Imago Signorum

A doutrina do homem microcosmo nas ilustrações médico-astrológicas entre os séculos XIV e XV

 Jefferson de Albuquerque Mendes

Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Artes

δ

3 O Homem e seu Corpo: A Filosofia do Mocrocosmo e o Debate Astrológico

3.2 O renascimento da astrologia antiga: Marsilio Ficino

Antes de começarmos a delinear o impacto e as relações que Marsilio Ficino estabelecera com a astrologia e como, sob o prisma cosmológico, a figura do homem – enquanto microcosmo – exerceu uma certa centralidade nos seus escritos (um homem que refletia a polaridade própria que o autor vivenciava: entre os imperativos da teologia cristã e as prerrogativas herméticas e astrológicas que apreendera em seus estudos). É necessário frisarmos num ponto de imensa importância que, digamos, irá direcionar e moldar a forma como Ficino constrói todo o seu arcabouço conceitual.

Em meados de 1460, um monge que trabalhara para Cosimo de Médici, trouxe de suas andanças pela Macedônia um manuscrito em grego para Florença. Esse manuscrito continha uma cópia do Corpus hermeticum, porém incompleto. Nesse momento já se encontravam os escritos de Platão, todos reunidos, para serem traduzidos: essa função foi dada a Marsilio Ficino. Porém, a descoberta e chegada dos manuscritos de Trismegisto na Florença dos Médici foi vista com bons olhos e, em certa medida, com alguma euforia. Cosimo, já um tanto debilitado, ordena que Ficino traduza o Corpus hermiticum antes mesmo dos textos platônicos. Esse fato, por si só, já demonstra uma grande disposição dos homens letrados da Itália do século XV para com os escritos herméticos recém-chegados.

Ficino deu o nome de Pimandro à tradução dos textos, sendo que Pimandro era, na verdade, o nome dado ao primeiro capítulo dentre os quatorze que tinha em mãos. Nos deteremos um instante em seu argumentum – como o próprio Ficino nomeia – ou seja, na sua dedicatória a Cosimo. Ficino situa Hermes no espaço e tempo como contemporâneo de Moisés, ou seja, aqui ele deturpa, mesmo que de forma mínima, a genealogia constituída por Agostinho sobre as origens de Trismegisto. E o próprio Ficino continua tomando a genealogia agostiniana como preceito, traz tanto Cicero e Lactâncio como aqueles que contribuíram para a constituição da persona Trismegisto. Todos estão de comum acordo de que se trata de um sacerdote egípcio de grande sabedoria, talvez o mais sábio de todos os sacerdotes e grande filósofo que apreendera os grandes mistérios do mundo. E “como sacerdote, pela santidade de sua vida e pela prática dos cultos divinos; e, pela majestosa dignidade, como administrador de leis — razões pelas quais é devidamente chamado Termaximus, ou Três Vezes Grande”.

Um pouco mais adiante, no prefácio, Ficino constitui o que seria a genealogia dos saberes herméticos. O interessante nesse dado é que sua genealogia termina em Platão, o que diz muito sobre como o platonismo moldou sua própria construção de saber. Assim sendo, essa genealogia se apresenta da seguinte maneira: Zoroastro, Mercúrio (Hermes) Trismegisto, Orfeu, Aglaofemo, Pitágoras, Platão. Essa estrutura evidencia a importância que Ficino dá a Trismegisto como origo (origem) do saber que culmina em Platão. Há uma necessidade, segundo Yates, por parte de Ficino em se desvincular da proscrição que Agostinho faz no que concerne ao Asclépios. Sendo assim, Ficino favorece o discurso de Lactâncio quando quer convencer e ratificar sobre a importância dos saberes, não só herméticos, mas astrológicos e alquímicos, no esclarecimento sobre a iluminação divina.

Ficino termina seu prefácio num tom conciliador, porém um tanto temeroso, sobre o Corpus Hermeticum, o que o leva a definir esses escritos como prisca teologica, ou seja, como teologia antiga. O que nos importa, partindo desse ponto, é quão essas traduções que perambularam e tiveram diversas edições, contribuíram assim para a difusão dos textos herméticos na Europa:

Foi impresso pela primeira vez em 1471, e teve dezesseis edições que alcançaram o fim do século XVI, sem contar aquelas em que aparece impresso com outras obras. Foi impressa em Florença, em 1548, uma tradução italiana de Tommaso Benci. Em 1505, Lefèvre d’Etaples reuniu num só volume o Pimandro de Ficino e a tradução do Asclépio, do pseudo-Apuleio.

Uma série de novas conjunturas – o deslocamento do Concilio de Ferrara para Florença, a chegada dos manuscritos herméticos e platônicos, e a tradução, por parte de Ficino do Pimandro – cria um clima profícuo para ressignificação das doutrinas astrológicas-mágicas da época medieval latina e as posições helenísticas que foram renovadas pelas fontes gregas. Esses diversos enfrentamentos e confrontos entre os variados temas, em certa medida, desenvolveram novas sínteses que ora floresceram ou se dissiparam em crises.

De fato, sob o terreno particular do hermetismo, as disposições teológicas e astrológico-mágicas que Ficino proporcionou – e das quais se utilizará para defender suas posições sobre uma medicina com fortes elementos astrais – se situa dentro de um alto nível de conhecimento sobre o mundo. Sobre o conhecimento da unidade do todo, sua identificação com este todo e, principalmente, as diversas operações no todo que possibilitam “o conhecimento se identificar com a ação”. É importante salientar que todo esse processo de efervescente sobrevivência do hermetismo não pode ser evocado sem antes nos deter num importante ponto que são as correspondências entre o macrocosmo e o microcosmo – que perpassará toda a Primeira Época Moderna. Aliadas a uma curiosidade pelos fenômenos naturais, o uso da magia e da astrologia que estavam sob o signo de Hermes circulava sob diversas formas.

E o que se deve levar em consideração e ter mente é a qualidade axiomática do quadro de referências cosmológicas que tanto os textos herméticos quanto os textos de natureza astrológico-magico apresentam. O que isso, realmente, diz sobre o mundo terrestre? Nunca se deve esquecer que, às vezes, mesmo não sendo tacitamente declarada, a relação é sempre astral. O mundo dos homens é regido pelos sete planetas – aqui se inclui o Sol e a Lua na qualidade de planetas – e pelas estrelas, e a lei pela qual vive é, no fundo, sempre uma lei de ordem astrológica.

De fato, não há como desvincular os saberes astrais do hermetismo – seja a Hermética Filosófica ou mesmo a Hermética Prática. O Asclépios250 monstra-nos como a ordem de criação e revelação do mundo para os homens passa, diretamente, pelo entendimento e compreensão dos ditâmes astrais, do firmamento. De fato, não temos nenhum comentário de Ficino sobre o Asclépios, apenas essas poucas linhas em seu argumentum: “Das muitas obras de Hermes Trismegisto, duas são divinas. Uma é a obra sobre a Vontade Divina, e a outra, sobre o Poder e Sabedoria de Deus. A primeira delas é chamada Asclépios, e a segunda, Pimandro“.

250 Em linhas gerais, o Asclépio trata da mais da gênese do mundo egípcio, enquanto predição e formação do homem do que a gênese enquanto criação do mundo. De fato, no Asclépio há a passagem onde se fala da criação de um “segundo Deus” pelas mãos de Deus, o Todo; e o nome a que se referem, nos manuscritos, a esse segundo deus é “Filho de Deus” – o que para os Padres e filósofos cristãos enxergam como um tom de presságio. Ou seja, no Asclépio já estava narrado a vinda do filho de Deus ao mundo dos homens, a vinda de Jesus Cristo. Aqui Trismegisto profetizara o cristianismo. “Da Vontade de Deus, que em si recebeu a Palavra… E o nous-Deus, existindo como luz e vida, trouxe à luz um segundo nous-Demiurgo, que, sendo o deus do fogo e do sopro, formou os Governadores, em número de sete, que envolvem com seus círculos o mundo sensível”. Porém, mesmo com a criação de Deus-filho, Deus-todo carecia de algo que pudesse contemplar seus feitos, e assim criou o homem. Yates, de grande ajuda, elenca a importância dos astros e da astrologia para o hermetismo na sua criação: “O soberano do céu é Júpiter, que, por intermédio do céu, distribui a vida para todos os seres. (Possivelmente, a primitiva afirmação, segundo a qual o sopro ou Spirit us mantém a vida de todos os seres do mundo, relaciona-se com esta supremacia de Júpiter, o deus do Ar.) Júpiter é o intermediário entre o céu e a terra. O Sol ou a Luz, pois é por intermédio do Sistema Solar que se difunde a luz para todos. O Sol ilumina as outras estrelas, não tanto pela força de sua luz como pela sua divindade e santidade. Deve ser tido como um segundo deus. O mundo vive, e nele todas as coisas são vivas, com o Sol a governar tudo o que vive”.

A propósito da astrologia, a obra de Ficino mantém um tom, segundo Kristeller, “ambíguo e cheio de contradições”, isso por que num prazo curto de tempo, temos a publicação da primeira tradução de grande relevo feita por Ficino: o Corpus Hermeticum, impresso em 1471. De outro lado, temos em 1477 a incompleta Disputatio contra iudicium astrologorum, e por fim, em 1489, temos a publicação de um de seus escritos mais importantes, De vita libri tres, sendo o terceiro livro De Vita Coelitus Comparanda, repleto de referências astrológica e mágicas. A Disputatio se insere como uma obra de combate, não tão ferrenho, contra a prática da astrologia divinatória, enquanto que o De vita pressupõe a união dos preceitos astrais com a prática medicinal. Porém, entre a publicação desses dois escritos se situa uma carta escrita por Ficino no fim de 1477 ou no início de 1478, onde a dimensão astrológica assume uma variável nunca vista em nenhum dos escritos. O intuito, nessas poucas páginas será de demonstrar, como a reação de Ficino para com a astrologia se transmuta entre uma ideia de validação medicinal da astrologia, mas, ao mesmo tempo, se percebe um enorme eco das tradições herméticas e das práticas mágicas e sua validade no mundo terrestre.

Como estrutura que perpassa a obra de Ficino, a ideia de microcosmo/macrocosmo e o regime das analogias no mundo são de imensa importância para tentarmos compreender sua visão de homem.

Os textos herméticos constituíram para Ficino um ponto de referência constante, um testemunho privilegiado da prisca theologia, um documento admirável que manifesta arcana mysteria, digno de ser colocado por Lattanzio entre as Sibilas e os Profetas (inter Sybillas et Prophetas). E então exatamente nesta perspectiva que ele encontra a confirmação e o fundamento metafísico e teológico da astrologia e da magia. […] Nessas páginas – se referindo ao De vita – a astrologia inseria-se num contexto que lhe aparecia em tudo correspondente não só à tradição cristã, mas à sua visão do homem, e da sua dignidade e centralidade no cosmos.

Garin, nessas poucas palavras, insere a filosofia ficiniana, através do impacto dos textos herméticos, numa conjuntura na qual a relação entre o homem e o cosmos é uma das chaves principais para compreendermos os escritos do filho do médico Diotifeci d’Agnolo di Giusto. Nos detenhamos um instante em suas Disputatios: a questão que paira é como podemos explicar uma obra desse tom, dentro do escopo ficiniano? Como prescindir uma obra de caráter acusador dentro do corpus teórico de Ficino? Mais uma vez Garin lança uma luz em meio ao caos: para ele, Ficino nunca levara muito a sério sua investida contra a astrologia, de fato, o que o autor de uma obra como a Theologia platonica deixara são mais proscrições, ou mesmo, pequenas objeções. O que estava em jogo, era seu combate aos “sucessos materialistas e ateus da astrologia”. Ficino estava mais preocupado em verificar “entre os diversos níveis da realidade, as estrelas, decidindo o destino na qualidade de corpos celestes, assumem uma hegemonia assegurando uma prioridade ao nível corpóreo, material.”

Os ataques aos astrólogos também são encontrados na Theologia platonica, onde ele defende, de um lado, a ideia de intermediação dos astros e, por outro lado, a distinção destes e a primazia de uns sobre outros. Porém, há uma passagem que não podemos deixar que escape, pois será nela que encontraremos um outro ponto importantíssimo para pensar as concepções astrológicas permeadas pela similuto mundis, ou seja, pelas analogias construídas no mundo. Para construir essa ideia, evidentemente, Ficino dá lugar ao “seu Platão” para configurar a ordenação dos corpos celeste no firmamento.

Por quantas estrelas há, outras tantas multidões existem de heróis, de demónios e de almas, àquelas submetidas. Sob Saturno os saturninos; sob Júpiter os jupiterianos; sob Marte os marcianos, e assim por diante, analogamente […]. Ele – Platão – crê que tudo está em tudo, mas na terra de maneira terrestre [modo terreno], na água de modo aquático, e de forma semelhante no ar e no fogo. Assim como no céu segundo a natureza celeste, na Lua segundo a natureza lunar, e nas outras esferas analogamente, de maneira que qualquer esfera seja todo o mundo, a seu modo e segundo a própria qualidade”.

Evidentemente, Ficino descreve, até certo ponto, a condição análoga do homem no seio do cosmos, esse homem no seio do ser que é ligado a tudo no universo. A essa ideia do homem microcosmo ele retornará, propriamente, no décimo terceiro livro de sua Theologia, onde afirmará a independência da alma perante ao corpo e sua ligação direta com a alma das estrelas e com todas as almas astrais. Nessa obra, Ficino se mantém fiel aos preceitos herméticos, como também com as ideias da animação universal, ou seja, a harmonia do mundo que se desenvolve somente é possível pelas similitudes que estão no mundo (convenientia, aemulatio, analogia e simpatia).

O céu, para Ficino, não fornece mais do que signos, que se refratam no nosso céu interior – correspondências macrocosmo-microcosmo – os astros que indicam e não são a causa. Aqui sob esta tese podemos observar claramente o impacto de Plotino em Ficino, especificadamente, nas Eneadas II e III. Essas ideias alimentaram profundamente Ficino enquanto escrevia sua Disputatio contra iudicium astrologorum que, na verdade, iria compor uma obra que trataria de Plotino. Fica claro, quando se analisa um trecho escrito por Plotino, o impacto dessa obra na teoria astrológica ficiniana: “os astros que são uma parte importante do céu, colaboram no universo; esses seres magníficos servem também de signos, ou seja, eles pressagiam tudo que chega no mundo sensível”.

E isso se evidenciará mais nitidamente numa carta que Ficino escrevera a Lorenzo di Pierfrancesco de Médici. Se baseando nas técnicas dos horóscopos, onde ele trata das qualidades inerentes do rapaz. O conteúdo trata basicamente de temas que envolvem a genetlíaca, ou seja, a análise do tema astral do nascimento. Em linhas gerais, ele se baseia nas disposições humanas como inerentes aos planetas, através de suas qualidades, sendo positivas ou negativas. Assim Ficino começa a carta interrogando-se sobre as qualidades dos planetas para o homem: a Lua que remete ao movimento contínuo dos corpos e das almas; Marte indicando a prontidão; Saturno, ao contrário, remetendo a lentidão; o sol como Deus; Júpiter, a lei; Mercúrio, a razão; e por fim, Vênus, a humanidade (humanitas).

Assim após se deter longamente sobre a questão dos atributos da humanidade em Vênus, Ficino estabelece uma ligação astrológica entre os hábitos humanos e os planetas, de forma a criar um arcabouço necessário para decifrar os aspectos positivos da Lua com os planetas benéficos (Vênus e Júpiter) e a conjunção dos aspectos lunares com os planetas maléficos (Marte e Saturno). Não há espaço para o fatalismo cósmico de origem estoica na literatura ficiniana, e principalmente, nessa carta endereçada a um jovem de 14-15 anos. Ficino sempre alia os acontecimentos pré-fixados pelos planetas com as predisposições da vontade própria, do livre arbítrio e a responsabilidade moral e religiosa do homem.

Assim como os astrólogos considerem afortunados aqueles cujo destino tenha favoravelmente disposto os corpos celestes no nascimento, assim também os teólogos se julgam felizes por tê-los também dispostos por si mesmos. […]. Vamos então, jovem rapaz, arma-te e modere o céu com minha ajuda. Que sua Lua, quer dizer, o movimento continuo dos corpos e da alma, esquiva com a excessiva rapidez de Marte como da lentidão de Saturno; ou ainda, considere, cada questão particular no momento oportuno e cômodo; não te apresses ou muito mesmo se tarde mais que o necessário. Que essa Lua que é em ti o olhar junto a continuação do Sol, Deus mesmo, da qual ela recebe sempre os raios benéficos; e venere, acima de tudo, o que tu recebeste para qual tu és digno de honra. Olhe também para Júpiter, quer dizer as leis divinas e humanas, que não devem ser jamais transgredidas: propague as leis, sobre as quais tudo repousa, não era de fato o que se perdeu. Dirija seu olhar através de Mercúrio, quer dizer o discernimento, a razão e a ciência, e não empreenda nada sem ter consultado, previamente, as pessoas prudentes; não digas ou faças nada cuja não possa fornecer as razões plausíveis. Tenha por cego e mudo um homem que é privado das ciências e das letras. Fixe, enfim, seus olhares sobre Vênus mesmo, quer dizer sobre a humanidade.

Portanto, para Ficino, a admissão da astrologia não interfere, de forma alguma, na questão da liberdade humana – que deve, aliado aos preceitos astrais, se instruir nas prerrogativas morais e cristãs. Pois nas relações estabelecidas com o firmamento não se detecta quaisquer tipos de imposições dos astros e estrelas, mas apenas “uma correspondência expressiva de um ritmo unitário mais profundo”.

Todavia, será no terceiro livro do De vita, o De vita coelitus comparanda [Da vida obtida pelo céu] onde Ficino assume uma posição, claramente, de viés mágico-astrológica. Aqui, Ficino acentua todo o seu conhecimento sobre o hermetismo como também resgata a teoria da harmonia do mundo que esboçara na sua Theologia platonica. No De vita, o cosmos aparece como um grande organismo, e, através do impacto dos planetas e astros e como se estabelece as correspondências e as harmonias entre as esferas mais elevadas e o homem. Ficino somente reconhece o poder do signo das conjunções planetárias e das constelações o que tem a ver com a sua descrença no determinismo astral. Ou seja, ao mesmo tempo em que condena, por exemplo, a astrologia judiciária (astrologia divinatória) ele constrói um esquema cosmológico para basear sua prática medicinal e a confecção de horóscopos. E fica claro que, Ficino se utiliza dos preceitos da melothesia para compor sua astrologia de ordem medicinal; além disso, é importante frisar como o impacto dos influxos astrais são determinantes em sua obra. Quando, por exemplo, se tem que operar ou mesmo prescrever algum remédio ou elixir é necessário saber quais partes do corpo os planetas e, principalmente, quais os signos zodiacais governam, se torna função vital para compreender o próprio homem e sua inserção no mundo astral. Assim, num trecho do De vita coelitus comparanda, Ficino é bem enfático em relatar a melothesia com a utilização dos planetas nos tratamentos medicinais.

A isto, é preciso lembrar que Áries comanda [praeesse] a cabeça; Touro, o pescoço; Gêmeos, os braços e espáduas; Câncer, o peito, os pulmões, o estômago e os bíceps; Leão, o coração, o estômago, o fígado, o dorso e as costas; Virgem, os intestinos e o final do estômago; Libra, os rins, as coxas e as nádegas; Escorpião, as genitálias, a vulva e o útero; Sagitário, a coxa e a virilha; Capricórnio, os joelhos; Aquário, as pernas e as canelas; Peixes, os pés.

III, 9. As dignidades [dignitates] dos Planetas nos Signos que devem ser observadas para o uso dos tratamentos [medicinarum]

O domicílio [domus] de Saturno é Aquário e Capricórnio; sua exaltação [exaltatio] é Libra. O domicílio [domus] de Júpiter é Sagitário e Peixes; sua exaltação ou reino [regnum], é Câncer. O domicílio [domicilium] de Marte é Escorpião e Áries; sua exaltação, Capricórnio. O domicílio [sedes] do Sol é Leão; seu reino [regnum], Áries. O domicílio [habitaculum] de Vênus é Touro e Libra; sua exaltação, Peixes. O domicílio [aedes] de Mercúrio é Virgem e Gêmeos; seu reino [regnum], Virgem. O domicílio [domus] da Lua é Câncer; sua exaltação, Touro. Saturno e Júpiter têm seu elemento [triplicitatem] nos signos de fogo e de ar; o Sol apenas em [signos de] fogo; Mercúrio somente em [signos de] ar; Marte, Vênus, Lua em [signos de] água e terra.

Cada um dos planetas, excetuando-se o Sol e a Lua, guarda para si, em cada signo, certos limites [fines], que chamamos de termos [terminos]. Desta maneira, em Áries, Júpiter tem os primeiros seis termos; Vênus tem os seis subsequentes; Mercúrio, os oito posteriores; Marte, os cinco seguintes; e Saturno, os últimos cinco. Em Touro, então, por conseguinte, Vênus tem oito termos; Mercúrio, seis; Júpiter, oito; Saturno, cinco; e Marte, finalmente, três. Em Gêmeos, Mercúrio tem seis; Júpiter, seis; Vênus, cinco; Marte, sete; e Saturno, seis. Em Câncer, Marte tem sete; Vênus, seis; Mercúrio, a mesma quantidade; Júpiter, sete; e Saturno, quatro. Em Leão, Júpiter tem seis; Vênus, cinco; Saturno, sete; Mercúrio, seis; e Marte, a mesma quantidade. Em Virgem, Mercúrio tem sete; Vênus, dez; Júpiter tem quatro; Marte, sete; Saturno, dois. Em Libra, Saturno tem seis; Mercúrio, oito; Júpiter, sete; Vênus, a mesma quantidade; Marte, dois. Em Escorpião, Marte tem sete; Vênus tem quatro; Mercúrio, oito; Júpiter, cinco; Saturno, seis. Em Sagitário, Júpiter tem doze; Vênus, cinco; Mercúrio, quatro; Saturno, cinco; Marte, quatro. Em Capricórnio, Mercúrio tem sete; Júpiter, sete; Vênus, oito; Saturno, quatro; Marte, a mesma quantidade. Em Aquário, Mercúrio tem sete; Vênus, seis; Júpiter, sete; Marte, cinco; Saturno, a mesma quantidade. Em Peixes, Vênus tem doze; Júpiter, quatro; Mercúrio, três; Marte, nove; Saturno, por fim, dois. O Sol e a Lua, entretanto, segundo outra regra [ratio], tem seus próprios termos [fines]. Pois o Sol tem por termos [pro finibus] seis signos: Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário e Capricórnio. A Lua, o restante: Aquário, Peixes, Áries, Touro, Gêmeos e Câncer. Eles [os astrólogos], portanto, pensam que o Sol e a Lua têm, nestes signos, o mesmo princípio [principatum] e efeito [efectum] que o resto dos planetas têm em seus termos [finibus].

Nos signos, além dos termos [fines], os planetas têm faces [facies], que os gregos chamam decanos [decanos], que ocupam dez graus do signo. Em Áries, a primeira face é a de Marte, a segunda é a do Sol, que segue Marte no céu. Segundo a ordem dos caldeus, a terceira seria a de Vênus, porque sucede o Sol no céu. Em Touro, a primeira face é a de Mercúrio, que segue Vênus; a segunda face é da Lua, que sucede a Mercúrio; a terceira é a de Saturno. Pois devemos voltar a ele, tendo eu enumerado todos os planetas. Em Gêmeos, a primeira [face] é a de Júpiter, que obviamente segue Saturno; a segunda é a de Marte; a terceira é a do Sol na mesma ordem e, similarmente, assim por diante.

III, 10. Como devemos utilizar os Planetas nos tratamentos [medicinis]

Rememoramos, por outro lado, as dignidades que os planetas têm nos signos a fim de que, todas as vezes que fizermos ou compusermos coisas que se atenham a algum planeta, possamos saber situá-lo em suas dignidades. Especialmente quando [o planeta] tiver o lugar principal [principatum] na nossa revolução de nascimento. Como também, Saturno e Marte – ainda que, em outra ocasião, tenhamos de rebaixa-los [deprimendi] – devem ser elevados [erigendi] se eles forem significadores [significatores] de nosso nascimento [genituræ]. Teremos realizado algo de grande valor com esta rememoração se atentarmos, quando estivermos para usar o benefício da Lua, de Vênus e de Júpiter na confecção de tratamentos [medicinis], tomarmos cuidado para que eles não estejam nos termos [finibus] de Saturno ou Marte; a não ser onde somos compelidos ou a coibir a dissolução e a reprimir o calor, por meio de Saturno; ou aquecer as coisas muito frias e suscitar as entorpecidas, por meio de Marte. De outro modo, escolheremos os termos [fines] de Júpiter e Vênus. Escolheremos também os termos [fines] de Mercúrio, quando quisermos ajudar os homens que são especialmente mercurianos [mercurialibus]. Não deve escapar à nossa atenção que os homens muito mercurianos, aqueles dotados de engenho, artifício e eloquência, não sejam medianamente solares. Pois Mercúrio está sempre pleno de Apolo.

Mas a fim de que todos possam compreender como distribuímos as figuras no céu por zonas [oras], chamamos “primeira casa” [primam] e “casa da vida” [vitae domum] o signo que está nascendo no horizonte no lado do Levante. Aquela que sucede no Oriente, nós a chamamos “segunda casa”, e a terceira, e assim as outras seguintes, de maneira que a sétima casa seja o signo que agora se põe no Oeste e que está oposto ao ascendente. A esta, sucede a oitava casa. Mas a nona, na verdade, é a cadente do meio do céu, que forma a décima casa, à qual sucede a décima primeira. Mas a décima segunda casa é cadente do ascendente. Logo, a fim de que os planetas sejam potentes, devemos tê-los nos ângulos ou do Oriente ou do Ocidente, ou das duas partes do meio do céu. E, sobretudo, no ângulo do ascendente ou da décima casa que ocupa o meio do céu sobre a cabeça, ou ao menos nos locais que sucedem imediatamente aos ângulos. Ainda que eles [os astrólogos] estimem que o Sol exulte [gaudere] na nona casa, que tomba do meio do céu, e a Lua na terceira também cadente. Entre estas coisas, os Astrólogos querem que se retenham duas regras. Uma em relação com aquele que está doente, e outra em relação ao médico. Pois quando a sétima casa do doente é importunada por Saturno ou Marte, ou que seu senhor é infeliz, separem-se o médico do doente – a se crer no que diz Ptolomeu. Antes de mais nada, ao se escolher um médico, eles ordenam que se evite o saturnino e o marcial e que se procure aquele na genitura do qual a casa sexta – pelo aspecto do Sol, ou por Vênus ou por Júpiter – for de alguma forma afortunada. Ora, dizemos estar o signo ou o planeta infortunado por Saturno ou Marte se não se tratam de casas próprias ou reinos [regna] – a saber, quando eles estão lá ou quando concernem a um aspecto oposto ou quadratura. E dizemos o aspecto estar oposto entre os signos ou planetas quando distam por um longuíssimo intervalo. E o aspecto “quadrado” é quando um difere do outro de uma quarta parte do céu – quer dizer, do espaço de três signos. Entretanto, Saturno e Marte incomodam menos os outros planetas pela conjunção, oposição e quadratura – quando, como hóspedes, eles os recebem em sua casa, ou reino ou termo. Nem mais nem menos o que os planetas benéficos [felices] aproveitam, quando pelo aspecto sextil, pelo trígono ou pela conjunção, eles recebem como dissemos. Entretanto, os planetas reverenciam a conjunção do Sol, e se rejubilam, evidentemente, com um aspecto trígono ou sextil.

A isto, é preciso lembrar que Áries comanda [praeesse] a cabeça; Touro, o pescoço; Gêmeos, os braços e espáduas; Câncer, o peito, os pulmões, o estômago e os bíceps; Leão, o coração, o estômago, o fígado, o dorso e as costas; Virgem, os intestinos e o final do estômago; Libra, os rins, as coxas e as nádegas; Escorpião, as genitálias, a vulva e o útero; Sagitário, a coxa e a virilha; Capricórnio, os joelhos; Aquário, as pernas e as canelas; -Peixes, os pés. Lembrando, pois, dessa ordem, resguardem-se de tocar o membro com ferro, fogo ou ventosas quando a Lua percorre sob seu signo. Pois nesse momento a Lua aumenta os humores no membro, do quais a afluência proíbe a consolidação, e agrava a virtude do membro. E observem, porém, que o membro é oportuna e felizmente esquentado por certos remédios favoráveis [remediisamicis], assim aplicados por fora ou por dentro.

Ora, é preciso que se conheça qual signo era o ascendente em seu nascimento. Pois além de Áries, este outro significa também a cabeça, e a Lua aí estando observa-lhe a cabeça. Assim, quando a Lua entra em Áries, é quando oportunamente tentar-se-á os banhos e lavatórios. Quando ela entra em Câncer, diminua-se o sangue favoravelmente [feliciter], tome-se o remédio, sobretudo na forma de electuário [electuarii]. Quando ela está em Leão, que não se provoque vômito. Quando está em Libra, ela está propícia aos clisteres. Estando em Escorpião, não tente os banhos. Há aqueles que não proíbem nem recomendam dar remédios para dissolver. É nocivo tomar remédio com a Lua estando em Capricórnio, do mesmo modo quando em Aquário. Mas em Peixes, ela é favorável. Por outro lado, sobre que membro tem, em cada signo, cada um dos planetas – ainda que isso seja necessário saber –, é demorado explicar. E quanto à purgação do ventre não devemos deixar passar o preceito de Ptolomeu. Que se tome remédio purgatório quando a Lua está em Câncer, em Peixes, em Escorpião – o que nós aprovamos, principalmente se o regente do signo [dominus signi] então ascendente, se aplique ao planeta corrente sob a terra. Mas se, no entanto, o regente do ascendente [ascendentis dominus] está em conjunção sobre a cabeça com o planeta que tem o meio do céu, logo incitará a náusea e o vômito. Em suma, concluiremos, com Galeno, que a Astrologia é necessária ao médico. Pois, discutindo os dias críticos, ele diz: a sentença dos egípcios é correta, ou seja, que a Lua significa, dia a dia, a afecção do doente e do são, de maneira que se os raios de Júpiter e de Vênus se misturam com a Lua, um e outro se portam bem. Mas se os de Saturno ou de Marte se misturam, tem-se o efeito contrário. Mas agora, tendo divagado tão amplamente, voltemos enfim ao espírito, à vida e às Graças.

Para Ficino a ordenação do firmamento, com suas esferas e astros, é a projeção visível da realidade que se modifica em nós. Andre Chastel bem coloca que “Marte, Júpiter, Saturno, Mercúrio, Vênus, representam certas forças físicas que são a prontidão, a legalidade, a lentidão, a razão, a habilidade, a humanidade”. Non tam probo quam narro, ou seja, Ficino quer demonstrar no De vita, e em especial no De vita coelitus comparanda que a astrologia é uma espécie de tradução em linguagem da vida dos astros. Assim, ele utilizará “todas as imagens astrais, as visíveis como as constelações, as invisíveis e apenas imagináveis, (…) as potências celestes são capturadas pelo simulacro que as imita, e exercem a sua eficácia através do espírito”.

É partindo dessa ideia de harmonia do cosmos que Ficino justificará sua crença e prática da magia e da astrologia. E com isso, Ficino poderá, por exemplo estabelecer as relações análogas entre o céu e a unidade, ou seja, será pela regulação analógica do cosmos – instância macrocósmica – que tudo pode se reduzir e ter uma correspondência no nível terrestre – instância microcósmica. O homem seria, para Ficino, o lugar privilegiado onde acontecem as correspondências astrológicas e mágicas. O homem-microcosmo teria assim, que se moldar pelas imagens, ao macrocosmo na construção das correspondências no mundo. São pelas palavras e ainda mais pelas imagens que as analogias podem ser concebidas, então homem e cosmos pactuariam da mesma essência, e o motivo desse pacto são as concepções pelas imagens que o homem concebe o firmamento. Não é à toa que Ficino monta uma espécie de grande mapa cosmológico através de imagens de notável perfeição e precisão estética e técnica.

“Vemos que as coisas compostas alcançam a vida quando a perfeita mistura parece ter quebrado todos os contrastes precedentes”. Esse trecho resume bem a concepção ficiniana da perfeita união de arte e magia, pois somente com o pleno entendimento das concepções mágicas e suas operações, o homem conseguirá mensurar a harmonia da vida. Devemos compreender toda a discussão em torno dos pressupostos astrológicos e mágicos em Ficino como uma aplicação sistemática das teorias astrológicas na decifração de temas que diziam muito sobre sua personalidade. O interesse pela sobrevivência do hermetismo, o platonismo, o casamento perfeito entre os pressupostos pagãos e a teologia cristã, a crítica do fatalismo astral. Para Ficino, somente o único que conseguir decifrar suas verdadeiras inclinações – função que a astrologia poderá contribuir – vai perceber e evitar, na melhor das hipóteses, qualquer condicionamento externo.

4 Astrologia e Cotidiano: A Imago Signorum

4.1 O corpo astral e o Homo Signorum

As diversas assertivas sobre a concepção do cosmos, ou mesmo do universo, em sua forma humana remetem – como já aqui analisado – a necessidade antiga de presumir e prescrever a relação entre o incognoscível e sua instância terrestre, o próprio homem. Dentro desse complexo e imbrincado jogo de elementos astrais surge a ideia do homem cósmico [homo cosmicus] que, naturalmente, seria aquele que assimilaria as estruturas antropomórficas que estão por detrás do firmamento e, principalmente, da sua criação. Assim, as primeiras culturas conseguiam resolver, de forma ainda rudimentar, certas inquietações na assimilação do homem cósmico pela conjunção astral suprema. Com isso, se reconhecia, a uma só vez, a coexistência da entidade cosmológica suprema e o próprio universo num duplo movimento que reconhecia a harmonia desse enlaçamento – o cosmos como unidade harmônica por excelência.

De todo modo, a crença da qual reside o homem cósmico revela a necessidade em categorizar e, ao mesmo tempo, produzir um modo de conhecimento pelos astros onde a entidade humana fosse responsável pelos fluxos entre essas duas instâncias: o mundo supralunar e o mundo sublunar. Nesse processo de amadurecimento do conhecimento cósmico e de seu paralelo com a figura do homem se acopla os saberes astrológicos. Com o advento e instrumentalização da astrologia divinatória o conhecimento sobre corpo do homem cósmico ganha novos contornos e novas possibilidades de enfrentamento. Essa estrutura será a responsável pelo surgimento de um topos iconográfico que representará e, mais importante do que essa função, amalgamará todo um lugar de desenvolvimento dos saberes particulares, tal como a medicina e os elementos astrológicos, teológicos, filosóficos, etc.

Assim surge o Homo Signorum, numa tentativa de elencar toda a estrutura do zodíaco com a ideia do homem enquanto microcosmo. Esse sistema, de fato, é uma concepção helenística de mundo e que fora cristalizada nos primeiros séculos da era cristã. A figura de um homem nu, geralmente com seus braços e pernas estendidos, sendo perpassado pelos doze signos do zodíaco: da cabeça (Aries) até os pés (Peixes). Esse tipo de iconografia será amplamente encontrado em tratados, almanaques e enciclopédias de ordem astronômicas, teológicas, filosóficas e, sobretudo, médicas. Já sabemos, logo de antemão, que essa doutrina remete ao conceito de melothesia, proveniente do mundo astrológico babilônico, que foi sistematizado pelos eruditos helenísticos.

De fato, no início da era cristã muitas imagens foram proibidas pois, de certa forma, iam contra a então nova fé estabelecida. Assim, inúmeras imagens foram severamente censuradas no intuito de manter intacta a moral cristã e seus ensinamentos. Contudo, isso não foi uma razão contundente para a total exclusão dessas imagens astrológicas, pois mesmo com a censura, os grandes Padres da igreja não desaprovavam, como um todo, a circulação dessas imagens. Essas imagens mais do que nunca se multiplicaram a partir do século XI e fizeram parte de toda emergência do aspecto filosófico e cientifico da Primeira Época Moderna.

De acordo com Harry Bober, as fontes textuais que remetem a relação entre o zodíaco e o homem remontam ao primeiro século cristão, tendo a obra Astronomicas de Manilius sua base teórica. No segundo livro (capítulo XI), Manilius descreve o sistema que dinamiza o binômio homem-cosmos: “Accipe divisas hominis per sidera partes…”. Para Bober essa afirmativa já contém em si a prova da necessidade, em Manilius, de dividir o corpo do homem pelos influxos astrais. No entanto, e como já debatido anteriormente (capitulo I), a importância de Ptolomeu também dever ser resgatada nesse contexto. Junto com Galeno e Aristóteles, Ptolomeu será responsável pelo estabelecimento dos preceitos filosóficos, astrológicos e medicinais no medievo, tendo sido sistematiza pelos árabes. Ou seja, os preceitos físicos e biológicos sendo geridos e mensurados pelo regime astrológico, através das dinâmicas que o processo analógico promove. A figura de Ptolomeu dentro desse processo de criação do homo signorum deve ser levado em consideração também. A diferenciação e peso reside somente num aspecto temporal: enquanto que para a Idade Média, a figura de Ptolomeu se torna relevante pelo elo constitutivo com a filosofia aristotélica e seu resgate por entidades como Galeno. Manilius terá sua preponderância e insurgência a partir do século XV. Trata-se, no fundo, de um posicionamento causado pelo paradigma filosófico da época.

A sobrevivência da doutrina dos dozes signos perante a represália por parte da igreja se evidencia pelo fato da popularização dos preceitos astrológicos.278 Nesse mundo havia uma popular preocupação e interesse por esses assuntos, que faziam parte da vida do homem desde o seu nascimento. Com isso, mais do que nunca havia um sincretismo que unia o cristianismo com a cosmologia antiga e pagã, e mais do que nunca, essa junção se evidenciará na Primeira Época Moderna.

278 A insurgência do sistema dos doze signos e seu impacto pelo corpo humano fora amplamente defendida pelo priscilianos ao ponto de relacionarem os doze apóstolos com a doutrina zodiacal. Entretanto, para a maioria dos padres, essa concepção era vista com um certo medo e desconfiança. Porém isso não impediu que alguns padres não tentassem a convergência desses saberes. Zeno de Verona, por exemplo, refletiu em seus escritos a popularidade da astrologia ao ponto de criar uma versão alegorizada de um horóscopo cristão que levava em conta a divisão do homo signorum.

Para D.P. Walker, o corpo astral que envolve o homo signorum está relacionado muito mais com as concepções e funções imaginativas do que, propriamente, com suas concepções físicas. Em parte, isso é verdade, porém, a todo instante há uma ênfase na estrutura física que está por detrás do sistema do homo signorum. O desenvolvimento médico, por exemplo, está intrinsecamente ligado aos preceitos astrológicos. Assim, o avanço médico dentro do escopo tratado, é também um avanço perante os elementos astrológicos:

The astral body, or vehicle of the soul, is made of very fine, lucent stuff; this may be identical with the substance of the stars and spheres, through which the soul passes while descending from its origin to this earth, or, if not identical, it has received successive celestial influences or imprints during this descent. Its natural shape is starlike, i.e. spherical. It is thus especially subject to astrological influences.

“O corpo astral, ou veículo da alma, é feito de duma substância muito fina, translúcida; que pode ser idêntico a substancia das estrelas e das esferas [celestes], através da qual a alma passa enquanto descendente das origens até a terra, ou, se não for idêntica, recebeu sucessivas influências ou impressões celestes durante sua queda. Sua forma natural é estrelada, isto é, esférica. É, portanto, sujeito as influências astrológicas.”

Num amplo contexto, podemos dizer que o homo signorum normalmente aparece tanto em escritos medievais e, principalmente, na Primeira Época Moderna fora de um contexto religioso, em certa medida. Essas textos e imagens compõem basicamente compêndios medicinais, que teriam a função de ajudar o médico e o cirurgião-barbeiro a compreender e elencar a dimensão do impacto dos dozes signos zodiacais numa determinada conjuntura astral. Seja numa cirurgia, na criação de elixires e remédios, ou até mesmo na consulta sobre doenças, a iconografia do homo signorum irá se desenvolver ao ponto de deixar de ser um mero apontamento ilustrativo de textos para performarem como verdadeiros mapas sobre o corpo humano.

A sobrevivência da doutrina dos dozes signos funcionando como influxos que tem a função de regência e medição sobre o corpo humano se deve mais a um desenvolvimento das práticas médicas sobre o corpo do que, de fato, de uma renovação da literatura astrológica. De fato, a doutrina médica no período medieval será a responsável por elencar este tipo de iconografia, onde a persistência da medicina astrológica popular será uma das maneiras como o homo signorum permanece perante a própria cultura medieval, conseguindo adentrar ao debate proto-científico sobre a dinâmica homem-cosmos na Primeira Época Moderna.

Com o amalgama dos preceitos médicos no homo signorum o desenvolvimento de sua base iconográfica alcançará outros contornos. Porém antes de adentramos no próprio campo das imagens, vale ressaltar a providencia e alinhamento de diversas correntes astro-filosóficas que permitirá a incidência da prática e, principalmente, o surgimento da iconografia do homo signorum.

O surgimento e desenvolvimento do homem signorum está baseado no conhecimento e princípios que são, precisamente, determinados pela ordem analógica do cosmos. Por isso, a incidência deste tipo iconográfico será comum somente a partir de meados do século XII, tendo o alcance ampliado a partir do século XIII em diante. E é o campo da medicina astrológica que reunirá as condições necessárias para isso. A formulação clássica do homo signorum pressupõe:

A) O homem como microcosmo, tendo sua contrapartida o macrocosmo. O homem é o reflexo das ações e movimentos das coisas que acontecem no âmbito macrocósmico. Há uma relação e parâmetro entre todas as coisas e o homem, sendo ele a forma e medida de todas as coisas. O corpo do homem está permeado e divido pelos influxos cósmicos e astrais provenientes do macrocosmo. Partindo da estrutura geocêntrica de mundo, o homem é, por excelência, a representação da instância terrestre, por ele flui toda dinâmica terrestre que nada mais é do que um reflexo daquilo criado pela instância suprema. Dessa forma, o homem reúne em si todas as características e qualidades primordiais para a formação do cosmos: ele [o homem] é formando pelos quatro elementos (água, ar, fogo e terra) e pelas qualidades primárias (quente, frio, seco e úmido);

B) suas características naturais são o resultado do entrelaçamento das qualidades do temperamento humano (sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico e também biliar) que são criadas tendo a constituição dos quatros fluidos elementares de formação e manutenção da energia vital do corpo humano (bile amarelo, sangue, fleuma e bile negra);

C) a constituição do corpo humano é, totalmente, regida pela dinâmica e correspondência simpática e analógica do cosmos. Essa estrutura demanda uma dependência deste corpo pelo zodíaco, pelas esferas celestes e pelos planetas que controlam e dominam toda a anatomia, tanto interna quanto externamente. Os órgãos e vísceras do corpo humano reagem a qualquer mudança de conjectura astral;

D) de todos planetas a Lua é a mais próxima do centro dentre esquema e sempre terá um papel predominante nas construções e leituras astrológicas sobre o homem.

Para que toda essa dinâmica aconteça a ideia analógica de mundo deve prevalecer. Por isso que a ciência do homem, se é que podemos chamá-la assim, gera uma ordem regular das coisas no universo, onde essa dinâmica entre os componentes cósmicos e o homem seja possível deve sempre ter uma estrutura simpatética que convém uma base harmônica que determinará analogias necessárias e possíveis. De um modo resumido, para que a existência de um topos iconográfico como o homo signorum seja possível, se deve levar em consideração os fatores acima elencados. Sem qualquer um desses elementos, a ordem analógica de mundo não será possível e sua relação harmônica com o homem desaparece.

Toda uma sorte de práticas médicas que tinham como metodologia a leitura do corpo através dos signos e planetas foi criada no intuito de indicar uma forma de preservação e higienização do corpo humano. Dentre as práticas mais disseminadas a flebotomia era, por certo, a mais conhecida dentre os médicos-astrólogos. Fazia-se uma incisão no intuito de retirar todo o fluido que, de alguma forma, comprometia o bom funcionamento do corpo. Porém, como realmente saber o lugar correto onde realizar a sangria? Quando realizá-lo? Qual o melhor momento no ano para realizar a sangria do elemento colérico do corpo? Todas estas e outras perguntas eram sanadas, na medida do possível, pela leitura do cosmos: “Quand la lune est en aries, leo et sagitarius, Il fait bon saigner au colerique…”.

A seriedade e importância real em saber quais procedimentos se deve adotar nas práticas médicas, tendo como base a consulta astral acabou se tornando uma questão social e política, ao ponto de se criar leis específicas para os médicos-astrólogos seguirem. Num modo geral, estas leis versavam sobre a prática da flebotomia e a necessidade de os cirurgiões barbeiros utilizarem os almanaques que tratavam sobre as diversas práticas médicas, inclusive a própria flebotomia. É nesse ponto que prevalecia a importância das imagens, pois estas funcionavam como exemplos e mapas para o cirurgião-barbeiro seguir. Esse postulado legal tinha como finalidade, basicamente, a proteção do público que recorria a este tipo de tratamento.

“Confirmation des privilèges accordes aux Maîtres Chirurgiens et Barbiers de la ville de Beaune”… Après l’espreuve ainsi faicte, il sera examine lesdicts maistres sur le fait des saignées et cirurgies, savoir s’il scet l’art et le mesure de bien seigner, et là où gisent les veines ou 1’on doit seigner, à quoy elles servent, et quant il fait bon seigner, et quant les seignées sont necessaires et quant non, et en quel temps est bon pour seigner.

“Confirmação dos privilégios acordados entre os Mestres Cirurgiões e Barbeiros da cidade de Beaume… Após o exame assim feito, será examinado os preceitos sobre o conhecimento de sangria e cirurgia, seja na arte e medida do saber fazer sangria, onde as veias se encontram ou onde se deve realizar a sangria, para que serve, e quando é bom sangrar um veia, e quando a sangria é necessária e quando não é, quais momentos são bons para sangrar uma veia.”

A citação acima remete ao exame doutoral realizado em Beaune pela ‘Ordonnance des Roys de France’ em 1476. Fica evidente que uma das exigências requeridas se trata da excelência nas realizações de sangrias [flebotomia]. Não apenas realizar a incisão, mas se levava em consideração os procedimentos adotados pelo médico para a realização de tal ato como a consulta dos almanaques médicos-astrológicos. Outra lei real, desta vez expedida por Luís XI, em 1465, obrigava a todo cirurgião-barbeiro e médico a possuir um almanaque ou calendário astrológico, no intuito de diminuir a incidência de mortes causadas pela prática da flebotomia. Por fim, uma inusitada lei expedida em 1400, na cidade de Carcassonne, permitia somente a prática da sangria quando a lua estava “favorável” em sua conjuntural astral.

Assim, condicionados de um lado, pela necessidade em estabelecer cálculos precisos para qualquer procedimento médico, e do outro, impulsionado – ou até condicionados – pela ação da lei, as práticas médicas-astrológicas cambiavam constantemente. Sempre no intuito de encontrar com maior precisão os recursos dados pelos signos planetas, cada vez mais os cálculos astrológicos se tornavam mais complexos e variados, ao ponto de ser impossível para o médico ou cirurgião-barbeiro memorizá-los por completo no ato da consulta da sangria por exemplo. Para Bober, isso seria a condicionante básica para a aproximação, por exemplo, dos cálculos médicos com as práticas astronômicas da navegação.

“Therefore, conditioned by so many calendrical considerations, the mediaeval practitioner had constant recourse to the changing tables of the moon, signs and planets, which could not be memorized and without which strictly correct treatment would have been impossible. When the system was at its very best, by the late fourteenth and early fifteenth centuries, exact calculations by means of precision instruments with fine calibrations, similar to those of the astronomer or navigator, were employed in the determination of data preliminary to medical treatment. This applied not only to blood-letting but to other widespread practices of general medicine and hygiene as well, particularly purgation, bathing, medication and surgery. Prognosis and treatment depended on the humoral constitution of the patient, the day of the moon at the commencement of the malady, and the relation of that “planet” to the sign of the ailing member. The predictability of the macrocosm provided the basis of order in the excogitation of the disorders in man, the microcosm”.

“Portanto, condicionado por tantas considerações calendáricas, o médico medieval recorreu constantemente às tabelas cambiantes da lua, signos e planetas, que não podiam ser memorizados e sem a qual o tratamento correto teria sido impossível. Quando o sistema estava no seu auge, no final do século XIV e início do século XV, os cálculos exatos por meio de instrumentos de precisão com calibrações finas, semelhantes aos dos astrônomos ou navegadores, foram empregados na determinação de dados preliminares ao tratamento médico. Isso se aplicava não só à prática da sangria, mas também a outras práticas gerais médicas e higiene, particularmente a purgação, o banho, a medicação e a cirurgia. O prognóstico e o tratamento dependiam da constituição humoral do paciente, do dia da lua no começo da doença e da relação desse “planeta” com o membro enfermo. A previsibilidade do macrocosmo forneceu a base da ordem na excogitação dos distúrbios no homem, o microcosmo”.

Um exemplo se encontra num pequeno quadrante (Fig. 24a) do século XV, hoje preservado no Merton College em Oxford. Nele estão contidas, sui generis, todas as informações necessárias para a medição dos ângulos, tendo como bases as posições das estrelas e planetas. Porém, o que chama a atenção nesse pequeno objeto é uma figura posta ao lado das marcações angulares. De um artista desconhecido, trata-se de uma figura de um homem com cabelos longos que tem gravado por toda a extensão de seu corpo as figuras do zodíaco, ou seja, um exemplo de homem zodiacal, um homo signorum. Ambos os braços estão dobrados e erguidos na altura dos olhos, seu corpo se curva suavemente acompanhando a curva construída no quadrante. Com um pouco de esforço se consegue ver, por exemplo, a imagem do signo de Câncer em seu peito ou mesmo Áries pairando sob toda a extensão de sua cabeça até chegar ao signo de peixes que envolve ambos os pés da figura. Para Robert Theodore Gunther – num pequeno verbete sobre quadrantes médicos e com base nas imagens contidas no manuscrito Ashmole – se trata de um exemplo da maneira como os astrólogos-médicos se utilizavam das constelações zodiacais. Tal como os gregos, se empregava as constelações e as conjunturas planetárias no intuito de predizer algum fato isolado, individual, ou até mesmo – como vem sendo aqui delineado – no intuito de encontrar o tempo certo para realizar a sangria no paciente.

Continuando, Gunther descreve a fórmula básica da divisão dos signos pelo corpo, sem ao menos citar que se trata do conceito da melothesia, apenas se contenta em descrever as partes do corpo humano e a regência de cada signo. E termina citando Galeno na condição daquele que, de certa forma, incorporou os sistemas planetários e zodiacais na prática médica no medievo. Nas palavras de Galeno: “if the patient takes to his bed when the moon is in Aries, and in position with Mars or the sun, the disease will be in the head” (“se o paciente se deita quando a lua está em Áries, e em posição com Marte ou o sol, a doença estará na cabeça”). Isso influenciará toda o debate sobre a preponderância da dimensão astrológica no debate da Primeira Época Moderna, tendo o nome de Marsilio Ficino um dos principais expoentes.

Qual impacto da iconografia do homo signorum no problema do conhecimento para o homem da Primeira Época Moderna? De fato, esta é a pergunta a ser resolvida aqui. A imagem, ela a uma só vez, consegue concatenar toda a exasperação de ordem filosófica, histórica e médica que a doutrina do homo signorum traz. Um dos pontos a ser levantado é como fora a recepção desses estudos e dessas teorias pelos artesãos e artistas que confeccionavam estas obras. A maioria dos manuscritos e almanaques direcionados para os médicos-astrólogos, também, eram consumidos pelos artistas do medievo e da Primeira Época Moderna. Um bom artista seria aquele que dominasse os conhecimentos astrológicos sobre o impacto dos elementos cósmicos no corpo, assim, conseguiria executar com maestria seus desenhos, suas obras. Se analisarmos o arco temporal da produção de imagens que tenham como base a iconografia do homo signorum, veremos o desenvolvimento e preocupação estilística na representação. Dos desenhos mais rudimentares dos séculos XI e XII para obras de extremo rigor estilísticos produzidos no século XVI, seria a consonância de novos estilos que eram desenvolvidos com o passar do tempo. Assim, essa iconografia acompanha o processo de mudanças de estilo ocorrido na transição do medievo para a Primeira Época Moderna, ou como é comumente nomeada na arte, a transição do medievo para o renascimento.

Mais do que verificar como se deu essa transformação de ordem iconográfica/estilística, a questão reside em como esse tipo iconográfico foi criado partindo das teorias filosóficas-astrológicas-médicas. E, principalmente, como os artistas, no curso do tempo, lidaram com o complexo processo de amalgamação das doutrinas e teorias por detrás da imagem da imago signorum. Através da representação em imagens, os artistas conseguiram traduzir as exasperações contidas nos manuscritos e escritos antigos. Conseguiam unir, a doutrina do macro-microcosmo com a prática da flebotomia, tendo como pano de fundo toda uma seara de elementos astrológicos. Nada estava ali de graça, tudo tinha um motivo exato de estar e correspondia a um elemento de ordem cosmológico, seja um signo, um planeta, uma constelação. Tudo tinha um por quê, uma funcionalidade nas representações que tinha um desígnio: a concatenação das doutrinas médico-astrológicas em imagens.

Contudo, esse tipo iconográfico demonstrava o tipo de embate que o artista travava entre os elementos provindo da astrologia tardo antiga, sua própria práxis e os elementos particulares do mundo artístico. Para o artista era necessário um duplo processo de conhecimento sobre a antiguidade pagã: de um lado, os elementos artísticos provindo dessa antiguidade que sobreviveram, e de outro, os saberes astrológicos. Havia todo um embate travado com a sobrevivências dessas doutrinas na Europa ocidental. De certo modo, o medievo conseguiu resolver certos aspectos que se colocavam na relação desses elementos provindos da antiguidade pagã (filosofia, astrologia, astronomia) e colocara tudo sobre a égide das analogias divinas. Tudo, de um jeito ou outro, estaria contemplado sob o espectro divino. E, apesar de certa relutância e estigma da arte de ler o cosmos por parte da igreja, havia um certo conformismo no alinhamento dessas ideias.

Isso muda com o ressurgimento do problema do conhecimento – principalmente o insurgente conhecimento cientifico – na Primeira Época Moderna. E o artista estará no centro desse embate, sendo o responsável pela criação, de ordem iconográfica, daquilo que exprimiria todas essas correntes. E uma das afirmações dessa pesquisa se coloca na afirmativa que será no campo artístico que ocorrerá uma confluência e certa harmonização de todos os elementos responsáveis pela criação da doutrina do homo signorum e suas variantes. De fato, serão nas diversas ilustrações onde encontraremos, de forma primordial, uma adaptação, um ajuste imagético para que se consiga passar a ideia por detrás da ideia de homem dos signos. E isso, sempre será responsabilidade do artista em administrar o seu conhecimento astrológico e sua sapiência artística. Veremos, mais adiante, que nem sempre isso foi possível; de início, a preocupação se continha no objetivo em transpor os preceitos médicos. Dependendo de diversos fatores – sociais, culturais, políticos – esse quadro mudará, demonstrando uma maior preocupação do artista em construir uma obra que alinhe os conhecimentos astrológicos necessários para sua compreensão nas imagens e os elementos de composição/estilo.

Partindo desses pressupostos, previamente delineados acima, o que se segue é uma tentativa em traçar o desenvolvimento e as diversas maneiras pela qual a iconografia do homo signorum se constituiu. A ideia não é a construção de uma espécie de genealogia ou mesmo uma arqueologia das representações astrológicas no mundo artístico, mas sim verificar o comportamento de um sintoma – que é o desdobramento de um tipo iconográfico fundamental para o diálogo e embate entre arte e astrologia.

4.1.1 Homo signorum: imagens

Podemos afirmar, em linhas gerais, que os textos contidos em Manilius e Firmicus sobre a relação zodíaco-homem deram a possiblidade da criação de diagramas e representações do tipo. Ainda mais se agruparmos a esses textos a Sphaera Barbarica e o Centiloquim – obra atribuída a Ptolomeu, constituído de cem aforismos sobre os astros e o cotidiano, onde reside a formulação de uma doutrina médica baseada nos astros bastante desenvolvida. Juntos, esses textos formam a base referencial e, muitas das vezes, a base de pesquisas e consultas para os artistas que pretendiam verter os ensinamentos astrológicos em imagens. Franz Boll e Carl Bezold, num pequeno, porém consistente livro, propõem a tese da qual o próprio Manilius, ao compor sua poesia didática já tinha em mente um tipo representativo quando se trata da imagem do homo signorum. De todo modo, não há como comprovar tacitamente esta afirmação, mas de acordo com os textos deixados por Manilius, não podemos deixar de analisar a sua preocupação em construir uma espécie de repertório iconográfico dos preceitos astrológicos que escrevia. De fato, parece mais uma preocupação em elencar os elementos necessários para a representação.

Uma escultura mitraica (Fig. 24b), datada do segundo século (II d.C.), é o elo inicial para compreendermos o que passará mais à frente. Como sua datação é incerta, é comumente atribuída ao século II da era cristã, a sugestão é que foi criação romana sendo atribuída ao círculo daqueles que seguiam de alguma forma o Mitraismo no império romano. Esse baixo-relevo fazia parte da coleção de antiguidades adquiridas pelo Sigismondo IV d’Este, Marques de San Martino. De acordo com Cavedoni:

“à l’epoque de Muratori (1672-1750) dans le palais du Marquis Sigismund d’Este à San Martino, terre du duche de Reggio, distante de 8 milles de cette cite, Comme ce seigueur de S. Martino possedait d’autres antiquites de Rome, il parait assez vraisemblable que le bas-relief est aussi d’origine romaine”.

“Na época de Muratori (1672-1750) no palácio do Marques Sigimund d’Est de San Martino, terra do duque de Reggio, Distante a 8 milhas desta cidade. Como senhor de S. Martino possuía antiguidades de Roma, bem parece, verdadeiramente, que o baixo relevo seja, também de origem romana”.

Com a derrocada de família San Martino, a obra foi adquirida, sob recomendação de Vicenzo Fabrizi, por Francesco III d’Este. Este relevo simboliza a representação de duas correntes comuns praticadas no império romano: o Mitraismo e o Orfismo. Antes de adentrarmos na análise dos elementos astrológicos, é necessário um exame atento aos elementos representativos que compõem essa obra. Essa escultura representa o deus órfico Phanes – ou como Franz Cummont elege, um Aion (Kronos) mitraico – envolto de símbolos zodiacais. Vemos a representação de seu nascimento, Phanes/Chronos está alocado entre as duas metades do que se convém chamar ‘Ovo cosmogônico’, que envolve sua cabeça numa extremidade e seus pés de cabra, na outra300. Chamas flamejantes saem de ambas metades do ovo. É caracterizado por traços humanos e alados (possuindo um par de asas) e em suas costas podemos verificar uma lua crescente e radiante. Atrás de sua cabeça e envolto ao seu corpo, uma cobra esta enrolada; e na altura dos seus ombros e peito temos as figuras de três cabeças: de um leão no centro de seu peito, um carneiro no lado esquerdo e uma cabra no lado oposto.

300 De acordo com a mitologia de nascimento de Chronos-Heracles, ele nascera de uma massa que consistia em dois elementos opostos, matéria e água. Ele é considerado a essencial cosmológica do tempo e criador de todas as coisas. Criando um conjunto “leis” que regiam todas as coisas, Chronos acabara moldando uma nova deidade bissexual, Ananke ou Adrastreia, que juntos forma os responsáveis pelas diversas etapas de desenvolvimento do universo. Chronos e Ananke geraram Aither (úmido), Chaos (infinito) e Erebos (obscuro). Então Chronos criara um grande Ovo branco com Aither, logo após a criação Chronos quebra esse ovo e de suas metades surgem Ouranos (Céu) e Ge (Terra).

Em sua mão direita, segura uma espécie de mastro de luz (ou mesmo um relâmpago), enquanto que na mão esquerda um longo cetro que, de acordo com a mitologia de criação, Phanes “quebra a escuridão e estabelece a “luz pura”. Nos quatro cantos do baixo-relevo temos as figuras de quatros rostos masculinos, sendo dois possuidores de barba. Junto com a figura da deidade contém a seguinte inscrição: “Euphrosy/n[us] et felix/p(ecunia sua) p(osuit)/felix pater”. E juntamente com as duas figuras masculinas da parte inferior traz a inscrição FELIX PATER, trata-se de uma dedicação para o uso votivo em um Mithraeum.

De acordo com os textos antigos, Phanes (Chronos) tinha as cabeças de um leão e de um touro, e entre elas o rosto de um deus. Porém, no baixo relevo de Modena a cabeça do touro fora substituída pela cabeça de um carneiro, e junto foi acrescentada uma outra cabeça de uma cabra. Essa modificação realizada pelo escultor não mantém nenhuma relação com a tradição Órfica. Cummont sustenta a teoria da qual a inserção e prática do mitraismo no império romano era vasta e diversa. Tanto as tradições sagradas e a própria filosofia se modificavam de acordo com o contexto social e político. A insuficiência de escritos que, de fato, poderiam nos revelar algo sobre não nos permite tal coisa.

Agora, o que intriga são os símbolos zodiacais que estão envoltos da figura de Phanes/Chronos. Temos uma esfera onde são representados os dozes signos zodiacais, de Áries até Peixes, os elementos zodiacais criam uma espécie de estrutura que harmoniza e, ao mesmo tempo, contempla o nascimento e os feitos da deidade. Ao fazer parte da criação do mundo, os signos têm uma função clara: estabelecer uma relação com o divino. De fato, e partindo das obras que chegaram até hoje, esse tipo de iconografia era especificadamente para a representação de divindades. Há uma outra peça (Fig. 25a), que também retrata o deus Chronos, datada do século II d.C. que mostra os doze signos distribuídos pelo seu corpo que está envolto de uma serpente que o envolve. Nessa escultura os signos não formam uma estrutura esférica que envolve o corpo, mas estão gravados, representados no corpo que está envolvido pela serpente.

Podemos assumir, com os fatos levantados até aqui que, se baseando nos textos antigos, os elementos astrológicos tinham uma função ritualística. De acordo com Maria Papathanassiou, esses rituais estabeleciam uma relação entre os fundamentos teológicos – mitraismo/orfismo – com os fenômenos astrológicos ou mesmo com os aspectos da esfera celeste. Essas imagens faziam parte de rituais místicos no dia do equinócio vernal, e os signos zodiacais remitiam aos fenômenos celestes e terrestres que marcavam o transcorrer eterno dos anos.

The zodiac is the world and its elliptical shape suggests the cosmogonic Egg, from which the cosmos originated. He is winged as Protogonos (first-born), Eros and Sun. His head radiates as Apollo and Sun. The Lunar crescent behind his shoulders suggests his relations to the Moon. As Chronos and Protogons he has a snake-dragon coiled about his body; he holds a sceptre (= king of the world) as Phanes and Erikepaios, and a shaft of lightning as Zeus. He has goat-feet as Pan (or bull-feet as Dionysos), god the universo. The Four heads on the corners are the four winds symbolizing the four primary elements (fire, air, water ant the earth).

“O zodíaco é o mundo e sua forma elíptica sugere o ovo cosmogônico, do qual o cosmos se originou. Ele é alado como Protogonos (primogênito), Eros e Sun. Sua cabeça irradia como Apolo e Sol. A Lua crescente atrás dos ombros sugere suas relações com a lua. Como Chronos e Protogonos, ele tem um dragão-serpente enrolado em seu corpo; ele segura um cetro (= rei do mundo) como Phanes e Erikepaios, e um raio como Zeus. Ele tem pés de cabra como Pan (ou pés de touro como Dionísio), deus o universo. As quatro cabeças nos cantos são os quatro ventos que simbolizam os quatro elementos primários (fogo, ar, água e terra)”.

Contudo, não há nenhuma interdependência entre as partes do corpo e os signos zodiacais, tanto no baixo relevo de Modena quando na escultura de Arles. O que ratifica a tese onde a função dos elementos zodiacais residia na sua relação com as religiões pagãs de base cosmológicas. Assim, o que difere essas representações antigas do homo signorum, está no ato, segundo Bober, que as primeiras estão subordinadas em retratar as divindades, integrando o seu universo de acordo com sua cosmologia. Já as representações medievais e renascentistas do homem com o zodíaco mostram uma relação interdependente com o universo. Porém, em ambas imagens fica explícito a subordinação perante o cosmos, seja como agente criador ou criatura. Tanto que nas representações a partir do século XII algumas imagens vêm acompanhadas da inscrição microcosmo, ou seja, se evidencia que se trata de uma entidade que reflete, a sua maneira, o cosmos.

As divindades dão lugar ao homem na conexão com os elementos astrológicos. Os componentes divinos, como o cetro, as asas, os raios não são mais representados, e aí reside a distinção. Como são elementos de representações de divindades não caberia representar o homem tal como essas entidades. Por se tratar de um microcosmo, o homem zodiacal geralmente é representado com plantas, flores, vegetais (Fig. 25b), ou seja, elementos que fazem parte do seu mundo, do seu microcosmo.

A maioria das ilustrações médico-astrológicas que representam o homo signorum e suas ramificações são datadas a partir dos séculos XII a XIV. Porém, uma pequena ilustração encontrada nos manuscritos de Paris (Fig. 26a), o ms. Lat. 7028 f. 154r, – ‘Scholium de duodecim zodiaci signis et de ventis’ – preserva o tipo de iconografia apresentado no relevo de Modena, por exemplo. Trata-se da única ilustração conhecida de uma autêntica melothesia tardo-antiga no século XI. Saxl defende a ideia de que se trata de uma cópia de um diagrama tardo antigo que ilustra o culto ao Sol. Este Sol é representado no centro de um círculo e em seu entorno estão dispostos os doze signos do zodíaco, onde cada um corresponde a uma parte do corpo do deus-Sol. Nos quatro cantos da ilustração estão representados os quatro ventos transvestidos das quatro estações do ano (primavera, verão, outono e inverno), onde cada uma carrega as características iconográficas que compõe sua estação.

“O astro governa o mundo como um deus cósmico; a sua órbita e sua influência no céu são determinadas pela natureza do signo zodiacal que passa, e as partes do corpo humano correspondem aos segmentos da sua órbita”. Nas palavras de Saxl, conseguimos estabelecer um elo de ligação com as representações das divindades mitraicas, por exemplo. Ainda a divindade controla o cosmos, porém desta vez os signos cumprem um outro papel: de ordenar e impactar o corpo da divindade, que nada mais é do que um contraponto do que aconteceria com o corpo humano. O artista tinha pleno conhecimento dos trabalhos de Galeno, Celsus ou até mesmo Hipócrates ao confeccionar esta ilustração que tenta amalgamar a figura do deus Sol com Cristo (a posição da mão, as vestimentas, a própria barba).

De fato, essa pequena ilustração demonstra o conflito presente no século XI perante a sobrevivência tardo antiga da astrologia pagã. Esse confronto se dá, sobretudo, na conformação da ordem espiritual do tempo. É o impacto dos símbolos provenientes da antiguidade astrológica em reger o destino humano como motor dessa ordem. Entretanto, não podemos até o momento afirmar que existiu uma expressão pictórica da qual os artistas medievais puderam se basear. Contudo, existe num manuscrito do século XV (Fig. 26b) que fora copiado de outro manuscrito grego, o Parisinus grego 2419, e que por sua vez foi copiado de um modelo sírio. Nele temos a figura de um homem no centro de uma esfera sendo rodeado pelos doze signos zodiacais. Porém, desta vez, os signos emitem uma espécie de raio em direção ao corpo do homem, esses raios remetem a parte da qual o signo é o regente.

Essa ilustração se difere das demais pois mantém determinados elementos de composição até então não vistos em outras ilustrações. Os signos estão separados de acordo com o seu sexo; assim, na direita permanece os signos considerados masculinos dentro da astrologia greco-romana, e na esquerda os signos ditos femininos. Ao lado de cada signo se coloca o indicativo da data solar da qual cada um representa, em grego, e acima de cada signo um texto explicativo sobre qual parte do corpo do humano ele rege. Cumont, em nenhum momento, se atentou ao que poderia representar a figura desse homem que carregava em suas mãos uma clava e um manto, e por um breve tempo essa questão ficaria intacta. Foi Saxl que atentou para os elementos que este homem trazia em suas mãos. O cetro e o manto eram, na verdade e segundo Saxl, a clava e o manto leonino atribuídos a iconografia de Hércules que era venerado como entidade cósmica, tendo seu paralelo e correspondente persa Mitra.

Saxl chegou nessa conclusão cruzando as informações contidas nas Dionisiacas de Nonno com as representações de Hércules como deus cósmico. E conclui que talvez não se possa afirmar que esta ilustração se trata de um homem zodiacal (homo signorum), mas de outro lado, já continha o imaginário tardo antigo do Primeiro Homem (homem microcosmo). Assim, a imagem de Hércules como deus cósmico sendo atingido pelos signos zodiacais seria uma espécie de representação intermediária no que concerne a criação da figura iconográfica do homem zodiacal.

Da divindade que cria os elementos astrológicos para que estes retratem os fenômenos cósmicos da criação divina ao homem elevado a potência de um deus cósmico tendo os signos zodiacais como entidades que regem e impactam as diversas partes de seu corpo. Isso demonstra as etapas que possibilitaram o surgimento da iconografia do homo signorum. Os signos passam a determinar o corpo humano e é a partir dessa constatação – junto com o desenvolvimento das práticas medico-astrológicas – que as representações surgem.

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