Ovídio e o Poema Calendário

O Poema Calendário

Maria Lia Leal Soares

Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre em Letras.

Resumo

Ovídio e o poema calendário: Os Fastos, Livro II, o mês das expiações.

A finalidade deste trabalho é realizar um breve comentário e a tradução do Livro II dos Fastos, de Ovídio. Adicionalmente, busca investigar a importância do texto no conjunto da obra ovidiana, suas principais influências e fontes e o gênero poético em que foi composto.

reloj louvre 1890

O Calendário

Ovídio atribui a Rômulo a criação do primeiro calendário, I 27-28, tempora digeret cum conditor Vrbis, in anno/constituit menses quinque bis esse suo. (“quando o fundador da Urbe dividiu os tempos, no ano, ele instituiu duas vezes cinco meses”). O ano de Rômulo era formado por dez meses lunares (304 dias); I 33-36, Quod satis est utero matris dum prodeat infans,/hoc anno statuit temporis esse satis./Per totidem menses a funere coniugis uxor/ sustinet in uidua tristia signa domo (“O tempo suficiente para a criança sair do útero da mãe, ele o instituiu como suficiente para um ano. O mesmo número de meses que a esposa mantém os tristes sinais da viúvez, pela morte do esposo, em sua casa”). O ano começava em março, seguido de abril, maio, junho e, como mostram os meses subsequentes, quintilis … … december, terminava em dezembro, último e décimo mês do antigo calendário, I 39: Martis erat primus mensis Venerisque secundus (o primeiro mês era de Marte, o segundo de Vênus). O segundo rei de Roma, Numa Pompílio, acrescentou dois meses ao calendário de seu predecessor, os meses de janeiro e fevereiro, I 43-44: at Numa nec Ianum nec auitas praeterit umbras, /mensibus antiquis praeposuitque duos. (mas Numa não preteriu nem Jano nem as sombras dos ancestrais23, aos antigos meses ele antepôs dois). Ovídio admite que o ano de Numa começava em janeiro, seu penúltimo mês era dezembro, e o último era fevereiro, mas os decênviros fizeram uma mudança para que o ano terminasse em dezembro, II 47-54: Sed tamen, antiqui ne necius ordinis erres,/primus, ut est, Iani mensis et ante fuit./Qui sequitur Ianum ueteris fuit ultimis anni;tu quoque sacrorum, Termine, finis eras./Primus enim Iani mensis qui ianua prima est,/qui sacer est imis Manibus imus erat./Postmodo creduntur spatio distantia longo/Tempora bis quini continuaisse uiri (“Entretanto, para que não te enganes, ignorando a antiga ordem, o mês de Jano também antes foi o primeiro, como é hoje. O que se segue a Jano era o último do antigo ano. Tu, também, Término24, eras o fim das festividades sacras. Pois o primeiro é o mês de Jano porque a porta é a primeira. O que é sagrado aos extremos manes era o extremo. Depois, acredita-se que os decênviros reuniram os tempos que estavam afastados por grande espaço).

23 O mês de fevereiro era dedicado aos mortos.
24 A festa do deus Término era comemorada em 23 de fevereiro.

Apesar da adição dos dois meses, por Numa, o calendário continuou com erros até a reforma de Júlio César, III 51-152: Primus, oliuiferis Romam deductus abaruis, Pompilius menses sensit abesse duos, (“O primeiro Pompílio, que deixou seu país de oliveiras por Roma, compreendeu que faltavam dois meses”); III 155-156, Sed tamen errabant etiam nunc tempora, donec/ Caesaris in multis haec quoque cura fuit (“Mas, ainda assim, as estações estavam erradas, até que, dentre as muitas preocupações de César, ele ainda teve essa”); III 161-164, Ille moras solis, quibus in sua signa rediret,/ traditur exactis disposuisse notis;/ is decies senos ter centum et quinque diebus/ iunxit et e pleno tempora quinta die (“dizem que ele, por notações exatas, estabeleceu o tempo que o sol leva até voltar a seu signo;26 ele acrescentou dez vezes seis dias e a quinta parte de um dia completo a trezentos e cinco dias”).

26 Segundo Gee, E. o equivalente à data exata dos solstício de verão e inverno, respectivamente em Câncer e Capricórnio.

Antes da reforma de Júlio César, como persistissem os erros no calendário, pois não havia uma correspondência entre o ano solar e o ano regulado pelos meses lunares, meses intercalares eram introduzidos para tentar reparar o desacerto. As intercalações eram feitas pelos pontífices que detinham um poder extraordinário, pois o calendário definia que tipo de dia ocorria e quando e quais deuses deveriam ser cultuados. Eles, geralmente, visavam seus próprios interesses e acabavam acarretando mais confusão do que solução. Até que Júlio César acabou com esse grande privilégio, ao transferir o conhecimento do ano aos cálculos matemáticos. Apesar da divisão do ano estar garantida pelos cálculos dos astrônomos, o Pontifex Maximus ainda tinha o poder de inserir comemorações ao calendário, desde que tivesse a aprovação do Senado, embora não mais pudesse acrescentar meses intercalares.

Herbert-Brown, citando Macróbio, mostra como a intercalação provocou mais problemas do que os resolveu. Ela nos relata, citando Degrassi, que os Fasti Antiates Maiores, único calendário que restou da época da República, permitem avaliar a extensão das mudanças políticas e religiosas que ocorreram em Roma, pela comparação com os fragmentos de mais de quarenta calendários que sobreviveram à reforma de Júlio César. Os Fasti Antiates Maiores apresentam os doze meses: quatro de 31 dias, sete de 29 dias e um com 28 dias, totalizando 355 dias no ano, em doze colunas. Uma décima terceira coluna mostra um mês intercalar (Merkedonius) que era inserido a cada dois anos, no dia 23 de fevereiro; nesse ano, fevereiro era reduzido a 23 dias e 22 ou 23 dias eram acrescentados após as Terminalia (23 de fevereiro). Os cinco dias remanescentes de fevereiro eram adicionados no fim do mês intercalar, de forma que o “intercalaris” ou “ Mercedonius” consistia de 27 ou 28 dias.

Havia, em Roma e nas demais cidades da Itália, calendários inscritos em pedra ou pintados nas paredes, também chamados calendários epigráficos, que os romanos denominavam Fastos. Também ficaram conhecidos como calendários cívicos e religiosos; a maioria dos que sobreviveram até nossa época, em estado bastante precário, é do período júlio-claudiano. Eles eram colocados nos templos ou em lugares públicos para orientação da população quanto à classificação dos dias, por exemplo, que tipo de atividade oficial era ou não permitida. Essas informações estavam registradas para cada dia do ano. É desses calendários que Ovídio tira o título para sua obra: Fasti. Ele próprio os menciona, em I 11, Quaeque ferunt illi pictos signantia fastos/ tu quoque cum Druso praemia fratre feres (“e as homenagens que os fastos mostram, os em letras coloridas , tu e teu irmão Druso também as ganharão”); em I 289-290, quod tamen ex ipsis licuit mihi discere fastis,/ sacrauere patres hac duo templa die. (“o que, por fim, me foi possível aprender dos próprios Fastos é que, nesse dia, nossos ancestrais consagraram dois templos.”); em I 657, ter quater euolui signantes tempora fastos/nec Sementiua est ulla reperta dies, (“por três ou quatros vezes, eu procurei, nos Fastos que mostram as festas, e não encontrei dia algum consagrado às Semeaduras”).

Cada cidade e cada colônia estabelecia seu próprio calendário cívico que não necessariamente coincidia com o romano. Fora de Roma, eles eram instituídos pelos magistrados supremos em colaboração com o senado local; em Roma, pelo colégio dos pontífices, mas quaisquer decisões referentes à criação de novas festas eram ditadas por leis ou por senatusconsultum.

Vérrio Flaco, liberto de Augusto, homem erudito, foi tutor dos netos do Imperador e autor do Fasti Praenestini, uma inscrição em mármore de proporções majestosas (cerca de 2m de altura por 5,5m de largura), contendo mais anotações detalhadas que quaisquer outros calendários que sobreviveram. Localizava-se no fórum de Preneste (atual Palestrina), muito provavelmente dedicado ao Princeps, embora as primeiras linhas estejam faltando.

Mommsen colecionou os Fasti anni Iuliani no volume I da segunda edição do Corpus inscriptionum latinarum (1863). Dos vinte ou mais calendários inscritos pesquisados por Mommsen, apenas dois contêm alguma referência à astronomia, e essas referências são extremamente breves. Segundo Carole Newlands, os calendários romanos que restaram sugerem que a informação sobre o nascimento e o ocaso das estrelas não era uma parte essencial do calendário cívico e, se ocorreram, de alguma maneira, foram muito dispersas.

Devido à falta de sincronicidade entre o calendário cívico e o calendário natural, construído de acordo com o surgimento e desaparecimento dos signos do zodíaco e que determinava os trabalhos agrícolas, esses calendários sempre tiveram uma existência paralela, isto é, os trabalhos agrícolas, a navegação e as demais atividades que requeressem a precisão do tempo certo para desempenhar suas funções usavam o calendário de acordo com o comportamento dos astros, e a sociedade romana seguia as indicações do calendário cívico. Dois calendários agrícolas, remanescentes, elucidam esse fato: o Menologium Rusticum Vallense e o Menologium Rusticum Colotianum. Ambos são ilustrados com signos astrológicos na coluna de cada mês e ambos fornecem a casa do sol no zodíaco em qualquer época, assim como o número de dias em cada mês e as horas no dia e na noite, e também as festas e atividades agrícolas por todo o ano.

Menologium Rusticum Vallense

Menologium Rusticum Vallense

Em 45 a.C., por iniciativa de Júlio César (102 – 44 a.C.), foi instituído o novo calendário. A reforma do calendário de Júlio César sincronizou o ano celeste com o ano civil. Em 46 a.C, César, com o auxílio do matemático alexandrino Sosígenes, ajustou o calendário da República, que constava de, alternativamente, 355 e 377 ou 378 dias por ano, baseado em meses lunares e intercalações, ao ano solar de 365 dias e mais um quarto de dia.

Esse sistema veio superar o problema herdado do calendário tradicional, baseado em meses lunares: doze lunações são menores que o período de tempo que constitui o ano solar, e treze lunações perfazem um tempo maior.

Em 46 a.C. Júlio César acrescentou 90 dias ao calendário, de forma que a partir de 1º de janeiro de 45 a.C., os meses estavam corretamente alinhados com as estações e o ano solar.

Após o assassinato de César, em 44 a.C., os pontífices não entenderam suas indicações para a intercalação de um dia a cada quatro anos, e o fizeram a cada três. Em 9 a.C., sendo Augusto Pontifex Maximus, portanto oficialmente encarregado do calendário, corrigiu o erro, omitindo as intercalações por mais dezesseis anos. A partir de 8 A.D., um dia intercalar foi inserido a cada quatro anos de modo que o calendário juliano começou a ser seguido quase como o calendário moderno, ou seja, a cada 4 anos foi acrescentado um dia a fevereiro, após o dia 23, isto é, o sexto dia antes das calendas de março, um sexto dia duas vezes, portanto bissexto.

O sistema de dias seculares e sacros, do qual ainda falaremos, mudou o menos possível com a reforma de Júlio César, já que as mudanças gerariam uma crise na identidade romana e afrontaria tanto o patriotismo quanto questões ligadas ao culto aos deuses, de modo que ele foi inserido no ano solar de 365 dias e um quarto de dia.

Novas comemorações foram acrescentadas, principalmente por Augusto, para lembrar, principalmente, os feitos da gens iulia. Em 44 a.C., o Senado aprovou que o mês Quintilis passasse a ser chamado de Iulius, em homenagem a Júlio César, e em 8 a.C., Sextilis tornou-se Augustus, em homenagem ao próprio Augusto, por ser o mês em que ele obteve seu primeiro consulado e troféus de vitória.

Os romanos distinguiam entre os dias feriados ou de festas públicas (dies festi), devotados aos deuses, os dias de trabalho (dies profesti), livres para as atividades privadas e públicas, e os dias divididos (dies intercisi), partilhados entre os deuses e os homens. Os dias de festas públicas eram aqueles em que se celebravam sacrifícios aos deuses, havia jogos dedicados a eles e banquetes sagrados. Essas festas podiam ser de quatro tipos: festas fixas (feriae statiuae), festas móveis (festi conceptiuae), festas prescritas excepcionalmente (feriae imperatiuae), ordenadas pelos cônsules ou pelos pretores, e talvez os dias de mercado (nundinae).

Cada dia trazia uma marca, representada por uma letra ao lado, que determinava seu status, o que era indispensável para que não se corresse o risco de cometer profanação. Consistiam em indícios importantes, pois revelavam imediatamente ao público romano o teor profano ou religioso do dia (ou da porção do dia). Dessa forma, o dia poderia vir seguido da letra F (fastus), liberado para os assuntos jurídicos; poderia ter a letra C (comitialis), em que a comitia, assembléia do povo, podia ser convocada e votar assuntos de legislação ou veredictos a respeito de crimes; a letra N (nefastus), dia em que não podem ser decididos assuntos legais nem se pode reunir a comitia; EN (endotercisus), dias divididos entre a noite e a manhã N, e a tarde F, Fasti I 45-50, ne tamen ignores uariorum iura dierum,/non habet oficii Lúcifer omnis idem./Ille nefastus erit per quem tria uerba silentur;/fastus erit per quem lege licebit agi./Nec toto perstare die sua iura putaris:/qui iam fastus erit mane nefatus erat; (“no entanto, para que não desconheças a legislação dos diferentes dias, nem todo dia tem os mesmos preceitos. Será nefasto aquele dia no qual as três palavras38 não serão pronunciadas. Será fasto aquele no qual estará permitida a atividade jurídica. Nem julgues que por todo o dia persistirá a mesma regulamentação: o que era nefasto de manhã será fasto em seguida”). Além dos dias NF, dias incertos, sem definição de significado, provavelmente significando Nefastus Publicus.

38 As três palavras que o sacerdote não pode pronunciar são; do, dico e addico. Palavras que dão início às instâncias judiciárias. Ele pronuncia do (iudicem) quando está de acordo com um juiz; dico (uindicias secusecundum aliquem) quando ele outorga a posse interina da coisa reivindicada a um dos pleiteadores; addico (litem) quando ele aprova a pretensão de um dos pleiteantes.

Havia, ainda, dias marcados por algumas proibições, ou os dies religiosi, dos quais fazem parte as Calendas, as Nonas e os Idos, que são impróprios para os casamentos. Outra categoria era a dos dies atri, dias sombrios ou funestos. Por exemplo, os dias seguinte às Calendas, às Nonas e aos Idos foram declarados atri por uma decisão dos pontífices, por causa de reveses militares sofridos em tais dias. Os sacrifícios, os combates e as reuniões da assembléia do povo ficavam proibidos nesses dias.

Os calendários epigráficos que sobreviveram num espaço de cinco séculos apresentam uma organização básica semelhante. Os meses estão colocados da esquerda para a direita, de janeiro a dezembro, às vezes separados por linhas, cada um ocupando uma coluna. Em baixo de cada mês, há as indicações sobre cada dia individual. As letras A até H são indicações dos dias de mercado; são marcados as calendas, nonas e idos; há abreviações, em geral F, N, NP, ou C, caracterizando o dia e também estão assinalados, abreviadamente, festas, jogos e aniversários dos templos.

δ

hipparchus-ancient-greek-astronomer-sheila-terry

Fastos

Livro 2

Janeiro chega ao fim: com o poema também cresce o ano. Assim como esse mês é o segundo, assim também esse livro é o segundo. Agora, acima de tudo, versos elegíacos, ide com velas maiores. Recentemente, recordo-me, éreis obra exígua (5). Eu próprio vos tive fáceis servos no amor, quando a primeira juventude brincou com suas cadências. Canto também os sagrados tempos assinalados nos fastos. E quem acreditaria existir, a partir de tais inícios, uma via para eles? Essa é minha milícia: carregamos as armas que podemos e nossa destra não se isenta de nenhuma espécie de dever (10). Se meus dardos não são lançados por braço vigoroso, nem é o dorso do cavalo pelejador por mim pressionado, nem me protejo com elmo, nem me cinjo com aguda espada, (qualquer um pode ser hábil com essas armas), de nossa parte, César (15), prosseguimos com dedicado ânimo e passamos o teu nome por teus títulos. Sê, portanto, presente, e com plácido semblante olha um pouco meu ofício, se te encontras um tanto livre da pacificação do inimigo.

Os antigos romanos chamavam de februa as expiações. Ainda hoje muitos indícios confirmam a palavra (20). Os pontífices pedem ao rei e ao flâmine lã, que se chamava februa na linguagem dos antigos. E as purgações com farinha torrada e grãos de sal que o lictor pega nas casas determinadas são assim chamadas. O mesmo nome é dado ao ramo, que, cortado de pura árvore (25), em coroa cobre as castas fontes dos sacerdotes. Eu próprio vi a flamínica pedindo februa, à que pedia februa uma vergôntea de pinheiro foi dada. Finalmente, tudo aquilo por meio do qual se possa purificar nosso corpo tinha esse nome entre nossos intonsos antepassados (30). Por essas razões o mês é chamado fevereiro, pois os lupercos, com pele cortada, percorrem todo o solo e consideram isso expiação; ou porque, aplacados os sepulcros, os tempos se encontrem puros quando então transcorrem os dias das Feralia.50

50 As Ferálias, 21 de fevereiro, encerram o ciclo dos dies parentales que começaram em 13 de fevereiro.

Os nossos antepassados criam que todo nefas e toda causa de mal (35) podiam ser eliminados pela purificação. A Grécia deu o começo desse hábito: ela acreditava que os culpados libertam-se de suas ações ímpias depois de purificados. Peleu livrou o neto de Actor, e Acasto igualmente livrou o próprio Peleu pela morte de Foco por meio das águas hemônicas (40). O crédulo Egeu protege a Fácida trazida no ar por dragões atrelados com imerecida ajuda. O filho de Anfiarau disse ao Aqueloa, rio de Naupacto: “Absolve-me do crime”, e ele o absolveu do crime. Ah, sois por demais ingênuos, vós credes que a água fluvial pode eliminar os tristes crimes de sangue!(45)

Entretanto, para que não te enganes, ignorando a antiga ordem, o mês de Jano também antes foi o primeiro, como é hoje. O que se segue a Jano era o último do antigo ano. Tu, também, Término, eras o fim das festividades sacras (50). Pois o primeiro é o mês de Jano porque a porta é a primeira. O que é sagrado aos extremos manes era o extremo. Depois, acredita-se que os decênviros reuniram os tempos que estavam afastados por grande espaço.

§

Calendas de fevereiro, dias nefastos.

No começo do mês, Juno Sóspita, vizinha da Mãe Frígia (55), dizem, foi agraciada com um templo novo. Agora onde estão os sagrados templos da deusa que são sagrados nas Calendas? Os longos dias os fizeram jazer por terra; para que os demais não caíssem desmoronando em semelhante ruína, cuidou o providencial zelo do sagrado soberano(60), sob o qual nenhuma deterioração foi sentida nos templos. Não é o bastante ter obrigações para com os homens, ele tem obrigações para com os deuses. Fundador de templos, santo restaurador de templos, eu desejo que os súperos tenham cuidados recíprocos contigo. Que os celestes te concedam os anos que tu concedes a eles (65) e que permaneçam de sentinela diante de tua morada. Esse é o dia em que o bosque do vizinho Halerno também é freqüentado, por onde o Tibre, vindo do estrangeiro, busca as águas do mar. No santuário de Numa e no do Tonante, no Capitólio, e no alto da cidadela de Júpiter uma ovelha é imolada (70).

Muitas vezes o éter, coberto de nuvens, provoca pesadas chuvas, ou a terra se esconde sob a neve acumulada. Quando o Titã pronto para mergulhar nas ondas hespérias tira os arreios brilhantes dos púrpuros cavalos, naquela noite, elevando os olhos para os astros (75) alguém dirá: “Onde está a Lira que ontem brilhava?” E, enquanto procurar a Lira, perceberá também as costas do Leão, metade subitamente mergulhado nas límpidas águas. O Delfim, incrustado de estrelas, que até então observavas, na noite seguinte escapará de tua visão (80): seja porque ele foi feliz mensageiro de amores ocultos, seja porque ele carregou a lira lésbia com seu senhor. Que mar não o conheceu, que terra desconhece Aríon? Ele com seu canto retinha as águas correntes. Com sua voz muitas vezes o lobo foi retido ao seguir a cordeira (85), muitas vezes a cordeira parou de correr enquanto fugia do ávido lobo, muitas vezes os cães e as lebres repousavam sob uma e mesma sombra, e a corça permaneceu no rochedo próxima à leoa, e sem litígio a loquaz gralha conviveu com a ave de Palas63 e a pomba ficou junto com o falcão (90). Conta-se, sonoro Aríon, que muita vez Cíntia foi enlevada por tuas cadências, como se fosse pelo irmão dela. O nome de Aríon enchera as ondas sículas e com os sons da lira seduziu os litorais da Ausônia. Depois Aríon subiu no barco para voltar para casa (95), mas ele também carregava riquezas adquiridas com sua arte. Talvez, desgraçado, temesses os ventos e as águas: mas para ti o mar era mais seguro que teu navio. O timoneiro parou desembainhando a espada, e a restante tripulação foi cúmplice e de mãos armadas (100). O que tens tu com o gládio? Marujo, controla teu desgovernado barco: não são essas as armas que teus dedos devem segurar. Ele, possuído pelo medo, “não suplico que não me matem”, diz, “mas permita que tomando minha lira eu narre algumas canções”. Dão a permissão e riem da demora; ele toma a coroa (105), que possa, Febo, ornar teus cabelos. Cobriu-se com o manto duplamente tingido com a púrpura de Tiro; a corda vibrada com o polegar produziu seus sons, assim como quando o cisne canta com versos lacrimosos quando tem trespassada sua alva têmpora por dura flecha (110). E, em seguida, lança-se assim ornado em meio às ondas; o cerúleo barco é molhado com o impulso da água. E disso dizem (é mais do que se pode crer) que um golfinho de dorso curvado colocou-se sob esse novo peso. Ele, sentando e tomando a lira, canta para pagar o preço do transporte, e com a poesia acalma as águas do mar (115). Os deuses estão atentos aos pios feitos: Júpiter recebe o golfinho entre os astros e ordena que tenha nove estrelas.

63 Ave de Palas. A sábia coruja opondo-se à gralha faladeira.

§

Nonas, dia nefasto de festas públicas.

Eu gostaria, Meônio, de que houvesse agora em mim mil sons, bem como teu talento com o qual Aquiles foi cantado (120), enquanto canto em versos alternados as sacras Nonas: essa máxima honra é cumulada pelos fastos. Meu talento é fraco e algo maior se impõe às minhas forças. Esse dia há de ser cantado por mim com a melhor expressão. Por que quis eu, demente, impor tanto de peso à importância da elegia? (121) Esse assunto era próprio do pé heróico. Santo pai da pátria, a ti a plebe, a ti a cúria deu esse nome; e nós, eqüestres, te damos esse nome. No entanto, antes, teus feitos te deram esse nome: igualmente tarde carregaste as verdadeiras glórias, bem antes já eras pai do mundo (130). Tu tens na terra o nome que Júpiter tem no alto éter: tu, pai dos homens, ele, dos deuses. Rômulo, perderás teu lugar: Augusto, defendendo, faz grandes as muralhas, ao passo que tu as deste a Remo para que fossem transpostas; reconheceram-te Tácio, os pequenos curos e Cenina (135), sendo Augusto o chefe, um e outro lado do sol é romano; tu tinhas um pouco, não sei quanto, de terras conquistadas, o que quer que esteja sob o elevado Júpiter César tem; tu raptas esposas, ele ordena que elas sejam castas sob seu governo; tu acolhes o crime no bosque, ele os repele(140); a violência é que te agrada, sob César as leis é que florescem; tu sustentas o nome de senhor, ele o de princeps; Remo te incrimina, ele concedeu o perdão aos inimigos; o pai te fez celeste, Augusto fez o pai celeste.73

73 Divinização de Júlio César.

Já o jovem Ideu eleva-se até a metade (145) e derrama as águas límpidas misturadas com néctar. Eis também que, se alguém costumava tremer ante Bóreas74, alegre-se: chega uma brisa mais branda da parte de Zéfiro.75 Pela quinta vez Lúcifer76 elevou seu disco brilhante das ondas do mar, e chegarão os tempos do começo da primavera (150). Entretanto, para que não te enganes, restam para ti épocas frias, e o inverno afastando-se deixou grandes marcas. Chegue a terceira noite, perceberás que o guardião da Ursa mostrou os dois pés. Entre as Hamadríades e Diana caçadora, (155) Calisto fazia parte do sacro coro. Ela tangendo o arco da deusa, “ó arcos que tangemos, sede testemunhas de minha virgindade”, diz. Cíntia exaltou: “Mantém os laços prometidos e serás para mim a principal das companheiras” (160). Ela manteria os laços se não fosse formosa. Ela acautelou-se com os mortais, incriminou-se por causa de Júpiter. Tendo caçado mil feras na floresta, Febe77 voltava com o sol marcando meio dia ou mais; assim que alcançou o bosque sagrado (o bosque era denso pelas azinheiras, no centro havia uma fonte alta de gélida água); (165) ela diz: “Aqui na floresta, virgem Tegéia, banhemo-nos!” Calisto corou ouvindo a palavra “virgem”. Ela referira-se também às ninfas. Elas tiram as vestes, Calisto envergonha-se disso e atrasando-se demonstra mau sinal. (170) Ao despir as túnicas ela própria se traiu denunciada pelo inchaço do ventre, indício da gravidez. A deusa lhe falou: “Perjura, filha de Licáon, abandona as reuniões das virgens e não poluas as castas águas!” A lua preenchera por dez vezes seu renovado disco com seus cornos79 (175): a que fora acreditada virgem era mãe. Ultrajada, Juno enlouquece e muda a aparência da jovem. Que fazes? Foi contra a vontade que ela se submeteu a Júpiter. E, quando Juno vê o torpe rosto de fera na amante, diz: “Júpiter, corre agora aos braços dela!” (180) Esquálida errava pelos selvagens montes a ursa, que fora, há pouco, amada pelo supremo Júpiter. A criança concebida furtivamente contava já três lustros80 quando a mãe foi ao encontro do filho. Ela, na verdade, como conhecesse o filho, parou perturbada (185) e gemeu: os gemidos eram as palavras de mãe. O menino, sem reconhecê-la, tê-la-ia trespassado com pontiaguda lança, se não fossem ambos arrebatados às moradas celestes. Suas constelações brilham próximas. Primeiro está a que chamamos Árcton81, Arctófilax82 parece seguir suas costas (190). A Satúrnia83 se enfurece a tal ponto que pede à branca Tétis que não lave e não toque com suas águas Árcton do Mênalo84.

74 Vento do norte.
75 Vento que sopra do ocidente, qualquer vento.
76 A estrela da manhã.
77 Febe, a Lua, Diana.
79 Os dez meses lunares que completam uma gestação.
80 O lustro se repete a cada cinco anos.
81 Ursa.
82 Boieiro.
83 Juno.
84 Maneira poética de afirmar a visibilidade permanente da constelação no horizonte.
roman-calendar-fragment-palazzo-massimo-rome

Idos, dia nefasto de festas públicas.

α

Dia 13

Nos Idos os altares de Fauno agreste soltam fumaça, ali onde a ilha separa as águas em duas partes. Aquele foi o dia no qual os trezentos e seis Fábios pereceram sob os exércitos veientes 86 (195). Uma só casa encarregara-se dos homens e do ônus da Urbe. As mãos de uma só família assumem as armas pelas quais se comprometeram. O nobre soldado sai do mesmo acampamento do qual, quem quer que fosse, era digno de tornar-se um chefe (200). À direita do templo de Jano, há uma via próxima à porta de Carmenta. Não queiras passar por ela, quem quer que sejas: há um presságio. Diz-se que, por ela, trezentos Fábios saíram. Apesar de a porta estar isenta de culpa, o presságio persiste. Logo que eles, em passo acelerado, atingiram o voraz Crêmera (205) (agitado ele transbordava devido às águas invernais), acamparam no local. Desembainhando as próprias espadas, seguem, pelo vigoroso Marte, através das tropas tirrenas, semelhantes aos leões dos povos líbios quando atacam o gado disperso pelos vastos campos (210). Os inimigos fogem e sofrem vergonhosos ferimentos nas costas: a terra se enrubesce pelo sangue tusco. Assim novamente, e ainda outra vez, eles morrem; onde não é possível vencer abertamente eles preparam emboscadas escondendo soldados. Havia uma planície cujas extremidades eram fechadas por colinas (215) e por uma floresta boa para ocultar feras monteses. No meio deixam alguns homens e gado espalhado; a tropa restante apartada oculta-se nas moitas. Eis que, como uma torrente aumentada por águas pluviais ou por neve que derrete vencida pelo tépido Zéfiro, a qual se lança por searas e caminhos, (220) e não, como antes costumava, contém suas águas pelo contorno de suas margens, assim os Fábios enchem o vale em diferentes direções, e o que vêem eles derrubam, e não há temor algum neles. Para onde vós, valorosa estirpe, vos precipitais? Pouco credes no inimigo. (225) Ingênua nobreza, acautelai-vos contra a pérfida lança!A virtude desaparece com o embuste, e de toda parte precipitam-se os inimigos em campo aberto, e ocupam todos os lados. O que podem fazer uns poucos bravos contra tantos milhares? Ou que socorro subsiste num momento tão mísero? (230) Assim como o javali perseguido ao longe na floresta pelos latidos dispersa os céleres cães com sua voraz boca, embora ele mesmo logo pereça, assim também eles não morrem sem se vingarem: alternando as mãos eles dão e recebem golpes. Um único dia enviara todos os Fábios para a guerra, (235) um único dia causou a perda de seus enviados à guerra. No entanto, para que a descendência de Hércules sobrevivesse, acredita-se que os próprios deuses encarregaram-se. Pois um menino impúbere e ainda não útil para as armas, único da família Fábia, fora poupado; (240) para que naturalmente tu, Máximo, pudesses um dia nascer, tu, por quem a situação haveria de ser reparada com a espera do melhor momento.

No mesmo espaço, três constelações, o Corvo e a Serpente, uma ao lado da outra, e no meio, entre ambas, se esconde a Taça. Nos Idos lá elas se escondem, e surgem na noite seguinte (245). Cantar-te-ei por que as três são tão unidas. Casualmente Febo preparava uma grande festa para Júpiter (nossa história não terá longas demoras): “Vai, minha ave”, disse, “para que nada retarde os pios sacrifícios, e traze-me a límpida água de viva fonte” (250). O corvo leva em suas garras recurvadas uma dourada cratera e voa alto através do caminho aéreo. Erguia-se uma figueira coberta de frutos ainda verdes; com o bico a ave experimenta: não estava bom para colher. Não se lembrando da ordem recebida, dizem que a ave sentou-se sob a árvore até que, depois de longo tempo (255), os frutos se tornassem doces. E, já saciada, pega uma longa serpente com as negras úngulas, volta ao senhor e diz estas fingidas palavras: “Eis a razão de minha demora, o interceptador das vívidas águas; ele se apossou das fontes e impediu meu trabalho”. (260) Febo diz: “acrescentas mentiras a tua culpa e ousas querer enganar com palavras o deus fatídico? Mas enquanto o leitoso figo estiver preso à árvore, de fonte alguma as gélidas águas beberás”. Disse, e como perenes recordações do antigo feito, (265) as constelações da Serpente, do Corvo e da Taça brilham juntas.

Fasti_Praenestini_Massimo_n2

Lupercais, dia nefasto de festas públicas.

α

Dia 15

A terceira Aurora após os Idos observa os nus Lupercos, e chegam os ritos dos bicornes Faunos. Dizei, Piérides, qual é a origem dos ritos, e dizei de onde parte essa origem buscada até chegar às casas do Lácio. (270) Dizem que os antigos arcádios cultuavam Pan, deus do gado; ele era muito presente, principalmente nas montanhas da Arcádia. Fóloe será testemunha, serão testemunhas as ondas do Estínfalo e o Ladão, que com suas águas rápidas corre para o mar, os bosques montanhosos do Nonácris cingidos de pinheirais, (275) a alta Trícrene e as neves do Parrásio. Pan era divindade dos rebanhos, protetor dos eqüinos, ele recebia oferendas em troca de preservar as ovelhas. Evandro98 transportou consigo as divindades silvestres: aqui onde agora é Roma era o local de sua cidade. (280) Desde então cultuamos esse deus e os ritos trazidos dos pelasgos. Por um antigo costume, o Flamen Dialis era o que presidia os ritos. Portanto, perguntas por que eles correm e por que (assim é o costume correr) mostram o corpo nu tirando suas vestes. O próprio deus alegra-se em veloz correr sobre os altos (285) montes, e ele próprio perpetua súbitas fugas. O próprio deus, nu, ordena que seus ministros fiquem nus; e não será bastante cômodo estar com roupas para correr. Dizem que antes do nascimento de Júpiter os árcades já habitavam suas terras e que seu povo é anterior à Lua. (290) Sua existência era semelhante à das feras, vivida sem necessidades, e até então o povo era rude e isento de técnicas. Em lugar de casas, conheciam folhagens; em lugar de cereais, plantas silvestres; seu néctar era a água sorvida nas palmas das mãos. Nenhum touro resfolegava sob o adunco arado. (295) Nenhuma terra estava sob o domínio de um cultivador. Até então não se fazia uso do cavalo: cada qual se carregava. A ovelha seguia com o corpo coberto por sua própria lã. Viviam no sereno e tinham os corpos nus capazes de suportar pesadas chuvas e o Noto104. (300) Até hoje eles, sem roupa, trazem a lembrança do antigo costume e testemunham antigos expedientes. Mas conta-se uma fábula cheia do humor antigo, segundo a qual se diz a principal razão pela qual Fauno evita a roupa. Casualmente, o jovem de Tirinto acompanhava sua senhora: (305) um Fauno do alto do morro viu os dois. Viu e apaixonou-se: “Divindades da montanha”, disse, “nada tenho convosco, este será meu ardor”. A meônida seguia com os ombros cobertos de seus perfumados cabelos, admirável em seu vestido bordado a ouro. (310) Uma sombrinha dourada afastava os calores do sol, embora hercúleas mãos a sustentassem. Já ela chegava aos bosques de Baco e às vinhas do Tmolo, e já Vésper vinha em seu escuro cavalo. Ela adentrou o antro de teto esculpido a tufo e pedra pomes (315); havia bem na entrada um riacho cantante. Enquanto os servos preparavam a refeição e o vinho que seria bebido, ela guarnece Alcides com seus enfeites. Dá suas delicadas túnicas tingidas com o múrice da Getúlia, dá seu cinto arredondado com o qual até então estava cingida. (320) O cinto era menor que o ventre; ele afrouxa os nós da túnica para que possa tirar as grandes mãos; quebrou os braceletes que não foram feitos para tais braços, os grandes pés quebraram os pequenos laços das sandálias. Ela própria toma a pesada clava, o espólio do leão (325), e os dardos menores guardados na aljava. Assim usufruem da refeição, assim entregam seu corpo ao sono e deitam-se em camas separadas postas lado a lado: a razão para tal é que preparavam, ao inventor da vinha, cerimônias que deveriam cumprir em pureza ao raiar do dia. (330) Era transcorrida metade da noite. O que um amor lascivo não ousa? Através das trevas, o Fauno adentra a gruta orvalhada; como vê os companheiros entorpecidos pelo vinho, tem a esperança de que os senhores também estejam adormecidos. Entra e, atrevido e libertino, perambula de um lado para o outro, (335) mostra ter mãos cautelosas e avança. Ele estava para ser bem sucedido; chegara ao quarto do leito tão cobiçado quando ele tocou as cerdas hirsutas do fulvo leão, ele teve grande medo, razão por que suspendeu a mão, (340) e atônito pelo medo voltou, como amiúde o viajante recolhe o pé, assustado ao ver uma serpente. Depois ele toca as delicadas cobertas do leito que estava ao lado e engana-se com um indício traiçoeiro: sobe, deita-se no leito que lhe estava mais próximo, e seu membro intumescido estava mais duro que um chifre; enquanto isso ele levanta as túnicas pela extremidade de baixo (345) e as ásperas pernas se eriçaram com os densos pelos. Súbito o herói de Tirinto o repeliu enquanto ele tentava o resto: o Fauno cai do alto da cama. Ocorre um barulho, a meônida grita por suas companheiras e pede por luz; (350) trazidos os fachos, desvendam-se os acontecimentos. Lançado violentamente do alto do leito ele geme e mal levanta seu corpo do chão duro. Alcides ri e riem aqueles que o viram deitado. A jovem lídia ri de seu amante. O deus, enganado pela roupa, não ama as vestimentas que enganam seus olhos, e invoca nus para seus ritos. (355)

98 Herói originário da Arcádia, fundador do Palanteu, a povoação instalada no Palatino, local onde mais tarde Rômulo fundaria Roma. Foi bem acolhido pelo rei dos aborígenes, Fauno. Governou com justiça e trouxe civilização aos habitantes da região. Ensinou-lhes a arte da escrita e da música. A ele é atribuída a introdução de diversos cultos arcádicos: o de Ceres, o de Netuno, e, sobretudo o de Pã Lício, em honra do qual instituiu a festa das Lupercais.
104 Vento do sul.

Acrescenta, minha Musa, razões latinas às estrangeiras, e que meu cavalo corra em sua própria poeira. Imolada uma cabrita, de acordo com o costume, ao cornípede Fauno, chega convidada uma turba para a modesta refeição. (360) E enquanto os sacerdotes preparam as entranhas transpassando-as em espetos de salgueiro, o sol estando a meio caminho, Rômulo, seu irmão e os jovens pastores ofereciam seus corpos nus ao campo e aos sóis. Com cestos, com dardos e com o arremesso de pesadas pedras, (365) ofereciam os braços ao exercício dos jogos. Do alto um pastor disse: “Rômulo e Remo, os ladrões estão levando o gado pelos desvios do campo”. Armarem-se era demorado: ambos partem em direções opostas; vindo na direção de Remo a presa é recuperada. (370) Ao voltar, puxa as entranhas que estalavam nos espetos e diz: “Certamente apenas o vencedor comerá essas partes.” Dito e feito, e os Fábios fazem o mesmo. Rômulo chega ali frustrado e vê as mesas e os ossos descarnados. Riu-se e lamentou que os Fábios tivessem podido (375) vencer e que seus Quintílios não. A fama desse feito permanece: depois de tirar seus trajes, correm, e o que terminou bem alcança uma reputação memorável.

Talvez também perguntes por que esse local é o Lupercal113 ou por que razão chama-se esse dia por tal nome. (380) A vestal Sílvia dera à luz sementes celestes, enquanto seu tio reinava. Ele ordena que os pequenos sejam levados ao rio e sejam mortos. Que fazes? Um desses será Rômulo! Os escravos, embora relutantes, cumprem as lastimáveis ordens; (385) choram, mas levam os gêmeos para o local ordenado. Álbula, que recebeu de Tiberino mergulhado em suas águas o nome de Tibre, aconteceu de estar cheio por causa das águas invernais. Aqui onde agora estão os foros e no lugar em que se estendem os teus vales, Círculo Máximo, vias circularem as canoas. (390) No local aonde chegaram (pois não podiam prosseguir mais) um e outro diz: “Mas como são parecidos! E como são belos! No entanto, dos dois, esse tem mais vigor. Se a origem manifesta-se pelo rosto e se a aparência não engana, (395) não sei ao certo quem, mas suspeito que em vós há algum deus. Mas se algum deus fosse autor de vossa origem, ele ofereceria auxílio num momento tão difícil; vossa mãe certamente vos traria auxílio, se ela não precisasse dele, ela que num único dia se fez mãe e perdeu seus filhos. (400) Ao mesmo tempo nascidos, ao mesmo tempo destinados, ao mesmo tempo sob as ondas ide, corpos.” Ele acabara e em seguida do seio depôs os meninos. Ambos vagiram juntos: julgarias que eles tinham compreendido. Os escravos voltaram para sua casa com o rosto úmido. O bojo de uma arca os sustém sobre as águas, (405) nela colocados. Ai! Quanto de fardo carregou o pequeno lenho!A arca aportou junto a sombria vegetação em meio ao lodo, e pouco a pouco se assenta enquanto o rio baixa. Havia uma árvore – seus vestígios ainda subsistem – que agora é chamada figueira ruminal, era a figueira de Rômulo. (410) Uma loba que deu à luz chega, feito admirável, aos gêmeos expostos. Quem acreditaria que a fera não fez mal às crianças? Não só não fez mal como também lhes foi útil. Os que a loba nutre, mãos de mesmo sangue tentaram destruir. Ela parou, com o rabo acaricia os tenros bebês (415) e com a língua afaga os dois corpos. Reconhecerias serem filhos de Marte: não houve temor. Eles mamam e são alimentados pelo vigor do leite que não lhes era destinado. Ela deu seu nome ao local, o mesmo local o deu aos lupercos: a nutriz recebe grande recompensa pelo leite doado. (420)

113 Lupercal é o nome da gruta situada ao pé do Palatino. Foi lá que considera-se que a loba amamentou Rômulo e Remo. Lupercais é o nome oficial da festa.

O que impede os lupercos de serem chamados em razão do monte Arcádio? O fauno recebe, com o nome de Liceu, um templo na Arcádia. Jovem esposa, o que esperas? Não serás mãe nem com ervas poderosas nem com preces nem com fórmulas mágicas. Paciente, sofras os açoites da destra mão, (425) e já teu sogro terá o desejado nome de avô. Pois esse foi o tempo em que, por cruel sorte, as esposas concebiam raros filhos em seus úteros.“De que me serve ter raptado as sabinas”, clamava Rômulo (isso se deu quando ele detinha o cetro). (430) “Se minha injúria criou guerras e não poderes, teria sido mais útil não ter tido noras”. Perto do monte Esquilino havia um bosque não cortado por muitos anos, em honra da grande Juno. Quando aí chegam igualmente marido e esposa, (435) ajoelham-se em súplica, quando subitamente os cumes dos agitados arvoredos tremeram, e a admirável deusa por seus bosques vaticinou: “Que o sagrado bode penetre as itálicas mães.” O grupo aterrorizado atordoou-se em razão das dúbias palavras. (440) Havia um áugure, seu nome perdeu-se ao longo dos anos, que recentemente chegara exilado da terra etrusca. Ele sacrifica um bode e as jovens sob suas ordens apresentavam as costas para serem açoitadas com as peles cortadas. A lua recuperava em seu décimo ciclo os novos cornos, (445) e o marido subitamente tornava-se pai e a esposa, mãe. Graças a Lucina: o bosque te deu esse nome, ou então, deusa, porque tens o princípio da luz. Poupa, propícia Lucina, peco-te, as jovens grávidas e retira suavemente a termo a criança do útero. (450)

Nascido o dia, deixa de confiar nos ventos. A brisa desse tempo destruiu a credibilidade. Os sopros não são constantes, por seis dias a larga porta do cárcere eólio abre-se escancarada. Já o inconstante Aquário com sua oblíqua urna desaparece. (455) Recebe, Peixes, em seguida os etéreos cavalos. Dizem que tu e teu irmão (pois cintilais como constelações juntas) apoiaram dois deuses nas costas. Outrora Dione, fugindo do terrível Tifeu (quando então Júpiter pegou em armas em defesa do céu) (460) chega ao Eufrates acompanhada do pequeno Cupido e assenta na margem do rio palestino. Choupos e Juncos ocupavam a superfície das margens e os salgueiros lhes ofereciam a esperança de que os dois ali podiam estar protegidos. Enquanto ela se esconde, o bosque ressoa com o vento: ela empalidece pelo temor (465) e crê que mãos hostis estão por perto. Ao segurar seu filho no regaço, disse: “Socorrei-me, ninfas, e trazei auxílio a dois deuses!” E sem demora correu. Dois peixes aproximaram-se, em razão disso tu percebes que eles têm agora nome de constelação. (470) Por essa razão os sírios consideram impiedade colocar na mesa essa espécie, e, temerosos, não profanam suas bocas com peixes.

Roman calendar (Fasti Praenestini) from 6-10 AD

Quirinais, dia nefasto de festas públicas.

α

Dia 17

O dia seguinte é livre, mas o terceiro é consagrado a Quirino. Ele tem esse nome (antes foi Rômulo) ou porque a lança é chamada curis pelos antigos sabinos: (475) o deus bélico pelo dardo chega aos céus; ou os quirites atribuíram o nome a seu rei, ou porque este juntara aos romanos os cures. Pois o pai armipotente, depois que viu a nova muralha e as muitas guerras realizadas pelas mãos de Rômulo (480), disse: “Júpiter, o poder romano tem força, ele não precisa do auxílio do meu sangue. Restitui o filho ao pai: ainda que o outro morra, aquele que me resta valerá por si mesmo e por Remo. Um único será quem tu elevarás ao azul do céu. (485) Tu mo disseste: sejam os ditos de Júpiter refletidos.” Júpiter anuíra: ambos os pólos estremeceram com o sinal, e Atlas conheceu o peso do céu. Há um lugar, os antigos o chamaram-no pântano da cabra: acontecia, Rômulo, de dares ali a justiça aos teus. (490) O sol desaparece e nuvens aproximando-se somem com o céu, e uma pesada chuva cai em torrentes profusas. Aqui troveja, ali o céu se rasga lançando raios. Ocorre uma fuga e o rei nos cavalos paternos dirigia-se aos céus. Havia luto e os senadores incriminados em falsos delitos, (495) e essa convicção talvez se tivesse ligado aos ânimos, mas Próculo Júlio chegava de Alba Longa. A lua brilhava e não era necessário usar tochas, quando com súbito movimento as sebes da esquerda tremeram. Ele retrocedeu e seus cabelos se eriçaram. (500) Belo e ornado com a toga, maior do que um humano, viu-se Rômulo aparecer no meio do caminho, e ao mesmo tempo ter dito: “Proíbes aos quirites lamentarem-se, e não ultrajem minha divindade com suas lágrimas. Que a pia turba traga incenso, acalme o novo Quirino, (505) e cultive as artes dos ancestrais e o dever militar.” Ordenou, e em delicadas aragens desapareceu diante dos olhos. Próculo convoca o povo e relata as ordens. Ergue-se um templo ao deus; uma colina também levou seu nome, e dias certos refazem os paternos ritos em dias certos. (510)

Aprende por que o mesmo dia também é chamado festa dos estultos: no fundo há uma razão que, apesar de pequena, é conveniente. A antiga terra não teve sábios colonos: as duras guerras fatigavam os ativos varões. Era mais honroso ser capaz no gládio do que no curvo arado: (515) o campo negligenciado pelo dono produzia pouco. Os antigos, contudo, lançavam o trigo, colhiam o trigo, davam o trigo cortado a Ceres como primícia. Avisados pela experiência, deram o trigo às chamas para torrar, e sofreram muitos prejuízos em razão de seus erros. (520) Pois ora arrastavam negras cinzas em lugar de trigo, ora o fogo consumia os próprios casebres. Fez-se a deusa Fornace: os alegres colonos suplicam a Fornace para que ela cuide de suas searas. Agora o curião máximo proclama as Fornacálias com as fórmulas legais (525) e não torna fixa a cerimônia. E no foro, muita tabela pendendo à volta, cada cúria é assinalada por uma marca certa; a parte estulta do povo desconhece qual é sua cúria, mas refaz no último dia a celebração. (530)

§

Ferais, dia fasto.

Há que honrar os túmulos, aplacando as almas dos antepassados e trazendo pequenas oferendas para as cinzas amontoadas. Os manes pedem pouco: a reverência, em lugar da oferenda cara, é aceita; o profundo Estige não tem ávidos deuses. É suficiente uma cobertura adornada com coroas oferecidas, (535) cereais espalhados e uns poucos grãos de sal, e Ceres amolecida no vinho, e violetas soltas: tenha essas coisas um vaso deixado no meio do caminho. Eu não me oponho às oferendas mais caras, mas com aquelas as sombras também podem ser aplacadas. Erguidos os altares, acrescenta preces e as palavras adequadas. (540) Enéias, digno patrono da piedade, trouxe esse costume para tuas terras, ó insigne Latino. Ele realizava as devidas oferendas ao Gênio do pai. Dele os povos aprenderam os pios ritos. Mas outrora, enquanto travavam longas guerras entre exércitos aguerridos, (545) abandonaram os dias da Parentália. Isso não ocorreu impunemente. Assim, dizem que, por esse ultraje, Roma sofreu grandes calores com as piras funerárias dos arredores. Custo acreditar: dizem que os nossos avós saíram das sepulturas lamentando-se na calada da noite; (550) dizem que pelas ruas da Urbe e pelos amplos campos as almas disformes, turba inconsistente, ululavam. Depois disso, as honras pretéritas omitidas são devolvidas aos túmulos, e enquanto essas coisas acontecem, ocorre um limite para os prodígios e para os funerais. No entanto até que esses fatos aconteçam, esperai, jovens viúvas: (555) que o archote nupcial aguarde os dias puros; nem a ti, que parecerás madura à mãe ansiosa, penteie os virginais cabelos a hasta curva. Guarda tuas tochas, Himeneu, e tira-as das funestas chamas: os tristes sepulcros tem outros lumes. (560) Sejam também as divindades dos templos ocultadas pelas portas fechadas; estejam as aras isentas do incenso e permaneçam sem fogo as lareiras. Agora as almas ligeiras e os corpos sepultados vagam, agora a sombra é nutrida com o alimento depositado. Contudo essas festas tantos dias do mês não ultrapassem a quantos são os pés que o nosso poema tem. (566) Chamaram esse dia Ferália porque nele levam-se as honras devidas aos mortos: Esse é o último dia para aplacar os manes.

Eis que estando no meio de meninas, uma anciã (embora ela mesma mal se cale) oferece sacrifícios a Tácita, (570) e com três dedos ela deposita três grãos de incenso sob a porta, por onde um pequeno rato criou para si um caminho oculto. Então, junta fios encantados com o escuro chumbo e rola sete favas negras na boca; comprimiu a cabeça de um pequeno peixe salgado com pez e o atravessa com uma agulha de cobre, (575) e torra a cabeça furada no fogo, e ainda estila vinho sobre isso. De todo o vinho que restou, ou ela bebe, ou as companheiras bebem, embora ela beba mais. “Amarramos hostis línguas e inimigas bocas”, diz a anciã, retirando-se embriagada. (580) Em seguida nos perguntarás quem é a deusa Muda: aprende as coisas que me são conhecidas pelos velhos de antigamente. Júpiter, vencido por desmesurado amor a Juturna, muito suportou que um deus tamanho tanto não devia suportar. Ela ora escondia-se nas florestas, entre as aveleiras, (585) ora lançava-se nas águas suas parentes. Ele convoca as ninfas, todas as que habitavam o Lácio, e lança no meio da reunião tais palavras: “Vossa irmã, ela mesma, recusa-se e evita o que lhe convém: deitar-se com o maior dos deuses. (590) Atendei aos interesses de nós dois: pois o que será meu grande prazer será o grande benefício de vossa irmã. Obstai-lhe a fuga pela margem mais próxima, e que seu corpo não mergulhe na água do rio.” Dissera; anuíram as ninfas todas do Tibre, (595) e as que habitam teus tálamos, ó deusa Ília Acontece que houve uma naia, de nome Lara, mas a primeira sílaba pronunciada duas vezes era seu antigo nome, tirado de um defeito. Amiúde lhe dissera Almão: “Filha, segura tua língua.” E mesmo assim ela não a segura. (600) Logo que entrou no lago de sua irmã Juturna, disse: “Evita as margens!” E ela relata os ditos de Júpiter. Foi ter ainda com Juno, compadecendo-se das esposas, disse: “Teu marido ama a naia Juturna.” Júpiter irritou-se e arranca-lhe a língua que ela não usou com moderação, (605) e chama Mercúrio: “Conduz esta aos manes, esse local é próprio aos silenciosos; ninfa ela é, mas agora será ninfa do pântano infernal”. Cumprem-se as ordens de Júpiter. Um bosque acolhe os andarilhos: dizem que ela então foi do agrado do deus condutor. (610) Ele mostra violência, ela implora com os olhos em lugar das palavras, e sendo-lhe muda a boca, inutilmente tenta falar. Ela engravida e dá à luz gêmeos, os Lares, que zelam pelas encruzilhadas e sempre vigiam nossa Urbe.

Os caros parentes deram o nome de Carístia ao dia seguinte, (615) e o grupo dos mais próximos apresenta-se aos deuses tutelares. Certamente desviando dos túmulos e dos parentes que morreram agrada voltar os olhos para os vivos, e depois de tantas perdas agrada observar o que resta de nosso sangue e enumerar as gerações. Que venham os puros: para longe daqui, (620) longe esteja o ímpio irmão e a mãe cruel para com seus filhos, aquele para quem o pai viveu demais e que conta os anos da mãe, e a iníqua sogra que maltrata a odiosa nora. Afastem-se os irmãos descendentes de Tântalo e a esposa de Jasão, (625) a que deu semente mirrada aos lavradores; e não só Procne e a irmã e Tereu, que foi iníquo com as duas, e todo aquele que constrói sua riqueza por meio do crime. Aos deuses oferecei incenso de boa procedência: dizem que a Concórdia é precipuamente propícia nesse dia; (630) e oferecei banquetes, penhor de agradável oferenda, para que o prato colocado nutra os Lares vestidos. E logo que a úmida noite induzir a placidez do sono, quando estiverdes prontos para a prece, tomai bastante vinho com a mão, e dizei: “A vossa saúde, a tua saúde, pai da pátria, grande César!” (635) Que sejam boas as palavras enquanto for derramado o vinho.

The-Fasti-Praestini

Terminálias, dia nefasto de festas públicas.

α

Dia 23

Quando a noite passar, com a honra habitual, seja celebrado o deus que separa com sua marca os campos. Término, quer sejas pedra, quer sejas estaca enterrada no campo, desde a Antiguidade tu também és dotado de cultuada divindade. (640). A ti coroam-te dois chefes de partidos opostos, a ti trazem duas guirlandas e oferecem dois bolos sagrados. Faz-se uma ara: para ela a própria mulher do campo traz o fogo num pequeno vaso de barro tomado da tépida lareira de sua casa. Um velho racha lenha e reúne com habilidade os pedaços, (645) e esforça-se em fixar os ramos na dura terra. Depois ele dá início às primeiras chamas com casca seca; de pé, um menino com as mãos segura um grande cesto. Então quando ele por três vezes lança grãos ao fogo, a pequena filha oferece bolos de mel cortados. (650) Outros trazem vinho: um pouco de cada coisa é oferecido às chamas. A turba vestida de branco observa e guarda silêncio. Término, de todos, é aspergido com o sangue do cordeiro imolado; e o deus não se queixa quando uma porca de leite lhe é ofertada. Os vizinhos em sua simplicidade se reúnem e celebram banquetes, (655) santo Término, e cantam teus louvores: “Tu delimitas povos, cidades e imensos reinos; sem ti todas as propriedades estarão em litígio. Para ti não há ambição, não és corrompido por nenhum ouro, tu guardas os campos que te foram creditados a fé das leis”. (660) Se outrora tivesses marcado a terra de Tyra, trezentos corpos não teriam sido enviados ao leto, nem o nome de Otríades seria lido em armas confiscadas. Ó quanto sangue ele deu à pátria! O que aconteceria quando um novo Capitólio se fizesse construído? (665) A reunião dos deuses cedeu a Júpiter e entregou-lhe o lugar; Término, como os antigos recordam, encontrado no templo, resistiu e compartilha o santuário com o grande Júpiter. Ainda hoje os tetos dos templos têm uma exígua abertura, (670) para que acima deles nada se perceba senão os astros. Término, depois disso a mobilidade para ti não é livre: na posição em que tiveres sido posto, permanece. E se um vizinho te pedir algo, não concedas, para que não pareças preferir o homem a Júpiter. E se fores tocado pelos arados ou pelas enxadas, clama: “Teu é este campo, aquele, o teu!” (675) Há uma via que leva o povo aos campos laurentinos, reinos outrora cobiçados pelo chefe dardânio. Nessa via, o sexto marco desde a Urbe, Término, vê os sacrifícios feitos para ti com as entranhas do gado lanudo. (680) A terra é dada com limites certos a outros povos; o espaço da Urbe romana e do mundo é o mesmo.

§

Regifúgio, dia nefasto.

Agora a fuga do rei será por mim relatada. O sexto dia que precede o fim do último dia do mês118 trouxe o nome daquela fuga. Tarqüínio, homem injusto, embora corajoso nos combates, era o que detinha o último reinado sobre o povo romano. (685) Algumas cidades ele capturara, outras destruíra, e tornara seus os gábios com torpe artifício. Pois o mais novo de seus três filhos, um legítimo descendente do Soberbo, na calada da noite insinuou-se no meio dos inimigos. (690) Os soldados desembainharam-se dos gládios: “Matai um desarmado”, disse; “isso é o que meus irmãos desejariam, e também meu pai Tarqüínio, que dilacerou minhas costas com cruel açoite”. Para poder afirmar isso ele se submetera ao açoite. A lua brilhou: eles observam o jovem e guardam os gládios; (695) tiradas as vestes, eles vêem as costas marcadas. Os soldados choram até, e lhe pedem que sirva com eles na guerra. Em sua astúcia ele concorda com os homens que aí se mostram ingênuos. Já no poder envia um amigo para que peça ao pai que lhe mostre a maneira de destruir Gábios. (700) Havia um refinadíssimo jardim de ervas aromáticas, seu solo era cortado por um delicado rio de cantantes águas. Ali Tarqüínio recebe as ordens secretas de seu filho, enquanto corta as pontas dos lírios com uma vara. (705) Assim que o mensageiro voltou e falou a respeito dos lírios caídos, o filho diz: “Entendo as ordens de meu Pai”. E sem demora, mortos os cabeças da cidade gabina, as muralhas destituídas de seus chefes restam desguarnecidas.

118 Dia 24.

Eis que, visão monstruosa, percebendo o crime, uma serpente sai do meio dos altares e, estando o fogo extinto, arrebata a fressura. (710) Febo é consultado. Assim o oráculo é proferido: O que por primeiro tiver dado um beijo em sua mãe será vitorioso.” E cada um deles apressou-se em beijar suas mães, turba crédula não compreendendo o deus. Bruto era sábio e fingindo-se estulto (715) para que ficasse a salvo de tuas insídias, cruel Soberbo, prostrando-se ajoelhou-se e beijou a mãe Terra: acredita-se que ele tenha caído tropeçando. Nesse meio tempo Árdea é cercada pelas insígnias romanas e sofre bloqueio bastante demorado. (720) Enquanto nada acontece, os inimigos temem começar uma batalha, exercitam-se no acampamento, o soldado passa o tempo no ócio. O jovem Tarqüínio recebe aliados com banquetes e vinho; entre eles o filho do rei diz: “Enquanto Árdea nos mantém ocupados com uma guerra prolongada (725) e não nos permite levar de volta as armas aos deuses paternos, por ventura o nosso leito conjugal é respeitado? E por ventura nós somos para nossas esposas motivo de preocupação, assim como elas são para nós? Cada um louva a sua: no embate das opiniões as disputas aumentam, e coração e língua fervem em meio a muito vinho. (730) Levanta-se aquele a quem a cidade de Colácia dera um nome ilustre: “Não são necessárias palavras, crede nos fatos! Ainda é noite: subamos nos cavalos e sigamos para a cidade!” A proposta agrada, arreiam-se os cavalos que transportam os donos. Imediatamente eles seguiram para o palácio real: (735) não havia nenhum vigia na entrada. Eis que encontram as noras do rei com as coroas caídas no pescoço a passar a noite com o copo cheio de vinho. Em seguida rapidamente vai-se em busca de Lucrécia, e diante de seu leito, cestos havia e macia lã. (740) Sob uma exígua luminosidade as escravas fiavam as rocadas; uma entre elas com delicada voz assim falou: “Essa túnica feita com nossas mãos deve ser enviada ao senhor o quanto antes; rápido, rápido meninas, apressai-vos! Quais são as novidades? Pois podeis ouvir mais coisas: (745) sobre a guerra se diz o quanto ainda dura? Logo cairás vencida, é aos melhores que resistes, Árdea, tu, ímproba, que obrigas nossos maridos a ficarem tão longe! Apenas voltem! Mas o meu é temerário e em qualquer lugar precipita-se com a espada desembainhada. (750) O espírito abandona-me, morro todas as vezes que a imagem dele combatente me invade, e um intenso frio se apossa de meu peito.” Ela desata em lágrimas e soltou os fios antes tensos, e volta a olhar para o colo. Isso tudo lhe foi decoroso: lágrimas convieram a uma recatada, e sua face concordou dignamente com seu espírito. (755) “Afasta o medo”, diz o marido, “estou de volta!” Ela retornou à vida, e no pescoço do marido pendeu seu doce peso. Durante esse tempo o jovem filho do rei concebe uma paixão avassaladora e enlouquece arrebatado por um amor cego. (760) A beleza e a nívea cor e os louros cabelos lhe agradam, e o decoro que estava presente, feito sem nenhum artifício; as palavras agradam, e a voz, e o que não é possível corromper. Quanto menor é a esperança, mais ainda ele deseja. Já a ave precursora do dia apresentara seu canto (765) quando os jovens retornam ao acampamento. Ele se vê aflito e atormentado pela imagem da ausente; mais e mais coisas agradam àquele que recorda. Assim ela sentou-se, assim esteve ornada, assim fiou na roca, assim os cabelos soltos caíram-lhe sobre o pescoço; (770) esse foi seu rosto, essas foram suas palavras, essa cor, esse semblante, essa era a beleza de sua boca. Como é habitual a uma vaga diminuir depois de um grande sopro, e por outro lado a onda intumesce com o vento que passou, assim também, embora a presença de agradável beleza tenha se afastado, (775) permanecia o amor que fora dado pela beleza quando presente. Ele se abrasa e é impelido pelos aguilhões de um amor proibido. Apresta violência e medo contra um leito a que não tem direito. “O resultado é incerto: ousarei até o fim”, disse, “ela verá! Os deuses e a sorte ajudam os audaciosos. (780) Foi ousando que também conquistamos os Gábios.” Disse essas palavras, cingiu o flanco com a espada, pressionou as ilhargas do cavalo. Colácia acolheu o jovem em sua porta de bronze. Quando já o sol preparava-se para ocultar seu rosto. O inimigo adentrava como amigo a intimidade da casa de Colatino; (785) é recebido cortesmente: ele era ligado pelo sangue. Quanto de erro há nos ânimos! Desconhecedora da situação, a infeliz prepara um banquete para seu inimigo. Ele havia fruído da refeição, o avançado da hora pedia repouso; era noite e nenhuma luz havia em toda a casa. (790) O filho do rei levanta-se e de dourada bainha tira uma espada, e chega a teus aposentos, recatada esposa. Aproximando-se do leito diz o filho do rei: “É Tarqüínio quem fala, a espada está comigo, Lucrécia”. Ela nada diz, pois não tem nem voz nem forças para falar, (795) nem pensamento algum passa por sua cabeça; mas treme qual pequena cordeira, surpreendida quando afastada de seus estábulos, estando à mercê do cruel lobo. Que fazer? Lutar? Será vencida a mulher, se lutar. Poderá gritar? Mas na destra uma espada havia para impedi-lo. (800) Poderá fugir? Mãos espalmadas pressionam-lhe o peito, seu peito pela primeira vez tocado por mão estranha. Amante e inimigo, ele insiste com preces, com promessas e com intimidações. Nem com preces, nem com promessas, nem com intimidações ele a convence. “Não reajas, arrancarei tua vida com injúria”, disse, (805) e acrescentou: “adúltero, serei a falsa testemunha de teu adultério: matarei um fâmulo com quem serás encontrada e flagrada”. A jovem vencida pelo medo da infâmia sucumbiu. De que te alegras, vencedor? Essa vitória arruinar-te-á. Ai! Uma única noite custou-te teu reino. (810) E já era nascido o dia: ela senta-se com os cabelos desgrenhados, como uma mãe costuma fazer quando prestes a assistir ao funeral do filho. Do acampamento ela manda chamar seu velho pai acompanhado de seu fiel marido: pede que sem demora cheguem ambos. Ao verem sua aparência, perguntam a razão de seu luto, (815) ao funeral de quem ela deve comparecer e qual infortúnio a abala. Lucrécia mantém-se calada por um bom tempo, e, em meio a sua vergonha, cobre seu rosto com o manto: lágrimas escorrem como torrente contínua. Ora o pai, ora o marido enxugam suas lágrimas e imploram que ela os esclareça, e choram, e se atemorizam por um medo duvidoso. (820) Por três vezes esforçou-se em falar, por três vezes desistiu, e, ousando na quarta, ela não susteve os olhos. “Também isso deverei a Tarqüínio? Falarei”, diz. “Desgraçada eu própria relatarei minha desonra?” E o que pode, narra; restava o fim: chorou (825) e suas faces de matrona enrubesceram. O pai e o marido concedem o perdão pelo ocorrido sob coação. Ela disse: “O perdão que vós concedeis, eu própria nego.” E sem demora atravessou o peito com o punhal escondido, e em meio a muito sangue cai aos pátrios pés. (830) E já a morrer, ela cuida para não sucumbir sem dignidade; essa era sua preocupação até mesmo enquanto caía. Eis que sobre seu corpo, lamentando a perda comum, o pai e o marido jazem, esquecidos do decoro. Assistindo, Bruto propositalmente mente seu próprio nome, (835) e puxa a arma atravessada no corpo semimorto, e segurando a faca banhada de nobre sangue proferiu impávidas palavras com ameaçadora expressão: “A ti eu juro por este forte e casto sangue, e por teus manes que serão meu nume, (840) que Tarquínio com sua estirpe hão de ser castigados com o desterro. Já dissimulei minha coragem por muito tempo”. Ante essas palavras ela volveu os olhos sem luz enquanto jazia, e parecia aprovar com um movimento dos cabelos. A matrona de ânimo viril é levada em funeral (845) e arrasta consigo lágrimas e indignação. A ferida abre-se vazia: Bruto com clamor incita os quirites e relata os nefandos feitos do rei. Tarqüínio foge com sua prole. O cônsul assume a autoridade do ano. Aquele foi o último dia para o reino. (850)

Não sei se acaso a andorinha vem como mensageira da primavera e teme que ali o inverno retorne? No entanto, Procne, muitas vezes tu te queixarás em demasia de teres te apressado, e teu esposo Tereu estará feliz quando tu estiveres fria.

§

Eqüírias, dia nefasto de festas públicas.

Dia 27

E duas noites ainda restam do segundo mês (855) e Marte atiça os ligeiros cavalos atrelados ao carro: não por acaso as Eqüírias conservaram o nome que lhes foi dado, as quais o próprio deus vê em seu campo. Chegas, Gradivo, com teu direito: teus tempos pedem um lugar, e o mês assinalado com teu nome está próximo. (860) Cheguei ao porto terminando juntamente livro e mês; a partir de agora navegue meu barco outras águas.

δ

solis die

IV. Breves Comentários ao Livro II dos Fastos

§

Proêmio 1-18

Não trataremos dos versos 1 e 2 por nos parecer que já foram referidos na Introdução. Quanto aos versos 3-8, Ovídio aborda a questão da elegia de conteúdo elevado. A imagem de “velas maiores” com relação às suas elegias insinua uma nova direção em sua obra, que agora tratará de assuntos relevantes, ou seja, sua temática não será mais a amorosa, mas abordará os temas propostos nos dois primeiros versos do livro I, um tema de âmbito nacional: a divisão do ano e o movimento dos astros. Em seguida, ele se refere a sua produção anterior como obra exígua, ou seja, a partir de agora Ovídio irá dedicar-se a uma obra maior, mas ela continuará em dísticos elegíacos. Ele compara o novo projeto à sua obra anterior, representada por Amores, Ars e Remedia, “fáceis servos no amor”, que o autor coloca como obras de juventude, como brincadeira de jovem, sugerida pelo verbo lusit; Miller sugere que, assim como os jovens da Comédia Nova têm seus escravos prestativos para suas aventuras eróticas, também o poeta de elegia amorosa tem seus fiéis ministros. E essa obra era “exígua”, termo que está ligado à conceituação de elegia, realmente uma obra de dimensões menores.

Mas, quando Ovídio afirma: “canto também os sagrados tempos assinalados nos fastos”, o que ele quer dizer com esse “também”? Provavelmente ele deixa em suspenso que não abandonou, de todo, a temática amorosa, e ainda teremos a épica sempre espreitando, pois os Fastos, ao versar sobre o calendário, terá, não poucas vezes, de se deparar com feitos militares que terão que ser encarados, malgré lui même, se não com métrica, seguramente com linguagem épica.

Ovídio assegura igualmente: “e quem acreditaria existir, a partir de tais inícios, uma via para eles?” Ou seja, a partir dos dísticos elegíacos, quem poderia imaginar que eles seriam o caminho, a via para a nova empreitada: “os tempos assinalados nos fastos”; trocando em miúdos, a elegia será, sim, o metro usado para tratar de matéria elevada; mas o que nos parece ser a razão primeira da escolha dos dísticos elegíacos será a da elegia etiológica, à maneira de Calímaco, para descrever o ano do Lácio e o movimento celeste. Não podemos esquecer que as Metamorfoses também formam uma obra de conteúdo elevado, portanto a nova proposta não se refere apenas ao assunto, mas acima de tudo à escolha do metro.

§

Versos 9-18

Ovídio prepara sua dedicatória a Augusto afirmando o seu serviço militar não com as habilidades requeridas a um guerreiro, mas, com sua destra não isenta do dever, ele pode, sem armas, criar um canto, os Fastos (munus) para Augusto, acrescentando-o aos nomes honoríficos e à sequencia de títulos ganhos nas campanhas de guerra, como se fora um dos soldados que escoltam o general triunfante. E o soberano a quem o poeta, humildemente, pede um pouco de atenção é o pacificador.

§

Expiações 19-54

Para explicar o nome do mês februarius, Ovídio busca os aitia no nome februa, usado pelos antepassados para designar os ritos expiatórios (piamina). Como observador in loco, ele confirma as várias alternativas para explicar a palavra februa, (purificações), associada a diferentes objetos: a lã que o flâmine de Júpiter126 e o rex sacrorum127 dão aos pontífices; a farinha torrada e grãos de sal, o ramo de pinheiro. Acrescenta os ritos do lupercos, que são ritos expiatórios e de fertilidade, terminando com as Feralia (21 de fevereiro), que encerram os dies parentales, iniciados em 13 de fevereiro, quando as sombras dos mortos eram apaziguadas, o que também explica porque o mês de fevereiro é dedicado aos mortos, Fasti I 53, “o que é sagrado aos extremos manes era o extremo”.

126 Ovídio afirma em F 2. 282 que o Flamen Dialis preside as Lupercais. O flamen dialis, sacerdote “possuído” por seu deus, desempenha, por toda sua vida, como num palco o papel de Júpiter. Suas roupas não podiam ter nenhum nó nem laço; a cabeça era coberta por um barrete feito com a pele branca de uma vítima oferecida a Júpiter; não podia ter contato com homens presos nem com mortos. Sua esposa, com quem era ligada por laços indissolúveis – a flamínica – usava um sapato feito com a pele de uma vítima de sacrifício e usava uma roupa vermelha-fogo, como o raio de Júpiter. O sacerdote de Júpiter não podia prestar juramento, pois ele é o juramento, ele encarna o senhor do direito e do juramento.
127 Os sacerdotes romanos da época histórica faziam parte dos colégios e das solidatates (corporações). Os três maiores colégios eram, por ordem de importância: os pontífices, os áugures e os decênviros. O colégio dos pontífices era presidido pelo Grande Pontífice, sendo composto pelos pontífices, pelo rex sacrorum (rei dos ritos sagrados), pela regina sacrorum e três flâmines maiores: o de Júpiter, o de Marte e o de Quirino. Ainda estavam incluídos no Colégio dos Pontífices os 12 flâmines menores, as Vestais e os flâmines dos imperadores divinizados. Havia 4 corporações: a dos feciais; a dos sálios; a dos lupercos; a dos irmãos arvais.

Em seguida, Ovídio enumera uma sequencia de purificações por meio da água para eliminar os crimes de sangue perpetrados por personagens gregos e faz uma crítica bastante severa à leviandade de tal procedimento, característica de um tempo passado.

§

Calendas de fevereiro, dias nefastos, 55-118.

Ovídio enunciará o primeiro título, conforme prometido nos versos 15 e 18, “Restaurador de Templos”; não se trata de um título oficial, outorgado pelo Senado ou pelo povo, como o é Pater Patriae. Os títulos oficiais são tratados nos dias previstos no calendário; criando novos, Ovídio possibilita uma nova chance de encômio ao soberano.

A seguir, o poeta oferece uma descrição do céu e, ao enunciar que a constelação do Delfim fará a descrição da metamorfose do delfim em astro, narrando a fábula de Aríon, o aedo que com seu canto dominava a natureza, as feras e deliciava os próprios deuses, faz uma ponte entre a Itália e a Grécia. Ele é o herdeiro da coroa de Apolo, “… a coroa, que possa ela, Febo, ornar teus cabelos”, e enfrenta a cobiça dos homens e a espada de um gubernator, alguém de quem se espera mantenha o rumo do barco: os artistas, em Ovídio, são pessoas que vivem perigosamente. E conclui, muito sutilmente, já preparando o próximo passo, o encômio de Augusto como Pater Patriae, com “os deuses estão atentos aos pios feitos”.

§

Nonas, dia nefasto de festas públicas, 119-192.

Ovídio inicia o encômio de Augusto como Pater Patriae, título que lhe foi conferido por todas as ordens do povo romano e que expressa o poder crescente do soberano, com um lamento por ser tão grandiosa tal tarefa que ela precisaria de um fôlego homérico. Tanto podemos considerar essas reflexões como artifícios retóricos, como entendê-las como reflexões sobre o fato de tratar matéria elevada com dísticos elegíacos, lembrando Horácio, que define o preceito de que o metro escolhido tem que estar de acordo com o peso e conteúdo do poema e seu propósito poético.

Ao comparar Augusto a Júpiter, Ovídio concede a maior honra possível a ele; depois, ao compará-lo a Rômulo, fundador de Roma, referencial para a romanidade, o poeta levanta problemas delicados da história de uma maneira bastante elegante, mas não sem deixar um rastro de ironia por todo o relato. Ao mencionar as muralhas transpostas por Remo, está implícito o fratricídio que seria indelicado mencionar; Ovídio não o menciona e o transforma, habilmente, em elogio a Augusto. Ao relatar as pequenas conquistas de Rômulo, o poeta consegue o ápice do panegírico: “sendo Augusto o chefe, um e outro lado do sol é romano” (v. 136); aborda a questão de rapto e estupro de mulheres, de um modo bastante sutil, não mencionando o fato, mas exaltando o ponto de honra de Augusto como mantenedor dos bons costumes; encara o fato de Rômulo ter acolhido, em sua cidade, todo tipo de gente para chegar a Augusto legislador; finalmente afirma: “o pai te fez celeste; Augusto fez o pai celeste” (v. 144). Para exaltar Augusto, Ovídio diminui a imagem de Rômulo; se diminuir a imagem de Rômulo foi a melhor maneira de dignificar Augusto, não podemos ter certeza, mas foi a escolha do poeta.

Em seguida à comparação de Augusto a Júpiter e Rômulo, Ovídio menciona a constelação de Aquário associada ao jovem Ideu133, em dois únicos versos (145-6). Ao apresentar o jovem Ganimedes elevado aos céus por uma paixão fugaz do Pai dos deuses, Harries afirma que, ao dizer que Júpiter e Augusto partilham um nomen (131-2), o sentido de nomen pode, além de pater, abranger a noção de reputatio, compartilhada pelo deus e por Augusto. Dessa forma, as apoteoses de Rômulo e Júlio César, no verso 144, e uma futura apoteose de Augusto ficam debilitadas pela imagem de Ganimedes ascendendo aos céus por um simples capricho do pai dos deuses. Já Barchiesi discorda, sustentando que elogios políticos e brincadeiras não são incompatíveis. Propomos uma terceira possibilidade. Parece-nos que, ao mencionar a ascensão de Ganimedes, imediatamente seguido do relato detalhado do catasterismo de Calíope e seu filho nas constelações Arcton e Arctófilax, com descrição do estupro perpetrado por Júpiter, a ironia de Ovídio reflete a política austera de Augusto com relação ao comportamento moral do povo. Em 18 a.C., por exemplo, a lex Iulia de maritandis ordinibus estipulava, entre outros itens, que a viúva deveria casar-se no espaço de um ano após a morte do esposo137. Ora, é sabido que Augusto casou-se com Lívia num divórcio escandaloso, estando ela grávida de Druso. Ovídio diz que Rômulo, ao estipular o calendário com dez meses, o faz baseado no tempo que a viúva deve manter o luto pela morte do marido: “o mesmo número de meses que a esposa mantém os tristes sinais da viuvez, pela morte do esposo, em sua casa”. Ora, tratando-se de um preceito que remonta à fundação de Roma, fica clara a quebra da ordem estabelecida perpetrada por Augusto.

133 O jovem Ideu é Ganimedes, pertencente à estirpe real de Tróia. Quando jovem, quase adolescente, guardava os rebanhos de seu pai, quando Zeus – fascinado por sua beleza – o raptou e o levou para o Olimpo, onde serviu de escanção: cabia-lhe encher a taça do Pai dos Deuses com o néctar.
137 O que Augusto pretendia com essa lei era aumentar o número de nascimentos gerados pela famílias romanas. E em seguida os Fastos vão tratar de ritos de purificação e fertilidade (lupercais).

§

Idos. Dia nefasto de festas públicas, 193-266.

Após mencionar os sacrifícios em honra de Fauno nos Idos, Ovídio inicia o relato da desastrosa batalha do Cremera, onde os 306 membros da família Fábia foram mortos nesse mesmo dia, chegando quase à extinção. Além dos Fábios formarem uma gens das mais antigas, ela também será responsável pela criação de um dos colégios dos lupercos, conforme relato feito nos versos 359- 80.

A narrativa de Ovídio sobre a emboscada em que os Fábios caem, é feita num estilo completamente épico, com detalhes da operação militar que se desenrola. O que se percebe é a ênfase dada pelo poeta na irreflexão e no arrebatamento dos Fábios, que acabam por provocar sua derrocada na armadilha que os veientes preparam, onde os 306 Fábios morrem, restando apenas um menino impúbere que garantirá a futura descendência, da qual sairá o maior herói, Quinto Fábio Máximo, o Cunctator: v. 242 cui res cunctando restituenda foret (“por quem a situação haveria de ser reparada com a espera do melhor momento”). A prudência de Quinto Fábio contrasta com a impetuosidade dos 306 mortos por causa da imprudência sugerida na descrição da batalha, e Ovídio insinua que a experiência vivida pelo clã no Cremera tenha servido de lição para que as futuras gerações finalmente produzissem o Cunctator.

O interesse de Ovídio na gens Fábia também está relacionado a seu amigo e patrono, Paulo Fábio Máximo, a quem ele escreve duas epístolas: Ex. P. 1.2; 3.3, nas quais apresenta mais referências sobre o Cremera e sobre a continuidade do episódio.

Encerrando o episódio dos Fábios, Ovídio conta a fábula que explica o aition de três constelações brilharem sempre juntas: o Corvo, a Serpente e a Taça.

§

Lupercais, dias nefastos de festas públicas, 267-474.

Spring's Innocence by Norman Lindsay (1937)

Ovídio buscará a origem das Lupercais e o porquê de seus sacerdotes não usarem roupas. Inicialmente ele, invocando as musas Piérides, procurará as remotíssimas origens gregas do rito, período no qual o povo era de tal forma primitivo que não precisava de roupa, pois podia suportar intempéries. Acrescentará que Evandro trouxe essas divindades silvestres que são até hoje cultuadas, e a essas deidades agradava correr sem roupas, lupercos. Em seguida, narrará uma fábula jocosa sobre Hércules e Ônfale, como uma terceira etiologia para justificar a nudez dos lupercos: “o deus enganado pela roupa não ama as vestimentas que enganam seus olhos e invoca a nudez para seus ritos” (F II 357-8). Barchiesi chama a atenção para as histórias cômicas introduzidas nos fastos e sua relação com o teatro. No caso particular da tentativa de Fauno seduzir Ônfale, ele salienta que os termos usados para a apresentação do tema, traditur antiqui fabula plena ioci (“conta-se uma fábula cheia do humor antigo” II 304), têm relação com o teatro. A presença dos termos fabula e ioci lembram histórias burlescas ligadas às comédias: mimo e farsa atelana. As histórias são, geralmente, relacionadas a Dioniso com seu séqüito de sátiros, mênades, Sileno e jumentos que como que introduzem o mundo da comédia. No livro II, quando Fauno tenta seduzir Ônfale, a ação se passa numa noite de abstinência em preparação para um rito báquico.

Não é de se esperar, no nível elevado dos Fastos, tais figuras, por isso o poeta usa do artifício de “conta-se uma fábula”. Barchiesi sugere que a importância dos Lupercais nos Fastos pode ser visto como uma resposta ao monopólio do imperador nas reformas religiosas; diz-nos Fantham que as Lupercais foram restauradas por Augusto. Barchiesi ainda lembra que nem Propércio nem Ovídio, em suas elegias, abordaram situações envolvendo falos eretos.

Ainda procurando causas para os lupercos andarem nus, Ovídio envereda agora por origens latinas. A lenda romana que o poeta propõe contrasta com o mito grego de Hércules e Ônfale, repleto de licenciosidade. Como observa Parker, o tratamento de personagens mitológicos em ambiente grego é completamente diferente da representação desses mesmos personagens em contexto romano ou pré-romano. Na Grécia, Fauno é lascivo, ansioso para violentar Ônfale e inadvertidamente molesta Hércules por engano e, no mesmo episódio, Hércules é retratado como um ridículo serviçal e travesti. Ao chegar à Itália, ambos são tratados com muito respeito: Fauno torna-se um conselheiro divino do rei Numa (F 3.285-328) e Hércules, como hóspede de Evandro, é honrado com o culto da Ara máxima.

δ

orion nebula

V. Bibliografia
1. Edições e traduções
OVID. Fasti, with an english translation by Sir James George Frazer. Cambridge, Massachusetts, London, Harvardd University Press, 1989.
_____. The Fasti of Ovid, edited with notes and indices by Hallam, G. H. London, Macmillan and Co., 1882.
OVIDE. Les Fastes, tome I Livres I-III, texte établi, traduit et commenté par Robert Schilling. Paris, Les Belles Lettres, 1992.
P. OVIDIUS NASO. Fastorum Liber Secundus. OVIDE. Les Fastes, Livre II, édition et commentaire de Henri Le Bonniec. Collection “Érasme” de texts latins commentés, publiée sous la direction de Pierre Grimal. Paris, Presses Universitaires de France, 1969.
PUBLIO OVIDIO NASÓN, Fastos, libros I-III, Introducción, versión rítmica y notas de José Quiñones Melgoza. Universidad Nacional Autônoma de México, Imprenta Universitária, 1985.
THE FASTI OF OVID EDITED WITH NOTES AND INDICES by G. H. Hallam. Macmillan an Co. London, 1882.
OVID Fasti book IV, edited by Elaine Fantham. Cambridge, Cambridge University Press, 1998.
2. Fontes antigas
ARISTÓTELES, Poética, tradução directa do grego, com introdução e índices por Eudoro de Souza. Lisboa, Guimarães & Cia. Editores, s.d.
HORÁCIO, A Arte Poética de Horácio, tradução Dante Tringali. São Paulo. Musa Editora (1994).
OVIDE. L’Art d’aimer, texte établi et traduit par Henri Bornecque. Paris, Les Belles Lettres, 1983.
______. Les amours, texte établi et traduit par Henri Bornecque. Paris, Les Belles Lettres, 1930.
______. Tristes, texte établi et traduit par Jacques André. Paris, Les Belles Lettres, 1968.
OVÍDIO. Os Remédios do Amor, Os cosméticos para o Rosto da Mulher, tradução, introdução e notas Antônio da Silveira Mendonça. São Paulo, Nova Alexandria, 1994.
PROPERCE. Elégies, texte établi et traduit par D. Paganelli. Paris, Les Belles Lettres, 1970.
SEXTI POMPEI FESTI. De verborum significatu quae supersunt cum Pauli epitome, Thewrewkianis copiis usus edidit Wallace M. Lindsay. Lipsiae, Teubneri, 1913.
TIBULLUS. Tibulle et les auteurs du Corpus tibullianum, texte établi et traduit par Max Ponchont. 7. tirage Paris, Les Belles Lettres, 1968.
TITE-LIVE. Histoire Romaine, tome I, texte établi par Jean Bayet et traduit par Gaston Baillet. Paris, Les Belles Lettres, 1947.
VARRO, Marcus Terentius. La langue latine, texte établi, traduit et commenté par Pierre Flobert. Paris, Belles Lettres, 1985.
3. Estudos específicos
ALLEN, K. The Fasti of Ovid and the Augustan Propaganda. The American Journal of Philology, Vol. 43, N- 3. (1922), pp. 250-266.
BARCHIES, A. . The Poet and the Prince, University of California Press, Berkeley and Los Angeles , California, 1997.
BAYET, J. Croyances et Rites dans la Rome Antique. Payot, Paris, 1971.
________. La Religion Romaine histoire politique et psychologique. Paris, Petite Bibliothèque Payot, s/d.
BEARD, M.; NORTH, J; PRICE, S. Religious of Rome. Volume 2 A sourcebook. Cambridge University Press. 2000.
BOYANCÉ, P. Études sur la Religion Romaine. Rome, École Française de Rome, Palais Farnèse, 1972.
BURKERT, W. Religião Grega na época Clássica e Arcaica. Fundação Caloustre Gulbenkian. Lisboa. 1993
CAMERON, A. Callimachus and his Critics. Princeton, New Jersey. Princeton University Press. 1995.
FANTHAM, Elaine. Sexual comedy in Ovid’s Fasti: sources and motivation. Harvard Studies in Classical Philology, Vol. 87. (1983), pp. 185-216. Ovid’s Fasti: Politics, His tory, and Religion. In: Barbara Weiden Boyd (ed.) Brill’s Companion to Ovid. Leiden- Boston, Köln: Brill, 2002, p. 197- 233.
________________. “Ovid Germanicua and the Composition of the Fasti,” Papers of the Liverpool Latin Seminar 5, 243-81. 1986.
_________________. Ovid’s Fasti: Politics, History, and Religion. In: Barbara Weiden Boyd (ed.) Brill’s Companion to Ovid. Leiden-Boston, Köln: Brill, 2002, p. 197- 233.
FANTUZZI, M and HUNTER, R. Tradition and Inovation in Hellenistic Poetry. Cambridge. Cambridge University Press. 2004.
FEENEY, D. Literature and Religion at Rome Cultures, contexts, and beliefs. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 1999.
GIANGRANDE, G. Los Tópicos Helenísticos en la Elegia Latina. EMERITA REVISTA DE LINGUISTICA y Filologia Clássica, Tomo XLII, fasc. 1-, Madrid, 1974.
GRAF, F. Myth and Ovid. In: The Cambridge Companion to Ovid, edited by Philip Hardie. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2002, p. 108-121.
HABINEK, T. Ovid and Empire. In: The Cambridge Companion to Ovid, edited by Philip Hardie. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2002, p. 46-61.
HARDIE, P. Ovid and early imperial literary History. In: The Cambridge Companion to Ovid, edited by Philip Hardie. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2002, p. 34-44.
HARRIES, B. Ovid and the Fabii: Fasti 2. 193-474. The Classical Quaterly, New series, vol. 41 No. 1. (1991), pp. 150-168.
___________. Causation and the Authority of the Poet in Ovid’s Fasti. The Classical Quaterly, New Series, Vol. 39, No. 1 (1989), pp. 164-185.
HARRISON, S. Ovid and genre: evolution of an elegist. In: The Cambridge Companion to Ovid, edited by Philip Hardie. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2002, p. 79-94.
HERBERT-BROWN G. Ovid and the Stellar Calendar. In Ovid’s Fasti Historical Readings at its Bimillenium. Edited by Geraldine Herbert-Brown. Oxford. Oxford University Press. (2002) p. 101-128.
LEE, A. G. Ovid’s ‘Lucretia’ [Ouid’s ‘Lucretia’] Greece and Rome, Vol.22, N- 66. (Oct., 1953), pp. 107-118.
MILLER, J. F. Ovid’s Elegiac Festivals. Frankfurt am Maim, Peter Lang, 1991.
____________. The Fasti; Style, Structure, and Time. In: Barbara Weiden Boyd (ed.) Brill’s Companion to Ovid. Leiden-Boston, Köln: Brill, 2002, p.167-196.
NEWLANDS, C. Mandati memores: political and poetic authority in the Fasti. In: The Cambridge companion to Ovid, edited by Philip Hardie. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2002, p. 200-216.
NORTH, J. A. Roman Religion. Greece & Rome, New Surveys in the Classics N- 30, p. 1-99, 2000.
OTIS, B. Ovid and the Augustans. Transactions and Proceedings of the American Philological Association, Vol. 69 (1938), pp. 188-229.
OWEN, S. G. Ovid’s Use of the Simile. The Classical Review, Vol. 45, N- 3. (Jul., 1931), pp. 97-106.
PARKER, H. C. Romani numen soli: Faunus in Ovid’s Fasti. Transactions of Philological Association (1974), Vol. 123. (1993), pp. 199-217.
PASCO-PRANGER, M. “Added Days: Calendrical Poetics and the Julio-Claudian Holidays” in Ovid’s Fasti Historical Readings at its Bimillennium. Edited by Geraldine Herbert-Brown. Oxford. Oxford University Press. 2002. p. 251-274.
POLIZIANO, A. Commento Inédito al Fasti di Ovídio. Firenze, Leo S. Olschki Editore, MCMXCI.
PORTE, D. L’Étiologie Religieuse dans les Fastes d’Ovide. Paris, Les Belles Lettres, 1985.
PRIEUR, J. La Mort dans l’Atiquité Romaine. Ouest-France, 1986.
SCHEID, J. La Religion des Romais. Paris, Armand Colin, 1998.
_________. Quand Faire C’Est Croire, Les Rites Scrificiels des Romains. Aubier, 2005.
_________. Religion et Piété à Rome. Paris, Éditions la Découverte, 1985.
SCHIESARO, A. Ovid and the professional discourses of scholarship, religion rethoric. In: The Cambridge Companion to Ovid, edited by Philip Hardie. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2002, p. 62-75.
SCOTT, K. Emperor Worship in Ovid. Transactions and Procedings of the American Philological Association, vol. 61 (1930), pp. 43-69.
SHARROCK, A. Gender and sexuality. In: The Cambridge Companion to Ovid, edited by Philip Hardie. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2002, p. 95-107.
TARRANT, R. Ovid and ancient literary history. In: The Cambridge Companion to Ovid, edited by Philip Hardie. Cambridge, UK, Cambridge University Press, 2002, p. 13-33.
TOOHEY, P. Reading Epic, An introduction to ancient narratives. Routledge, New York, 1992.
__________. Epic Lessons, An introduction to ancient didactic poetry. Routledge, New York, 1996.
TUPET, A-M. La Magie dans la Poésie Latine, des origines à la fin du règne d’Auguste. Paris, Les Belles Lettres, 1976.
VOLK, K. Cum carmine crescit et annus: Ovid’s Fasti and the Poetics of Simultaneity.
Transactions of the American Philological Association (1974), Vol. 127 (1997) pp. 287-313.
4. Estudos gerais e obras de referência
BAYET, Jean. Litterature latine. Paris, Armand Colin, 1953.
BICKEL, E. Historia de la Literatura Romana. Madrid, Edittorial Gredos, 1987.
CONTE, G. B. Latin Literature, a History. Baltimore and London, The John Hopkons University Press, 1999.
GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997.
_____________. Dictionnaire de la mythologie grecque et romaine, préf. de Charles Picard. 1. éd. Paris : Presses universitaires de France, 1951.
_____________. La civilisation romaine. Paris, Arthaud, 1965.
_____________. La litterature latine. 4. ed. Paris, Presses Universitaires de France, 1988.
_____________. La mythologie grecque. Vendôme, France, Presses Universitaires de France, 1956.
VEYNE, Paul. Historia da vida privada, dirigida por Philippe Ariès e Georges Duby, v.1: do Império ao ano mil, org. por Paul Veyne. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
___________. La Société romaine. Paris, Seuil, 1991.
___________. L’élégie érotique romaine : l’amour, la poésie et l’Occident. Paris, Editions du Seuil, 1983.

Fastos

Ω

1 replies »