A Magia Celeste em Henrique Cornélio Agrippa

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Capítulo XXII

Das tabelas dos planetas, suas virtudes e suas formas, e quais nomes divinos, inteligências e espíritos são a eles associados.

Afirmam os magos que existem determinadas tabelas de números, distribuídas entre os planetas, chamadas de tabelas sagradas dos planetas, sendo dotadas de muitas e grandiosas virtudes dos céus. Elas representam aquela ordem divina de números celestiais, impingidos sobre os celestiais pelas Ideias da Mente Divina, por meio da Alma do Mundo e pela doce harmonia desses raios celestiais, indicando, de acordo com as proporções das efígies, inteligências superficiais que não poderiam ser expressas de nenhuma outra maneira senão pelas marcas dos números e dos caracteres.

Pois os números materiais e as figuras nada podem fazer nos mistérios das coisas ocultas, exceto por meio da representação de números formais e figuras, sendo governados e informados por inteligências e numerações divinas, as quais unem os extremos da matéria; e o espírito se curva à vontade da alma elevada, recebendo, por grande afetação e por meio do poder celestial do operador, um poder oriundo de Deus, aplicado por intermédio da Alma do Universo e de observações de constelações celestes a uma matéria apropriada para uma forma passível de uso pela habilidade do operador e pela destreza do mago. Mas apressemo-nos agora a explicar as diversas tabelas.

Kamea di Saturno: primeira delas é atribuída a Saturno e consiste em um quadrado de um 3 contendo os números particulares de 9, em toda linha 3, em todo sentido e através de cada diâmetro, compondo 15. Ora, a soma total de números é 45. Daí se formam nomes divinos que correspondem a números com uma inteligência para o que é bom, com um espírito para o que é mau,3 e desses mesmos números se extrai o selo, ou caractere de Saturno, e de seus espíritos, como mostraremos a seguir na tabela. Dizem que, se essa tabela estiver gravada com Saturno favorável4 em uma placa de chumbo, isso ajuda no trabalho de parto e traz segurança e poder a um homem, além de promover o sucesso de seus pedidos feitos a príncipes e potentados; se feita, porém, com Saturno desfavorável, impede construções, plantio e outras coisas do gênero, e demove o homem de suas honrarias e dignidades, além de causar discórdia e brigas e desordenar um exército.

3. Agrippa usa o termo inteligência para indicar um ser sobrenatural bom e espírito para um ser sobrenatural malévolo.
4. No momento em que Saturno ocupa uma posição astrológica favorável no firmamento, tendo, portanto, influência benigna.

Kamea di Giove: A segunda é chamada tabela de Júpiter, que consiste em 4 multiplicado por si, contendo 16 números particulares, e em toda linha e diâmetro 4, compondo 34. Ora, a soma de todos é 136. E dele advêm nomes divinos com uma inteligência para o bem, um espírito para o mal, daí se extraindo o caractere de Júpiter e seus espíritos. Dizem que, se essa tabela for impressa em uma placa de prata com Júpiter em poder e regendo, ela conduz a ganhos e riquezas, privilégios e amor, paz e concórdia, além de aplacar inimigos, confirmar honrarias, dignidades e conselhos; ela dissolve encantamentos, se for gravada em coral.

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Kamea di Marte: A terceira tabela pertence a Marte e é feita de um quadrado de 5, contendo 25 números, e destes em todo lado e diâmetro 5, o que resulta em 65, sendo a soma total 325. Dela advêm nomes divinos com uma inteligência para o bem, um espírito para o mal, e se extrai o caractere de Marte e seus espíritos. Estes, com Marte favorável, gravados sobre uma placa de ferro ou espada, tornam um homem poderoso na guerra, nos julgamentos e em suas petições, além de ser terrível contra os inimigos, sendo vitorioso sobre eles; a tabela gravada em cornalina6 faz estancar o sangue e o mênstruo; mas, se for gravada em uma placa de bronze vermelho, impede as construções, derruba os poderosos de suas dignidades, honrarias e riquezas e causa discórdia, querelas e ódio entre os homens e os animais, espanta abelhas, pombos e peixes e paralisa moinhos; também traz má sorte a quem for caçar ou lutar, além de causar infertilidade em homens e mulheres, e outros animais; infunde terror em todos os inimigos e os impele a se render.

6. Pedra preferida de Plínio para anéis de selo, que supostamente gera concórdia, acalma os ânimos irritados, afasta pensamentos malignos e torna inofensivos os ataques de bruxaria e de mau-olhado. A descrição usada aqui pertence ao coral, que, segundo Gerard: Essa pedra (coral) é um excelente remédio para secar, estancar e resolver todos os problemas relacionados a sangue, em homens e mulheres. Sendo o coral a pedra de Marte, por causa de sua cor vermelha e poder sobre o sangue, com certeza um erro foi cometido por Agrippa ou um de seus copistas, e a cornalina deveria ser colocada com Júpiter, enquanto o coral deveria aparecer com Marte.

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Kamea del Sole: A quarta tabela é do Sol e é feita de um quadrado de 6, contendo 36 números, dos quais 6 em todos os lados e no diâmetro produzem 111, e a soma total é 666. Dela advém nomes divinos com uma inteligência para o bem e espírito para o mal, e se extraem os caracteres do Sol e de seus espíritos. Gravada sobre uma placa de ouro com o Sol favorável, ela torna seu portador um homem reconhecido, amável, aceitável, poderoso, em todas as suas obras, e equipara-o aos reis e príncipes, elevando-o a grandes fortunas, permitindo-lhe fazer o que quiser. Mas, com o Sol desfavorável, ela faz de seu portador um tirano, um homem orgulhoso, ambicioso, insaciável, que terá um fim triste.

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Kamea di Venere: A quinta tabela é de Vênus, consistindo em um quadrado de 7 multiplicado por si, ou seja, de 49 números, dos quais 7 de cada lado e diâmetro compõem 175, e a soma total é 1.225. Dela advêm nomes divinos com uma inteligência para o bem e espírito para o mal, e se extrai o caractere de Vênus e de seus espíritos. Essa tabela gravada em uma placa de prata, com Vênus favorável, gera concórdia, acaba com as brigas, atrai o amor das mulheres, conduz à concepção, é boa contra infertilidade, promove habilidade para gestação, dissolve encantamentos e paz entre os homens e entre as mulheres, além de tornar todas as espécies de animais e de gado férteis; se colocado em um pombal, causa um aumento de pombas. Ela conduz à cura de todos os temperamentos melancólicos e gera alegria; carregada por viajantes, traz-lhes boa sorte. Mas, se for formada em bronze com Vênus desfavorável, ela causa as coisas opostas a tudo o que foi citado.

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Kamea di Mercurio: A sexta tabela é de Mercúrio, resultando do quadrado de 8 multiplicado por si, contendo 64 números, dos quais 8 em todo lado e ambos os diâmetros compõem 260, com a soma total de 2.080. Dela advêm nomes divinos com uma inteligência para o bem e espírito para o mal, e se extrai os caracteres de Mercúrio e de seus espíritos. Com Mercúrio favorável, se gravada em prata ou estanho ou bronze amarelo ou se escrita em pergaminho virgem,7 ela torna o portador grato e afortunado para fazer o que quiser; produz ganhos e impede a pobreza, conduz à memória, à compreensão e à adivinhação, bem como ao entendimento de coisas ocultas por meio de sonhos; e com Mercúrio desfavorável, provoca o contrário de tudo isso.

7. É necessário pergaminho genuinamente virgem para muitas operações mágicas, e ele deve ser devidamente preparado e consagrado. Há dois tipos: um chamado virgem e outro, inato. O pergaminho virgem é aquele tirado de um animal que não atingiu a idade de gestação, seja carneiro, cabrito ou outro. O pergaminho inato refere-se a um animal tirado prematuramente do útero da mãe (The Greater Key of Solomon 2.17, traduzido para o inglês por S.L. MacGregor Mathers  Chicago: De Laurence Company, 1914 ([1889)], 114).

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A sétima tabela é da Lua, de um quadrado de 9 multiplicado por si, tendo 81 números, em todo lado e diâmetro 9, produzindo 369, com a soma total de 3.321. Dela advêm nomes divinos com uma inteligência para o bem e espírito para o mal, e se extraem os caracteres da Lua e de seus espíritos. A Lua favorável gravada em prata torna o portador grato, amável, agradável, alegre, honroso e remove toda maldade e má vontade. Traz segurança nas viagens, aumento das riquezas e saúde do corpo; afasta os inimigos e outras coisas malignas do lugar que se quiser; a Lua desfavorável, porém, gravada em placa de chumbo e enterrada, fará de tal lugar um local desafortunado, bem como seus habitantes, e também barcos, rios, fontes e moinhos que se encontrarem nas proximidades. Propositalmente feita contra alguém, este sofrerá má sorte, sendo obrigado a abandonar sua terra, sua morada, se a placa nela estiver enterrada. Ela atrapalha os médicos e oradores, e qualquer homem em seu ofício, se contra ele, ela for preparada.

Agora, quanto aos selos e caracteres dos astros e dos espíritos extraídos desses selos, o sábio explorador e aquele que souber discernir essas tabelas as compreenderá com facilidade.

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Capítulo XXIII

Das figuras e corpos geométricos, por qual virtude eles são poderosos na magia e quais combinam com cada elemento e o céu.

As figuras geométricas formadas a partir de números também são igualmente poderosas. Destas, a primeira é o círculo, que responde à unidade e ao número 10; pois a unidade é o centro e a circunferência de todas as coisas; e o número 10, somado sobre si, retorna à unidade de onde se originou, sendo o fim e o complemento de todos os números. Um círculo é chamado de uma linha infinita na qual não há terminus a quo nem terminus ad quem,1 cujo começo e fim estão em todos os pontos, de onde também um movimento circular é chamado de infinito não de acordo com o termo, mas com o lugar; portanto, sendo o círculo a maior2 e mais perfeita de todas as figuras geométricas, é considerado o mais apropriado para amarrações e conjurações; e, pelo mesmo motivo, aqueles que adjuram espíritos malignos costumam se cercar com um círculo.3

1. Termus a quo é um termo escolástico latino que significa – “termo do qual”, portanto, o ponto de partida; terminus ad quem significa – “termo ao qual’, ou seja, o ponto final.
2. Um círculo de uma determinada circunferência compreende uma área maior que qualquer outra figura plana com o mesmo perímetro.
3. Em evocação ritual, na qual os espíritos malignos ou perigosos são chamados ao mundo, o mago coloca-se dentro de um círculo protetor. Isso funciona como uma barreira mágica e impede a entrada do espírito ou de sua influência.

Também um pentagrama, pela virtude do número 5, tem um grande poder sobre os espíritos do mal, graças à sua linearidade, que lhe dá cinco ângulos obtusos, cinco ângulos agudos e cinco triângulos duplos pelos quais é cercado. O pentagrama interior contém em si grandes mistérios, o que também deve ser investigado e compreendido nas outras figuras: triângulo, quadrângulo, sexângulo, septângulo, octângulo e as demais, das quais muitas, sendo feitas de diversas divisões, obtêm variados significados e virtudes, de acordo com as mais diversas maneiras de desenhar, com as proporções de linhas e números.

Triângulos – Todos os triângulos tem medida de 180º, porque se juntar todos os ângulos que existem ali, quando for somar vai ter medida de 180º ou meia volta, cada um desses ângulos mede 60º, mesmo que sejam de graus diferentes vai dar 180º. Classificamos os triângulos com relação às medidas de seus ângulos internos. Em relação às medidas dos lados, um triângulo é classificado como Equilátero quando os três lados tem a mesma medida, Isóceles quando apenas dois lados são congruentes, Escaleno quando os três lados têm medidas diferentes, Octângulo quando os três ângulos internos são agudos, Retângulo quando um dos ângulos internos é reto e Obtusângulo quando um dos ângulos interno é obtuso.  Existe uma coisa chamada mediana, podemos ver se um triângulo tem uma mediana quando tem um segmento que une um vértice ao ponto médio do lado oposto.

Os egípcios e árabes confirmaram que a figura da cruz tem de fato grande poder, e que ela é o mais firme receptáculo de todos os poderes e inteligências celestiais, pois é a figura mais exata de todas, contendo quatro ângulos retos, e é a primeira descrição das superfícies, possuindo longitude e latitude: e dizem que ela é inspirada com a fortitude dos celestiais, pois tal fortitude resulta da retidão de ângulos e raios: e os astros são, portanto, mais potentes quando possuem quatro cantos na figura do céu e formam uma cruz pela projeção mútua de seus raios. Além disso, ela tem grande correspondência com os números 5, 7, 9, poderosíssimos. A cruz também era considerada pelos sacerdotes egípcios, desde o começo da religião, entre as letras sagradas, significando aleatoriamente a vida da salvação futura. Foi impressa na imagem de Serapis, e era figura de grande veneração entre os gregos. Mas o pertencente à religião nós discutiremos em outro momento.

É preciso observar que, quaisquer que sejam as maravilhas que as figuras realizam, quando as traçamos em papel, placas ou imagens, elas só o fazem graças à virtude adquirida de figuras mais sublimes, sendo por essas afetadas por aptidão natural ou por semelhança, uma vez que são configuradas à sua maneira exata, assim como o eco é a reprodução exata em uma parede oposta, ou, como a reprodução em um vidro oco,11 dos raios solares refletidos sobre um corpo oposto de madeira ou outro material combustível que o faz queimar; ou como uma harpa que causa ressonância em outra harpa, fenômeno tão comente possível pela figura igual e apropriada, pois quando duas cordas são tocadas em uma, com igual intervalo de tempo e moduladas à mesma intenção, a outra também se agita. O mesmo se passa com as figuras de que falamos e quaisquer caracteres que digam respeito às virtudes das figuras celestiais devidamente impressas sobre coisas, governando segundo a afinidade e expressando umas às outras. E, ainda a respeito das figuras, o mesmo deve ser compreendido acerca dos corpos geométricos: esfera, tetraedro, hexaedro, octaedro, icosaedro, dodecaedro e outros do gênero.

11. Isto é, um espelho côncavo. Esse método de fazer fogo era usado pelas virgens Vestais no ritual de manter acesas as chamas de Vesta, uma vez que o fogo obtido diretamente do Sol era considerado mais primordial, e, portanto, mais sagrado do que o fogo gerado por meio dos modos comuns. Sobre o fogo perpétuo de Vesta, escreve Plutarco:

… era considerado ato ímpio acendê-lo a partir de centelhas ou chamas comuns ou de qualquer outra maneira além dos raios puros e impolutos do Sol, o que se conseguia com o auxílio de espelhos côncavos, de uma figura formada pela revolução de um triângulo retângulo isósceles, com todas as linhas da circunferência se encontrando no centro, expondo-a à luz do Sol para coletar e concentrar todos os seus raios nesse ponto de convergência; onde o ar se tornará, então, rarefeito, e qualquer matéria leve, seca, combustível se acenderá sob o efeito dos raios, que adquirem aqui a substância e a força ativa do fogo

Plutarco

Tampouco devemos ignorar as figuras que Pitágoras e seus seguidores Timeu, Locrus e Platão atribuíam aos elementos e aos céus: pois, em primeiro lugar, atribuíam à Terra um quadrado de quatro e um quadrado de oito ângulos sólidos, de 24 planos e seis bases na forma de um dado; ao Fogo, uma pirâmide de quatro bases triangulares e o mesmo número de ângulos sólidos, de 12 planos; ao Ar, o octaedro, de oito bases triangulares e seis ângulos sólidos, de 24 planos; e, por fim, à Água eles atribuíam o icosaedro, com 20 bases, 12 ângulos sólidos; ao Céu eles atribuíam o dodecaedro, de 12 bases, com cinco cantos e 20 ângulos sólidos e 70 planos.

Aquele que conhecer os poderes, as relações e as propriedades dessas figuras e corpos será capaz de realizar muitas coisas extraordinárias em magia natural e matemática, especialmente em vidros. E eu sei como fazer, por meio disso, coisas maravilhosas, nas quais qualquer pessoa pode ver o que quiser e a uma grande distância.

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Capítulo XXVI

A respeito da concordância entre eles e os corpos celestes, e qual a harmonia e som correspondentes a cada estrela.

A respeito da concordância entre eles e os corpos celestes, e qual a harmonia e som correspondentes a cada estrela.

Mas compreenda agora que, dos sete planetas, Saturno, Marte e a Lua têm mais da voz que da harmonia. Saturno tem palavras tristes, roucas, pesadas e vagarosas e sons como se fossem pressionados contra o centro; mas Marte possui palavras ásperas, agudas, ameaçadoras, grandiosas e furiosas; a Lua, por sua vez, consiste em um meio entre os dois.

Mas Júpiter, o Sol, Vênus e Mercúrio possuem harmonias. Júpiter tem consortes graves, constantes, fixos, doces, alegres e agradáveis; o Sol, veneráveis, assentados, puros e doces, com uma certa graça; Vênus, lascivos, luxuriosos, delicados, voluptuosos, dissolutos e fluentes; Mercúrio tem harmonias mais lenientes e variadas, alegres e agradáveis, com uma certa audácia, mas o tom de consortes particulares e proporcionados obedece às nove Musas. Júpiter tem a graça da oitava e também da quinta,1 ou seja, o diapasão2 com o diapente.3 O Sol obtém a melodia da voz oitava, o diapasão; de modo igual por 15 tons, um disdiapasão;4 Vênus conserva a graça da quinta; Mercúrio tem diatessaron;5 a graça da quarta.6

1. Quinta.
2. Oitava.
3. Quinta.
4. Dupla oitava ou décima quinta.
5. Quarta.
6. Quarta.

Além disso, os antigos, satisfeitos com quatro cordas,7  bem como com o número de elementos, atribuíam a Mercúrio a autoria destes, como relata Nicômaco, e, por meio de suas cordas de bronze, representavam a Terra; com os perípatos,8 o meio, ou a Água; com a nota diezeugmenon, ou hipérbole,9 o Fogo; com a paranate10 ou synemmenon, ou tripla, o Ar; mas quando Terpander, o lésbio, descobriu a sétima corda, equiparou-as todas ao número de planetas.

7. A citara original possuía quatro cordas. Terpander aumentou esse número para sete e Timotheus, para 11.
8. Perípato, a nota mais baixa, mas em um dos dois tetracórdios inferiores; o som da corda seguida à corda do baixo.
9. Na música grega, as hipérboles eram os tons mais altos da escala; a corda mais alta na citara de quatro cordas.
10. Grego: “vizinho da nete”, sendo a nete a corda mais alta; portanto, a segundo corda mais alta.

Ainda, aqueles que seguiam o número dos elementos afirmavam que os quatro tipos de música combinavam, bem como os quatro humores, e acreditavam que a música dórica era consoante com a Água e o fleuma; a música frígia, à cólera e ao Fogo; a lídia, ao sangue e ao Ar; a meio-lídia, à melancolia e à Terra; quanto ao número e à virtude dos céus, outros atribuíam a música dórica ao Sol; a frígia, a Marte; a lídia, a Júpiter; a meio-lídia, a Saturno; a hipofrígia, a Mercúrio; a hipomeio-lídia, às estrelas fixas.11 

11. Os antigos gregos usavam seis modos, que são escalas musicais de diferentes diapasões, correspondendo mais ou menos a notas modernas. Eram eles: dórico, frígio, lídio, misto-lídio, iônico e eólio. Os filósofos atribuíam a essas escalas valores morais. Por exemplo, os “modos suaves e convivais” são “alguns iônicos e também lídios, que são chamados de frouxos”. Os “modos parecidos com cânticos”, que são os “lídios mistos [mixo-lídios]”, são “inúteis até para as mulheres, que devem dar o melhor de si, e menos ainda para os homens”. Por outro lado, os “dóricos e frígios” são aqueles que “imitariam muito bem a voz e a entonação de um bravo homem engajado em guerra ou qualquer outra atividade de força” e “para o homem engajado em obras de paz, não impostas, mas voluntariamente”. (Platão, A República). Sair desses modos estabelecidos não era algo visto com bons olhos, por parecer uma entrega anti-intelectual ao apetite das massas por prazer. Os nomes dos modos gregos eram preservados no sistema da música de igreja, conhecido como música simples, ou canto simples (cantos gregorianos), estabelecido no século VI por Gregório, o Grande, embora estes divergissem completamente dos modos gregos. Outros foram adicionados, totalizando 14, dos quais dois – o 11º e 12º – nunca são usados por não serem práticos.

Modos autênticos modos plagais

Além disso, associam-se esses modos de música às Musas e as cordas, aos céus, mas não nessa ordem, como declaramos acerca das nove Musas, entre nossos números e almas celestiais; pois dizem que Tália não tem harmonia, e atribuem-na ao silêncio e à Terra; mas Clio com a Lua se move segundo o modo hipodórico, a corda proslambanomenos,12  ou Ar. Calíope e Mercúrio possuem o modo hipofrígio e o acorde hypate-hypaton, ou B(si)-Mi. Terpsícore com Vênus se move segundo o modo hipolídio, e parahypote, hypaton; e para Melpomene e segundo o modo dórico com licanos, hypaton, ou D(ré)Sol-Ré são aplicados ao Sol. Erato com Marte mantém a maneira frígia, e hypátemise, ou E-La-Mi. Euterpe, e a música lídia, e pachyparemeson combina com Júpiter, Polímia e Saturno mantêm o modo meio-lídio, e lichanos meson D(ré)-Sol-Ré. São atribuídos a Urânia e às estrelas fixas a músico hipolídia e A-La-Mi-Ré,13 como vemos nestes versos:

A silenciosa Tália à Terra comparamos,
Pois pela música ela ninguém aprisiona;
Perséfone, do mesmo modo, toca as cordas do baixo;
Calíope também o segundo acorde toca,
E usando a música frígia, o mesmo faz Mercúrio.
Terpsícore toca o terceiro e, embora rara,
A música da Lídia faz Vênus ainda mais bela,
Melpômene e Titã, com grande graça
Da música dórica, o quarto acorde produzem.
O quinto, por sua vez, é atribuído a Marte, Deus da guerra, e a Erato,
segundo o raro estilo Dos frígios, Euterpe também ama
A sexta corda, que é da Lídia; assim como Júpiter.
Saturno usa o sétimo acorde com Polímnia, E cria a melodia mistolídia.
O oitavo acorde é Urânia quem cria,
E a música hipolídia eleva.

 12. A escala grega consistia em duas oitavas feitas de quatro tetracórdios (derivados da citara de quatro cordas). O primeiro e o segundo tetracórdios partilhavam de uma mesma corda, bem como o segundo e o quarto, resultando em 14 sons. Para completar a dupla oitava, uma 15ª corda, chamada de proslambanomenos, era acrescentada ao fim da escala, um tom abaixo do ultimo hypate:

cordas tetracórdio

planeta musa corda

 .13

As cordas descritas são aquelas na tabela da nota anterior, a partir de baixo, compreendendo os dois tetracórdios inferiores, os hypates e meses. Sete sílabas, chamadas solfejos, designam as sete notas da escala: ut (ou dó), ré, mi, fá, Sol, lá e si. Elas derivam de um antigo hino monástico a João Batista, no qual a primeira sílaba de cada linha era cantada um grau mais alto que a primeira sílaba da linha precedente. A primeira pessoa a usar essas sílabas foi Guido de Arezzo, no século XI.

 De mais a mais, alguns descobrem a harmonia dos céus por sua distância entre um e outro. Pois esse espaço que existe entre a Terra e a Lua, 126 mil milhas italianas,14 faz o intervalo de um tom; mas a distância da Lua a Mercúrio, sendo metade desse espaço, gera meio-tom; e a mesma entre Mercúrio e Vênus outro meio-tom; mas de lá até o Sol se produz um tom triplo e meio, criando um diapene; mas da Lua ao Sol há um diatessaron duplo e meio; novamente do Sol a Marte há o mesmo espaço que da Terra à Lua, criando um tom; de lá a Júpiter, a metade produz meio-tom; o mesmo de Júpiter a Saturno, constituindo meio-tom; e de lá aos firmamentos estrelados também é o espaço de um meio-tom.15

14. Uma milha italiana era quase igual a uma milha romana, sendo a italiana 1/100 mais longa. A milha romana equivalia a 0,9193 de uma milha inglesa. Portanto, 126 mil milhas italianas seriam aproximadamente 116 mil milhas inglesas. Isso nem chega perto da distância verdadeira entre a Terra e a Lua, que é por volta de 240 mil milhas.
15. Esse mesmo arranjo é citado neste verso de Alexandre de Etólia:

A Terra no centro dá o som baixo do hypate;
a esfera estrelada dá a nete conjunta;
o Sol, localizado no meio das estrelas errantes, dá a mese;
a esfera de cristal dá a quarta, em relação a tal;
Saturno é mais baixo, por um meio-tom;
Júpiter diverge de Saturno tanto quanto de Marte;
o Sol, gozo dos mortais, é um tom abaixo;
Vênus difere do ofuscante Sol por um tom triplo;
Hermes continua, com um meio-tom mais baixo que Vênus;
e então vem a Lua, que traz à natureza tonalidade tão variada;
e, por fim, a terra no centro dá a quinta, em relação ao Sol…

Pitágoras, empregando os termos usados em música, às vezes chama a distância entre a Terra e a Lua de tom; de lá até Mercúrio ele considera metade desse espaço, e mais ou menos igual entre Mercúrio e Vênus; do Sol a Marte é um tom, sendo o mesmo da Terra à Lua; de lá a Júpiter, meio-tom; de Júpiter a Saturno também meio-tom, e de lá um tom e meio até o zodíaco. Assim, há sete tons, que ele chama de harmonia em diapasão, referindo-se a todo o compasso das notas. Diz-se, portanto, que Saturno se move no tempo dórico, Júpiter no frígio, e assim por diante com os demais; mas tal arranjo é mais divertido que útil.

Por “tom triplo”, Agrippa se refere a três Semitons. Codificado, o arranjo é o seguinte:

zodíaco

Há, portanto, do Sol até as estrelas fixas, a distância de um diatessaron de dois tons e meio, mas da Terra há um diapasão perfeito de seis tons perfeitos; além disso, também da proporção dos movimentos dos planetas entre si, e com a oitava esfera, resulta a mais doce de todas as harmonias; pois a proporção dos movimentos de Saturno para os de Júpiter é duas vezes e meia; de Júpiter para Marte, seis vezes; de Marte para o Sol, Vênus e Mercúrio, que de certa forma completam seu curso ao mesmo tempo, é uma proporção dupla; seus movimentos em relação à Lua têm uma proporção de 12 vezes. Mas a proporção de Saturno para a esfera estrelada é de 1.200, se o que Ptolomeu diz é verdade, ou seja, que o céu se move ao contrário do primum móbile, em cem anos, um grau.16

16. O fenômeno referido aqui é a precessão dos equinócios. Como o eixo da Terra oscila, os pontos equinociais – localização do Sol quando dia e noite são iguais – se movem lentamente em volta da eclíptica de leste a oeste; ou seja, contrário à ordem usual dos signos do zodíaco. A revolução completa dos equinócios leva cerca de 25 mil anos. É o que se chama de Ano Platônico. A travessia de cada signo leva 2.120 anos, um Mês Platônico. Uma vez que cada signo tem 30 graus, o período verdadeiro da passagem por cada grau é de cerca de 71 anos.

Portanto, o movimento devido17 da Lua, sendo mais rápido, produz um som mais agudo no firmamento estrelado, que é o mais lento de todos, causando assim o som mais básico; mas pelo movimento violento18 do primum móbile, torna-se o som mais rápido e agudo de todos. O movimento violento da Lua, porém, é lento e pesado, e sua proporção e reciprocidade de movimentos geram uma harmonia muito agradável; não há canções, sons e instrumentos musicais mais poderosos para afetar as emoções de um homem, ou nele introduzir impressões mágicas, que aqueles que são compostos de números, medidas e proporções, de acordo com o exemplo dos céus.

17. O movimento devido é o movimento verdadeiro de um planeta, oposto ao seu movimento aparente, observado a partir da Terra. Os astrônomos antigos baseavam suas opiniões na teoria das esferas de cristal sólido inseridas uma na outra, com a Terra no centro. Posteriormente, foram elaboradas esferas menores circulando as maiores. Por conseguinte, surgiu confusão quanto ao que era o verdadeiro movimento de um planeta e seu movimento aparente. O movimento planetário era dividido em: (1) Movimento para a frente – o movimento aparente de um planeta através do zodíaco de leste a oeste; (2) Movimento contrário – o movimento aparente de um planeta através do zodíaco de oeste a leste. Platão considera este o movimento devido, ou verdadeiro; mas Adrasto o considerava um movimento aparente; (3) Estacionário – a aparente falta de movimento de um planeta; (4) Retrógrado – a aparente volta de um planeta a partir de seu ponto estacionário em direção oposta ao seu movimento anterior, um retrocesso.
18. O movimento rápido, ou violento, das estrelas resulta da rotação da Terra sobre seu eixo. As estrelas completam a aparente revolução em torno da Terra em aproximadamente 23 horas e 56 minutos – um dia sideral ou estelar. Os planetas seguem esse movimento violento das estrelas, mas a cada noite ficam um pouco para trás, até completarem um círculo contra o fundo estelar. A Lua é a que mais se atrasa, completando seu circuito em apenas 27 dias, o que significa que deve cair para trás das estrelas aproximadamente 13 graus a cada noite.

Também a harmonia dos elementos é oriunda de suas bases e ângulos,19 dos quais já falamos; pois entre Fogo e Ar há uma dupla proporção nas bases, e uma proporção e meia em ângulos sólidos, e em planos, outra dupla; daí surge, portanto, uma harmonia de um duplo diapasão e um diapente. Entre Ar e Água, a proporção nas bases é tripla e mais uma terça parte; daí surgem diapasão-diapente, diatessaron; mas, nos ângulos, uma proporção e meia,20 novamente constituindo diapente. Para concluir, entre Terra e Fogo, nas bases a proporção é de uma e meia, criando diapente; mas, nos ângulos, dupla, gerando diapasão; entre Fogo e Água, Ar e Terra, há pouquíssima consonância, porque há uma contrariedade perfeita em suas qualidades, mas são unidos pelo elemento intermediário.21

elementos sólidos bases

19.

consonâncias proporções

20. Na verdade, duas vezes e meia.
21. O Ar está entre o Fogo e a Água; a Água está entre o Ar e a Terra.

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Capítulo XXVII

Da proporção, medida e harmonia do corpo do homem.

Uma vez que o homem é a mais bela e perfeita obra de Deus, feito a sua imagem e semelhança, o mundo inferior contém e mantém em si, por meio da mais perfeita composição e doce harmonia, a mais sublime dignidade de todos os números, medidas, pesos, movimentos, elementos e todas as outras coisas que são de sua composição; e nele, como que no ofício supremo, todas as coisas obtêm uma determinada alta condição, além da consonância ordinária que elas têm em outros compostos.

Assim, todos os antigos em tempos imemoriais enumeravam com os dedos, e com eles mostravam todos os números; e parecem provar que por meio das juntas do corpo de um homem todos os números, medidas, proporções e harmonias foram inventados; portanto, de acordo com essa medida do corpo, os antigos estruturavam e erguiam seus templos, palácios, casas, teatros; também seus barcos engenhos e toda espécie de artifício, e toda parte e membro de seus edifícios e construções, tais como Colunas, capitéis de pilares, bases, contrafortes, pés de pilares e coisas do tipo.

Além disso, o próprio Deus ensinou Noé a construir a arca de acordo com a medida do corpo, e ele fez todo o tecido do mundo proporcional ao corpo do homem, daí a ser chamado de o grande mundo, enquanto o corpo do mundo é menor; portanto, alguns que já escreveram sobre o microcosmo, ou o homem, medem o corpo por seis pés, um pé por dez graus, cada grau por cinco minutos, resultando, assim, em número de 60 graus, que compõem 300 minutos, aos quais são comparados, em mesma quantidade, cúbitos geométricos, por meio dos quais Moisés descreve a arca. Pois, assim como o corpo do homem tem 300 cúbitos de comprimento, 50 de largura e 30 de altura, também o comprimento da arca é 300 cúbitos, com 50 de largura e 30 de altura, sendo a proporção do comprimento para a largura um sêxtuplo, para a altura um décuplo, e a proporção da largura para a altura cerca de dois terços.

Do mesmo modo, as medidas de todos os membros são proporcionadas e consoantes tanto com as partes do mundo quanto com as medidas do Arquétipo, e nessa concórdia não há um único membro no homem que não tenha correspondência com algum signo, astro, inteligência, nome divino, às vezes em Deus, o próprio Arquétipo.

Mas toda a medida do corpo pode ser virada e, procedendo da redondeza, tende para ela novamente:4

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 4. Na primeira ilustração, a pedra cúbica indica a Terra, assim como o próprio grande círculo. Sobre a barriga da figura se encontra uma ferramenta do construtor medieval para encontrar o prumo – um símbolo do pedreiro. Os pentagramas em volta das mãos estão apontando para baixo, o que no ocultismo do século XIX é um símbolo de satanismo; entretanto, Agrippa não teria feita essa distinção entre o pentagrama voltado para cima e o invertido. A cruz por meio do grande círculo sugere os pontos cardeais. O círculo pequeno acima da cabeça pode representar o Sol.

Também a medida quatro ao quadrado é o corpo mais proporcionado; pois, se um homem ficar ereto, com os pés juntos e os braços estendidos para os lados, ele formará uma quadratura equilateral, cujo centro está na parte inferior da barriga.5

Talismans, Cabalistiques, Magiques, grands secretes des Planettes 1

5. Na segunda ilustração, o centro da figura é a virilha. A cruz sobre o umbigo marca o outro centro usado na ilustração anterior. Na borda, encontra-se a serpente e o cajado nodoso de Esculápio, deus dos médicos, e acima da figura, o olho de Deus.

Mas, se no mesmo centro for feito um círculo a partir da coroa da cabeça, com os braços caindo, até as pontas dos dedos tocarem a circunferência desse círculo e os pés ficarem virados para fora na mesma circunferência, na mesma distância entre as pontas dos dedos e o topo da cabeça, divida o círculo, que foi desenhado, tendo ao centro a parte inferior da barriga em cinco partes iguais, constituindo assim um perfeito pentágono; e com os calcanhares em referência ao umbigo, faça um triângulo de lados iguais.6

Talismans, Cabalistiques, Magiques, grands secretes des Planettes 2

 6. Na terceira ilustração, a Lua se encontra acima do centro inferior da virilha e o Sol, acima do centro superior do plexo solar. Os cinco planetas estão dispostos em torno do perímetro na ordem de sua rapidez, de um movimento aparentemente horário: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno.

Se, porém, os calcanhares não se moverem e os pés se estenderem para os dois lados, direito e esquerdo, e as mãos se erguerem até a linha da cabeça, então as extremidades dos dedos e artelhos farão um quadrado de lados iguais, cujo centro está no umbigo, na cintura do corpo.7

7. Na quarta ilustração, os símbolos em torno da borda são os signos do zodíaco, começando por Áries e seguindo em sentido anti-horário.

Se as mãos, porém, forem assim elevadas e os pés e as coxas estendidas, deixando o homem aparentemente mais curto pela décima quarta parte de sua estatura ereta, então a distância de seus pés em referência à parte inferior da barriga formará um triângulo equilátero; e o centro, localizando-se no umbigo e formando um círculo, tocará as extremidades dos dedos e dos artelhos.8

8. Na quinta ilustração, os planetas mais masculinos – Sol, Júpiter, Marte – espalham-se ao longo do eixo do corpo; os planetas totalmente femininos – Lua, Vênus – encontram-se acima das mãos e aqueles ligeiramente femininos – Mercúrio, Saturno -, sobre os pés.

Mas, se as mãos forem elevadas à máxima altura possível, acima da cabeça, o cotovelo estará à altura da coroa; e se os pés estiverem juntos, um homem de pé em tal posição pode ser inserido em um quadrado equilátero formado pelas extremidades das mãos e dos pés: o verdadeiro centro desse quadrado é o umbigo, que é o meio entre o topo da cabeça e os joelhos.

Prossigamos agora para as medidas específicas. O compasso de um homem sob as axilas contém o meio de seu comprimento, cujo meio é a parte mais baixa do peito: e de lá para cima, até o meio do peito, entre as duas mamas, do meio do peito até a coroa da cabeça, a cada lado a quarta parte; também da parte inferior do peito até a mais baixa dos joelhos, e de lá até a parte mais baixa dos tornozelos, a quarta parte de um homem. Também é a mesma latitude das omoplatas de um extremo ao outro: é igual também o comprimento do cotovelo até o fim do dedo mais longo, o que se chama de cúbito. Portanto, quatro cúbitos formam o comprimento do homem, e um cúbito forma a largura entre as omoplatas, mas a largura no compasso é de um pé; agora, seis larguras de uma mão formam um cúbito, peito até o topo da testa e a raiz inferior dos cabelos é a sétima parte do comprimento; de um corpo forte e bem proporcionado, um pé é a sexta parte do comprimento, mas de um corpo alto é a sétima. Tampouco a altura do corpo do homem excede sete pés. Por último, o diâmetro de seu compasso é a mesma medida entre a mão fechada e voltada para a curva do cotovelo, joelho. Todas essas medidas são co-iguais e formam a sétima parte de toda a altura.

A cabeça do homem, desde o extremo do queixo até a coroa, é a oitava parte de sua altura, bem como do cotovelo até o fim da omoplata; do mesmo tamanho é o diâmetro do compasso de um homem alto. O compasso da cabeça desenhado desde o topo da testa e do ponto inferior da parte de trás da cabeça forma a quinta parte de seu comprimento total; o mesmo se diz da largura do peito.

Nove larguras do rosto formam um homem bem proporcionado e dez, um homem alto. O comprimento do homem se divide em nove partes: o rosto, do topo da testa até o extremo do queixo é uma; do ponto inferior da garganta ou superior do peito até o ponto superior do estômago, outra; daí até o umbigo, a terceira parte; daí até o ponto mais baixo da coxa, a quarta; daí, o quadril até a parte superior da barriga da perna, mais duas se formam; daí até a junta do pé, as pernas formam mais duas; ao todo, oito partes. Além delas, o espaço entre o topo da testa até a coroa da cabeça, e entre a junta do pé e a sola do pé, eu digo que esses três espaços unidos formam a nona parte. Em largura, o peito tem duas partes e os dois braços, sete.

Mas o corpo com larguras de dez rostos é o que tem as proporções mais exatas. Portanto, a primeira parte dele é da coroa da cabeça à parte inferior do nariz; de lá até o ponto superior do peito, a segunda; e até o ponto superior do estômago, a terceira; daí até o umbigo, a quarta; do umbigo até os membros privados, a quinta, em que se encontra o meio do comprimento do homem; daí até as solas dos pés são mais cinco partes, que, unidas às primeiras, totalizam dez, pelas quais todo corpo é medido com proporções exatas.

(…)

Capítulo XXVIII

 Da Composição e Harmonia da Alma Humana

Da Proporção da Alma

Assim como a consonância do corpo consiste em uma medida apropriada e uma proporção dos membros, a consonância da mente também consiste de um temperamento apropriado e da proporção de suas virtudes e operações, que são concupiscíveis, irascíveis e racionais, todos em igual proporção. Em razão da concupiscência, a proporção tem diapasão; da raiva, diatessaron; e da irascível à concupiscência tem a proporção diapente. Assim, quando a alma mais bem proporcionada se une ao corpo mais bem proporcionado, é evidente que tal pessoa é agraciada com um felicíssimo presente, uma vez que a alma se harmoniza com o corpo na disposição dos naturais,4 harmonia esta que permanece oculta e, no entanto, é-nos insinuada pelos sábios.

 4. Qualidades humanas inatas.

Mas, para nos estendermos à harmonia da alma, devemos investigá-la com os meios pelos quais ela nos é passada, ou seja, pelos corpos celestes e esferas; sabendo, portanto, quais são os poderes da alma aos quais os planetas respondem, nós poderemos, graças àquelas coisas de que já falamos, conhecer melhor as harmonias entre elas. Pois a Lua rege os poderes de aumentar e de diminuir; a fantasia e a astúcia dependem de Mercúrio; a virtude concupiscível, de Vênus; as vitais, do Sol; as irascíveis, de Marte; as naturais, de Júpiter5; as receptivas, de Saturno.6

5. As virtudes inerentes – habilidade artística, aptidão atlética, poder pessoal – dependem de Júpiter.
6. As virtudes adquiridas e as habilidades de aprender dependem de Saturno.

Mas a vontade, como primum móbile e o guia de todos esses poderes, unindo-se ao intelecto superior, sempre tende para o bem. O intelectual, de fato, sempre mostra um caminho para a vontade, como uma vela clareando a vista; ela, entretanto, não move a si mesma, mas é a mestra de sua própria operação, daí a ser chamada de vontade livre (livre-arbítrio). E embora seja sempre propensa para o bem, como um objeto apropriado para ela mesma, às vezes é cega pelo erro, forçada pelo poder animal, e ela escolhe o mal, acreditando ser o bem. Portanto, a vontade livre é definida como uma faculdade do intelecto, sendo o bem escolhido com a ajuda da graça e o mal, pela ausência desta. A graça, portanto, que os adivinhos chamam de caridade ou amor infundido, está presente na vontade como o primeiro motivador; na ausência da qual a consonância se converte em dissonância.

De mais a mais, a alma responde à terra pelos sentidos, à água pela imaginação, ao ar pela razão, ao céu pelo intelecto,7 e a alma entra em harmonia com eles, conforme são temperados em um corpo mortal.

 7. A esfera moral da mente, que é superior à razão, a esfera lógica.

Os antigos sábios, portanto, sabendo que as disposições harmoniosas de corpos e de almas são diversas, de acordo com a diferença das compleições dos homens, usavam e não em vão sons musicais e cantorias para confirmar a saúde do corpo, e restaurá-la após perdida, também para colocar a mente em ordem, até tornarem um homem apto para receber a harmonia celestial, e deixá-lo totalmente celestial. Além disso, não há nada mais eficaz para afastar os espíritos malignos que a harmonia musical (pois eles caíram da harmonia celestial, e não suportam nenhuma consonância verdadeira, pois lhes faz mal, e fogem dela), como Davi, que com sua harpa curou Saulo, que estava atormentado por um espírito mau. Assim, entre os antigos profetas e Pais, que conheciam esses mistérios harmônicos, os cantos e os sons musicais eram inseridos nos serviços sagrados.

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Capítulo XXIX

 Da observação dos celestiais necessária em todo trabalho de magia.

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Toda virtude natural realiza coisas muito mais extraordinárias quando é composta não só de uma proporção natural, mas também informada por uma observação meticulosa dos celestiais apropriados para isso (quando o poder celestial é mais forte para o efeito que desejamos, além de ser auxiliado por muitos celestiais), submetendo os inferiores aos celestiais, como boas fêmeas fecundadas pelos machos. Também em todo trabalho devem ser observados a situação, o movimento e o aspecto das estrelas e planetas, em sinais e graus, e o modo como estes se colocam em referência ao comprimento e à latitude do clima; pois por meio disso variam as qualidades dos ângulos descritos pelos raios dos corpos celestes, incidindo sobre a figura de algo, de acordo com o que as virtudes celestiais são infundidas. Assim, quando você estiver trabalhando com qualquer coisa que pertença a algum planeta, deve colocá-la em suas dignidades, afortunadas e poderosas, em regência naquele dia, hora e figura do céu.

Tampouco espere que o resultado do trabalho seja poderoso, mas observe a Lua oportunamente direcionada para isso, pois nada deve ser feito sem a assistência da Lua. E se você tiver mais padrões de sua obra, observe-os todos quando estiverem mais poderosos, interagindo uns com os outros em aspecto amistoso: e se não puder usufruir de tais aspectos, será conveniente ao menos observar a angularidade.2 Mas siga a Lua, ou quando ela sobreolhar ambos, ou quando estiver unida a um e sobreolhando outro; ou ainda quando passar de uma conjunção ou aspecto para a conjunção ou aspecto do outro; pois considero que tal ação não pode de modo algum ser omitida. Você deverá também, em todas as obras, observar Mercúrio, pois ele é um mensageiro entre os deuses superiores e os deuses infernais; quando passa aos bons, ele lhes aumenta a bondade; quando passa aos maus, tem influência sobre sua maldade.

2. Os ângulos, ou cantos, dos céus são ascendente, meio-céu (Medium Coeli), descendente e meio-céu inferior (Immum Coeli), respectivamente, o horizonte leste, o ponto mais alto no céu, o horizonte oeste e o ponto mais baixo no lado oposto da Terra. Em termos históricos, os planetas nos ângulos eram considerados os mais fortes. As casas angulares dão poder e iniciam novas ações. A Casa I afeta o individual, a Casa IV, o lar; a Casa VII, o parceiro; e a Casa X, a vida mundana. Os sinais angulares no ascendente e meio-céu afetam a psique; o primeiro, o despertar de uma nova autoconsciência ou personalidade; o segundo, a autoconsciência já estabelecida ou ego. Os signos descendentes e do meio-céu inferior complementam seus opostos.

Dizemos que um signo, ou planeta, é desfavorável quando se encontra no aspecto de Saturno ou Marte, principalmente nos opostos ou quadrantes; pois são aspectos de inimizade; mas uma conjunção, um trino ou sextil são aspectos de amizade; entre estes há uma grande conjunção. Entretanto, se você já o contempla por meio de um trino, e se o planeta for recebido, tal é considerado já co-unido. Ora, todos os planetas têm medo da conjunção do Sol, embora apreciem o trino e o sextil do astro.

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Capítulo XXX

Quando os planetas têm sua influência mais poderosa.

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Os planetas estarão mais poderosos quando estiverem regendo uma casa, ou em exaltação, ou em triplicidade,3 ou em termo, ou em face5 sem combustão6 do que está direto na figura dos céus, isto é, quando estão em ângulos,7 principalmente ascendente, ou décimo, ou em casas em sucessão,8 ou em seus deleites.9 Mas devemos estar atentos para que não estejam nos confins e sob o domínio de Saturno ou Marte, pois ficariam em graus escuros, em poços ou vácuos.10 Observe que os ângulos do ascendente, do décimo e do sétimo são favoráveis,11 ou afortunados, bem como o regente do ascendente12 e o lugar do Sol e da Lua, e o lugar de parte da Fortuna,13 e de seu regente, o senhor da conjunção precedente e da prevenção; mas aqueles do planeta maligno são desfavoráveis, ou desafortunados, a menos que sejam importantes para o seu trabalho, que lhe ofereçam alguma vantagem; ou se em sua revolução ou no seu nascimento eles tenham sido predominantes; nesses casos, eles não devem ser suprimidos.

3. Os regentes da triplicidade são aqueles planetas que governam a ação dos quatro trinos elementais dos signos do zodíaco. Um planeta deve reger o trino durante o dia e outro à noite, sendo os planetas em maior harmonia com a natureza do trino escolhidos para tais funções. Por exemplo, a triplicidade do Fogo é Áries/Leão/Sagitário. O Sol, que rege Leão, é o regente desses signos durante o dia, enquanto Júpiter, que rege Sagitário, é o regente noturno. Marte, que rege Áries, não é usado por ser lunar e, portanto, discordante dos outros planetas, ambos solares. Como há sete planetas, mas oito regentes, o último planeta não designado, Marte, é atribuído ao último trino, Água, tanto de dia quanto à noite. Vênus é designado co-regente de dia e a Lua à noite, porque esse trino de água é feminino. As triplicidades são citadas por Ptolomeu em sua obra Tetrabiblos.
 5. Há três faces em cada signo e cada uma de dez graus. Na Antiguidade, as faces eram atribuídas aos planetas em sua ordem ptolemaica:

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As faces são diferenciadas por Agrippa por decanatos, que tem um sistema diferente pelo qual os planetas são designados como regentes. Em outros aspectos, os decanatos e as faces, conforme o uso do termo por Agrippa, parecem indistinguíveis.

6. Um planeta dentro de três graus da longitude do Sol é considerado combusto, porque o poder do Sol domina sua operação.
7. Dizia-se que um planeta é essencialmente dignificado quando se encontra em seu próprio signo, exaltação, triplicidade, termo ou face; e acidentalmente dignificado quando no meio-céu, ou ascendente, ou na 7ª, 4ª, 11ª, 9ª, 2ª ou 5ª casa. Um planeta é acidentalmente forte quando se encontra em movimento rápido e direto, e próximo à sua maior distância do Sol; é um planeta superior, quando oriental ao Sol; inferior, quando ocidental.

Um planeta é essencialmente fraco quando se encontra em queda ou detrimento. É acidentalmente fraco quando está na 12ª, 8ª ou 6ª casa, retrógrado ou com movimento muito lento, dentro de oito graus, 30 minutos do Sol; é planeta superior, quando ocidental ao Sol; inferior, quando oriental.

Embora um planeta fosse considerado fraco dentro de oito graus, 30 minutos do Sol, dizia-se que era forte quando estivesse a 17 minutos ou em conjunção exata com o Sol, “in cazimi”, como diziam os antigos.

8. Ptolomeu diz que os planetas são mais poderosos “quando se encontram no meio-céu ou perto dele, e depois quando estão exatamente no horizonte ou no lugar em sucessão”. Em sucessão, nesse caso, é a casa imediatamente seguinte – aquela a esquerda da casa em questão.
9. De acordo com Ptolomeu, os planetas “se deleitam” quando estão contidos em um signo do zodíaco que “embora o signo contentor não tenha familiaridade com os astros em si, ele a tem com as estrelas do mesmo grupo”. O grupo do Sol contém, além do Sol, os planetas Júpiter e Saturno; o da Lua contém a Lua, Vênus e Marte. Mercúrio pertence a ambos os grupos de acordo com sua posição – quando é visto como estrela matutina (no leste), ele está com o Sol; quando visto como estrela vespertina (no oeste), pertence à Lua. Por exemplo, Vênus se deleitaria em Áries, porque Áries é regido por Marte, e Marte pertence ao grupo da Lua. Se os planetas se encontrarem em signos sob o domínio de planetas do grupo oposto, “uma grande parte de seu devido poder é paralisada, pois o temperamento que surge da dessemelhança dos signos produz uma natureza diferente e adulterada”.
10. Ou seja, os poderes de um planeta não devem ser usados quando o planeta está em um signo regido por Saturno ou Marte, ou quando o planeta cai dentro do orbe, ou do domínio, de Saturno ou Marte – em conjunção com esses corpos. Os orbes dos planetas são seus círculos de maior influência: Saturno – 10 graus; Júpiter – 12 graus; Marte – 7 graus, 30 minutos; Sol – 17 graus; Vênus – 8 graus; Mercúrio – 7 graus, 30 minutos; Lua – 12 graus, 30 minutos. Variam muito as opiniões quanto à extensão dos orbes. A influência de Saturno e Marte costuma ser considerada maléfica. Ptolomeu os chama de “astros destrutivos”.
11. Ou seja, há planetas afortunados (favoráveis) em um arranjo harmonioso na primeira (ascendente), décima (meio-céu) e sétima (descendente) casas do zodíaco.
12. É o planeta que rege o signo sobre o ascendente. A casa que o planeta ocupava era considerada muito importante, principalmente se estivesse em um dos ângulos, ou próxima do meio-céu.
13. A Parte, ou Quinhão, da Fortuna é um ponto hipotético cuja posição determina as aquisições materiais de um indivíduo ou outro objeto de busca. “O objeto material de alguém deve ser ganho a partir da assim chamada ‘Parte da Fortuna’; pois quando os planetas que regem a Parte da Fortuna estão no poder, tornam o indivíduo rico, principalmente se tiverem o devido testemunho das luminárias”. Sobre o método para se determinar esse ponto, escreve Ptolomeu:

Considere a Parte da Fortuna sempre como a quantidade de números de graus, tanto à noite quanto de dia, que é a distância entre o Sol e a Lua (na ordem dos signos seguintes) e que se estende a uma distância igual do horóscopo (isto é, o Ascendente) na ordem dos signos seguintes, para que, qualquer que seja a relação e o aspecto do Sol para com o horóscopo, a Lua também tenha relação com a Parte da Fortuna, oferecendo como que um horóscopo lunar.

O que os gregos conheciam como “ordem dos signos seguintes” é o que hoje se considera sua ordem natural – anti-horário de Áries a Touro, a Gêmeos, etc. Pierce descreve o cálculo da Parte da Fortuna de maneira mais concisa: “A Parte da Fortuna é aquele ponto dos céus onde estaria a Lua se o Sol nascesse exatamente”.

A Lua será poderosa se estiver na casa dela,17 em exaltação, triplicidade ou face, em um grau conveniente para o trabalho desejado, e ainda se tiver uma mansão desses 28 adequada para si e para o trabalho; que não se queime no caminho nem retarde o curso;19 que não seja eclipsada nem queimada pelo Sol, a menos que esteja em unidade com ele; que ela não desça na latitude sul para ser queimada21 nem se oponha ao Sol,22 nem se prive de luz;23 que tampouco seja bloqueada por Marte ou Saturno.

17. A casa de Câncer, a 4ª, chamada de Meio-céu Inferior.
19. Quanto ao aparente movimento dos planetas de um modo geral, comenta Theon: “Eles não cobrem a mesma distância no espaço na mesma quantidade de tempo; eles se movem mais rápido quando parecem maiores por causa de sua distância menor da Terra, e se movem menos rápido quando parece menores por causa da distância maior”.

E sobre a Lua, especificamente, escreve Plínio: “Após ficar dois dias em conjunção com o Sol, no 30º dia, ela emerge de novo, lentamente, e segue seu curso costumeiro”.

21. Que a Lua não se ponha no horizonte oeste, abaixo do plano da eclíptica, enquanto estiver sob a influência próxima do Sol.
22. Em oposição, quando a Lua estiver cheia.
23. Talvez por eclipse lunar, quando a sombra da Terra cai sobre a face da Lua e a deixa vermelho-pálida ou preta; mas, se o eclipse mencionado no texto é lunar, então esta deve ser uma referência à Lua nova.

Não mais falarei agora disso, uma vez que esse e outros temas necessários são suficientemente abordados nos volumes dos astrólogos.

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Do Movimento

Capítulo XXXII

Do Sol, da Lua e de suas considerações mágicas.

O Sol e a Lua têm o encargo de reger os céus e todos os corpos sob os céus. O Sol é o senhor de todas as virtudes elementares; e a Lua, por virtude do Sol, é a mestra da geração, aumento ou diminuição. Nesse sentido, diz Albumasar que, por meio do Sol e da Lua, a vida é infundida em todas as coisas, o que, Orfeu chama de olhos vivificadores do céu.1 O Sol dá luz a todas as coisas, e a dá em abundância a todas as coisas não só do céu e do ar, mas também da Terra e das profundezas; todo o bem que possuímos, como diz Iamblicus, o recebemos do Sol, e somente dele, ou dele através de outras coisas. Heráclito chama o Sol de fonte de luz celestial; e muitos dos platônicos colocam a Alma do Mundo de modo particular no Sol, como se aquilo que preenche todo o globo do Sol e envia seus raios para todos os lados fosse um espírito permeando todas as coisas, distribuindo vida, sentido e movimento ao próprio Universo.

1. Em um hino órfico a Júpiter, preservado por Proclo, no qual o deus é descrito como o Universo, aparece a linha: “Seu olhos, o Sol e a Lua com raios emprestados”. (Hymns of Orpheus, Introdução, em Thomas Taylor the Platonist: Selected Writings, 178). No hino órfico “To the Sun”, está escrito “Ouvi o grande Titã, cujo olho eterno/com grande alcance, ilumina todo o céu”. Lembra Homero, que se refere ao Sol como: “um temível deus/Hélios, que vê todas as coisas e ouve todas as coisas”.

Por esse motivo, os naturalistas chamavam o Sol de o verdadeiro centro do céu; e os caldeus o colocavam no meio dos planetas. Os egípcios também o colocavam no meio do mundo, isto é, entre os dois cincos do mundo; acima do Sol, colocavam os cinco planetas e abaixo a Lua e os quatro elementos. Pois ele é, entre as outras estrelas, a imagem e a estátua do grande Príncipe dos dois mundos – terrestre e celestial; a verdadeira luz, e a imagem mais exata do próprio Deus; cuja essência se assemelha ao Pai, a Luz ao Filho e o calor ao Espírito Santo. A nada os platônicos associam a Essência Divina, de maneira mais manifesta que a ele. Tão grande é a consonância do Sol com Deus que Platão o chama de filho conspícuo de Deus e Iamblicus, de imagem divina da inteligência divina. E nosso Dioniso o chama de estátua conspícua de Deus.

Ele se senta como rei no meio de outros planetas, superando todos em luz, grandeza, beleza, iluminando todos, distribuindo-lhes virtude para dispor de corpos inferiores, regulando e dispondo de seus movimentos, de modo que daí vêm os movimentos chamados de diurnos ou noturnos, para o sul ou para o norte, orientais ou ocidentais, diretos ou retrógrados; e assim como ele afasta com sua luz toda a escuridão da noite, também despele os poderes das trevas, como lemos em ; tão logo chega a manhã, pensam na sombra da morte; e o Salmista, ao falar do leão que se afasta de Deus para devorar diz que o Sol nasce, e todos se reúnem e voltam à cova dos leões; tendo se afastado os leões, o homem poder sair para trabalhar.

O Sol, portanto, possuindo a região mediana do mundo, é como o coração e está no corpo de todo animal; o Sol está no alto do céu e acima do mundo, regendo todo o Universo e as coisas nele contidas, é o verdadeiro autor das estações e de todas as qualidades delas,5 como dia e ano, frio e calor, e outras; e, como dizia Ptolomeu,6 quando ele chega ao lugar de qualquer astro, mexe com o pode que este tem no ar. Com Marte, por exemplo, calor; com Saturno, frio. Nesse sentido, diz Homero, sendo substanciado por Aristóteles, existe na mente movimentos tais que o Sol, o príncipe e moderador dos planetas, traz-nos todos os dias.

5. O Sol é levado em meio a estes (planetas), um corpo de grande tamanho e poder, o regente não só das estações e dos diferentes climas, mas também dos próprios astros e dos céus. Quando consideramos suas operações, devemos vê-lo como a vida, ou melhor, como a mente do Universo, o principal regulador e o Deus da natureza; ele também empresta sua luz aos outros astros. Ele é ilustríssimo e excelentíssimo, contemplando todas as coisas e ouvindo todas as coisas, o que, percebo, lhe é atribuído exclusivamente pelo príncipe dos poetas, Homero.

Pois o Sol, junto ao ambiente (a atmosfera), está sempre afetando algo na Terra, de uma forma ou de outra, não só pelas mudanças que acompanham as estações do ano para gerar os animais, produzir as plantas, fazer fluir as águas e as mudanças dos corpos, mas também por suas revoluções diárias, suprindo calor, umidade, secura e frio em ordem regular e em correspondência com suas posições relativas ao zênite (PtolomeuTetrabiblos 1.2).

6. “Observe, porém, que também de acordo com seus aspectos em relação ao Sol, a Lua e os três planetas (Saturno, Júpiter e Marte) experimentam aumento e diminuição de seus poderes”. Em outra fonte, Ptolomeu diz: “o Sol e Mercúrio, porém, acreditavam eles (os antigos), têm poderes (benéficos e maléficos), porque possuem uma natureza comum, e juntam suas influências àquelas dos outros planetas com os quais se associam”. O poder ampliador do Sol é mais acentuado no fenômeno de cazimi.

Mas a Lua, mais próxima da Terra, o receptáculo de todas as influências celestes, pela rapidez de seu curso, junta-se ao Sol e aos outros planetas e estrelas todos os meses, como se fosse a esposa de todos os astros, e é a mais frutífera dentre eles, recebendo as emanações e influências de todos os outros planetas e estrelas, como em uma concepção, trazendo-os até o mundo inferior, próximos a ela mesma; pois todos os astros exercem influência sobre ela que, sendo o último recipiente,7 comunica por sua vez as influências de todos os superiores a esses inferiores e as faz jorrar sobre a Terra; e dispõe desses inferiores de maneira mais manifesta que outros, e seu movimento é mais sensível pela familiaridade e proximidade que ela tem conosco; e como um intermediário entre os superiores e inferiores, comunica tudo a todos.

7. A Lua também, como corpo celeste mais próximo da Terra, concede sua efluência de modo mais abundante sobre as coisas mundanas, pois a maioria delas, animadas ou inanimadas, são simpáticas à Lua e mudam, quando em sua companhia; os rios aumentam e diminuem sua correnteza com a luz da Lua, os mares alteram a maré, quando ela surge e desaparece, e as plantas e os animais, de modo total ou parcial, crescem ou minguam com ela. Ver Deuteronômio 33:14.

Portanto, o movimento da Lua deve ser observado antes dos demais, sendo ela a mãe de todas as concepções, que ela concede a esses inferiores, de acordo com sua variada compleição, movimento, situação e os diferentes aspectos em relação aos planetas e outros astros. E embora ela receba poderes de todos os astros, o principal é o Sol; estando ela em frequente conjunção com o Sol, é reabastecida com uma virtude vivificante, e de acordo com seu aspecto toma emprestada dele a compleição; pois, no primeiro quarto, como afirmam os peripatéticos, ela é quente e úmida; no segundo, quente e seca; no terceiro, fria e seca; no quarto, fria e úmida.8

8. “Pois na fase crescente, após a nova até o primeiro quarto, a Lua produz mais umidade; em sua passagem do primeiro quarto para cheia, mais calor; de cheia para o último quarto, secura; e do último quarto para a ocultação, frio”.

E embora seja a Lua o mais baixo dos astros, ela promove a concepção dos superiores; pois dela, nos corpos celestes, começa aquela série de coisas que Platão chamava de Corrente Dourada,9 pelas quais toda coisa e toda causa, ligadas umas às outras, dependem do superior, culminando a Causa Suprema de todas, das quais todas as coisas dependem; por isso, sem a intermediação da Lua, não podemos em momento algum atrair o poder dos superiores.

9. Essa imagem se origina com Homero, que assim narra a vanglória de Zeus:

Que do céu desça um cordão de ouro; e
Que dele se apoderem Todos vocês que são deuses e
deusas, e ainda assim Nem vocês poderão arrastar Zeus do céu
para o chão, não Zeus, o altíssimo senhor do julgamento, ainda
que tentem
Até se cansar.

Eu, no entanto, se desejar com minha força arrastá-los, Poderia atrair para o alto
todos vocês, a terra e todo o mar e tudo o mais, Para depois puxar de volta a
corda dourada, em torno do chifre De Olimpo
E prendê-la com firmeza, para que tudo, mais uma vez, fique suspenso no ar.

(Ilíada, 8, linhas 19-26)

Provavelmente Agrippa se refere ao “fuso da Necessidade” de Platão, “estendendo-se desde o alto através de todo o céu e terra, uma luz, direita como uma coluna, muito semelhante ao arco-íris, mas mais brilhante e mais pura” (Platão, A República, 10.616b). Ele faz uma alusão um tanto bem-humorada à Corrente Dourada quando compara a corrente dos poetas da Musa a uma corrente de anéis magnetizados dependurados em uma magnetita. A Corrente Dourada inevitavelmente nos faz pensar na escada de Jacó, pela qual os anjos constantemente subiam e desciam (Gênesis 28:12).

Assim, Thebit nos aconselha, quando quisermos aproveitar a virtude de qualquer astro, a usar a pedra e a erva desse planeta quando estiver sob a Lua favorável, ou quando ela tiver um aspecto bom voltado para ele.

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Do sol e da Lua

Capítulo XXXIV

Do movimento verdadeiro dos corpos celestes a ser observado na oitava esfera e da base das horas planetárias.

Aquele que quer trabalhar de acordo com a oportunidade celestial deve observar duas coisas, ou uma dentre as duas, a saber: o movimento dos astros ou seus tempos; refiro-me a movimentos quando os astros estão em suas dignidades ou dejeções, essenciais ou acidentais; mas chamo de tempos os dias e as horas distribuídos entre seus domínios. Tudo isso é vastamente ensinado nos livros dos astrólogos; mas aqui nos cabe considerar e observar duas coisas especiais.

Uma é que nós observamos os movimentos e as ascensões e caminhos oscilatórios dos astros,2 quando se encontram, na verdade, na oitava esfera, negligência que leva muitos a errar na confecção das imagens celestiais e frustra o efeito desejado.

2. Por causa da inclinação do eixo da Terra, as estrelas e os planetas parecem descrever caminhos que circundam a Terra como oscilações de uma bola de fio, enquanto a Terra segue em sua orbita.

A outra coisa que devemos observar é o tempo, o momento, de escolher as horas planetárias; pois quase todos os astrólogos dividem todo o espaço de tempo entre o nascer e o pôr-do-sol, em 12 partes iguais, e as chamam de 12 horas do dia; e o tempo entre o pôr-do-sol e o alvorecer também é dividido em 12 partes iguais, chamadas de 12 horas da noite; e em seguida eles distribuem cada uma dessas horas a um planeta, de acordo com a ordem de suas sucessões, dando sempre a primeira hora do dia ao senhor regente daquele dia, e a cada um por ordem, até o fim de 24 horas.

E nessa distribuição, os magos concordam com eles; mas na divisão das horas alguns divergem, dizendo que o espaço do nascer e do pôr-do-sol não deve ser dividido em partes iguais, e que essas horas não são chamadas de desiguais porque as diurnas são diferentes das noturnas, mas porque ambas são diferentes mesmo entre si.4

4. Isso se deve ao ângulo entre o plano da eclíptica e o plano do Equador, ou equinocial, que resulta da inclinação do eixo da Terra. Metade dos signos do zodíaco – Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário – leva mais de meia hora para ascender. São chamados de signos de longa ascensão. A outra metade do zodíaco – Capricórnio, Aquário, Peixes, Áries, Touro, Gêmeos – leva menos de meia hora para ascender. Esses são chamados de signos de ascensão curta. Essa divisão desigual de tempo se reflete no sistema desigual de casas de Campanus (século XIII), Regiomantanus (século XV) e Plácido (século XVII).

Portanto, a divisão de horas desiguais ou planetárias tem um motivo diferente de sua medida observada pelos magos. Assim como nas horas artificiais, que são sempre iguais entre si, as ascensões de 15 graus5 no equinócio6 constituem uma hora artificial; também nas horas planetárias as ascensões de 15 graus na eclíptica constituem uma hora desigual ou planetária, cuja medida devemos investigar e descobrir por meio das tabelas das ascensões oblíquas de cada região.

5. Porque 360°: 24 = 15°.
6. O equador equinocial. Quando o Sol está nesse círculo, ou plano, dia e noite têm exatamente a mesma duração. É o que se chama de equinócio, e, nesses dois dias do ano, as horas artificiais do relógio têm a mesma duração das horas planetárias.

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Do movimento verdadeiro

Capítulo XXXV

Como algumas coisas artificiais, como imagens, selos e outras, podem obter alguma virtude dos corpos celestes.

Tão grande é a extensão, o poder e a eficácia dos corpos celestes que não só as coisas naturais, mas também as artificiais, se devidamente expostas a eles, são afetadas por tão poderosos agentes e obtêm uma vida tão maravilhosa que costuma lhes trazer alguma admirável virtude. Aliás, dizia São Tomás de Aquino, aquele santo doutor, em seu livro De Fato, que até as roupas, as construções e outras obras artificiais recebem alguma qualificação dos astros.

Os magos afirmam que não apenas por meio da mistura e da aplicação das coisas naturais, mas também em imagens, selos, anéis, vidros1 e outros instrumentos, devidamente elaborados de acordo com certas constelações, alguma ilustração celestial pode ser obtida e alguma coisa maravilhosa e extraordinária pode ser recebida; pois as emanações dos corpos celestes, sendo animadas, vivas, sensuais e trazendo consigo admiráveis dons e um violentíssimo poder, impingem, ainda que só por um momento e ao primeiro toque, poderes extraordinários nas imagens, embora sua matéria, seja menos apta.2

1. Espelhos mágicos usados para previsões e comunicação com os espíritos. O mais antigo deles é a superfície de um líquido, tal como água, óleo ou tinta. Ver Pausânias (Guide to Greece 7.21.5), a respeito do uso de um espelho em adivinhação.
2. Embora a matéria sobre a qual as imagens são formadas seja menos suscetível à influência.

Entretanto, virtudes mais poderosas são conferidas às imagens, se estas forem confeccionadas de determinada matéria, cuja virtude natural e especial seja compatível com o trabalho, desde que a figura da imagem seja igual à da celestial; pois tal imagem, tanto em relação à matéria naturalmente côngrua à operação e influência celestial quanto à sua figura ser igual à celestial, é mais bem preparada para receber as operações e os poderes dos corpos e figuras celestiais, e recebe instantaneamente o dom celestial. A partir daí, ela trabalha em caráter constante com as outras coisas, e essas coisas lhe devem obediência.

Por isso, diz Ptolomeu, em Centilóquio,3 que as coisas inferiores obedecem às celestiais, e não só a elas, mas também às suas imagens; como, por exemplo, os escorpiões obedecem não só ao Escorpião celestial, mas também à sua imagem, se esta for devidamente confeccionada sob sua ascensão e domínio.

3. Uma obra que consiste em cem aforismos acerca de Astrologia atribuída a Ptolomeu. Às vezes também é chamada de Fructus librorum suorum.

Capítulo XXXVI

Das imagens do zodíaco, e quais virtudes, uma vez gravadas, recebem das estrelas.

Mas as imagens celestiais, de acordo com suas semelhanças, são feitas imagens, criam nos céus: algumas visíveis e conspícuas, outras apenas imagináveis, concebidas e elaboradas pelos egípcios, indianos e caldeus; e suas partes são ordenadas de tal forma que até mesmo as figuras de algumas delas são distintas de outras: por esse motivo, colocam-se no círculo do zodíaco 12 imagens gerais, de acordo com o número de signos.

Destas, afirma-se que as que constituem Áries, Leão e Sagitário, por sua triplicidade incandescente e oriental, são úteis contra febre, paralisia, hidropisia, gota, e todos os resfriados e enfermidades fleumáticas; o indivíduo que porta consigo tais imagens se torna aceitável, eloquente, engenhoso e honorável, porque elas são as casas de Marte, do Sol e de Júpiter. Também se fazia a imagem de um leão contra fantasias melancólicas, hidropisia, peste, febre e para dissipar doenças, na hora do Sol, o primeiro grau do signo de Leão ascendente, que é a face e o decanato de Júpiter. Mas contra pedras nos rins e outras doenças renais e ferimentos causados por animais era feita a mesma imagem, quando o Sol está no coração do Leão, no meio do céu. E, novamente, porque Gêmeos, Libra e Aquário constituem a triplicidade aérea e ocidental, e são as casas de Mercúrio, Vênus e Saturno, acreditava-se que afastavam doenças, conduziam à amizade e à concórdia, prevaleciam contra melancolia e promoviam saúde; e dizem que Aquário particularmente liberta a pessoa da febre quartã.

Também Câncer, Escorpião e Peixes, sendo da triplicidade da água e do norte, prevalecem contra febres quentes ou frias, também contra a héctica e todas as disposições coléricas; mas Escorpião, que rege as partes íntimas, provoca luxúria, com sua face ascendente, que pertence a Vênus. E o mesmo era feito contra serpentes e escorpiões, venenos e espíritos maus, sua segunda face ascendente, que é a face do Sol e decanato de Júpiter. E diz-se também que aquele que tal portasse se tornaria sábio e de boa cor; e dizem que a imagem de Câncer é bastante eficaz contra serpentes e venenos, quando o Sol e a Lua estão em conjunção nesse signo, e ascendem na primeira e terceira face; pois essa é a face de Vênus e o decanato da Lua; mas a segunda face da Lua, o decanato de Júpiter: informam-nos também que as serpentes são atormentadas quando o Sol está em Câncer.

Também Touro, Virgem e Capricórnio, constituindo a triplicidade terrestre e do Sol, cura enfermidades quentes e prevalecem contra a febre sínoca; torna seu portador um indivíduo grato, aceitável, eloquente, devoto e religioso, porque são eles as casas de Vênus, Mercúrio e Saturno: também se afirma que Capricórnio mantém os homens em segurança e os protege, pois é a exaltação de Marte.

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