ou menos são combinados para formar o que chamamos de nutação. Esta pode ser tomada como uma correção de primeira ordem à precessão. De acordo com o modelo de nutação mais atual, este efeito é composto de 106 termos harmônicos envolvendo senos e cossenos com diferentes frequências, em sua maioria efeitos secundários de torque gravitacional do Sol e da Lua, mais 85 correções devidas a efeitos planetários. Os principais termos de nutação são: um termo de período igual a 18,6 anos (período de precessão da órbita da Lua), um termo de 182,6 dias (meio ano), um outro de 13,7 dias (meio mês) e um de 9,3 anos (período de rotação do perigeu lunar).

As correções para nutação dadas abaixo têm uma precisão da ordem de 1”:

∆α = [cos(ε) + sen(ε)sen(α)tan(δ)]dλ – cos(α)tan(δ)dε
∆δ = sen(ε)cos(α)dλ + sen(α)dε

Onde ∆α e ∆δ são adicionadas às coordenadas médias (corrigidas para precessão), resultando nas chamadas coordenadas aparentes (ou verdadeiras). Na expressão acima, ε é a obliquidade da eclíptica, cujo valor pode ser obtido, dia a dia, no Astronomical Almanac. Os termos de nutação em longitude eclíptica (dλ) e obliquidade eclíptica (dε), respectivamente, são também encontrados em anuários como o Astronomical Almanac, ou calculados a partir da teoria de nutação, levando-se em conta os dois termos dominantes:

dλ = –17,3 sen(105,7 – 0,05295d) – 1,4 sen(199,5 + 1,97129d)
dε = 9,4 cos(105,7 – 0,05295d) + 0,7 cos(199,5 + 1,97129d)

onde d = Data Juliana – 2451909,5, os argumentos do seno e do cosseno sendo expressos em graus, e dλ e dε em segundos de arco.

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