A Relação da Astrologia com a Psicologia I

Luiz Carlos Teixeira de Freitas

 Astrologia, uma Ciência Milenar a serviço do Conhecimento Humano

A percepção intuitiva da existência de uma consciência cósmica e de padrões mais amplos de influência sobre as realidades e consciências individuais, aliás, é o que fez o ser humano desde sempre se sentir participante de uma ordem maior do que a percebida nos seus domínios imediatos.

Observando, catalogando, analisando e registrando milhares de vezes a ocorrência encadeada de fenômenos naturais e descobrindo, assim, uma intrincada ligação entre estes fenômenos e os acontecimentos banais ou fundamentais de sua vida, o ser humano sempre reverenciou respeitosamente a força dos elementos e a sequência dos eventos como indícios (ou causas) do que se passava ou estava por lhe acontecer.

Percebeu que no maturar lento e gradual, momento a momento, ciclo a ciclo, das etapas da criação e de suas espécies vivas, parece residir um plano misterioso que se desdobra: cada semente aponta o próximo fruto, em cujo interior estarão depositados os detalhes da semente seguinte. Pré-definindo, assim, as condições dentro das quais a vida, em cada uma de suas múltiplas manifestações, se dará no futuro breve, mediato e longínquo; e determinando, através das tendências de cada momento, o provável processo de desdobramento de cada potencial em realidade.

Tendências, esta a chave do futuro, disponível no presente!

Tendências, a informação fundamental para qualquer entendimento mais amplo da realidade e mesmo sua previsão!

Desde os Primórdios da Civilização

Em todas as épocas o ser humano buscou em seu entorno sinais indicadores do presente ainda desconhecido e do futuro a se manifestar, tentando descobrir as tendências de cada situação; mais ainda, durante toda a sua história o ser humano tentou participar diretamente do curso dos acontecimentos, buscando influir diretamente em sua ocorrência.

Pinturas rupestres em cavernas pré-históricas sugerem tentativas de facilitar ações de caça e guerra antes mesmo das presas ou rivais terem sido avistados; rituais milenares preservados até hoje nas ilhas do Pacífico Sul e em regiões centrais da África apontam a intenção de influenciar o curso dos acontecimentos naturais e humanos; registros inscritos ou esculpidos em construções megalíticas como as ruínas das civilizações babilônica, egípcia, asteca, pré-incaica e mongólica comprovam a busca de alternativas para superar a fragilidade assustadora frente a qualquer imprevisto ameaçador; complexos sistemas preditivos foram concebidos e desenvolvidos por povos das mais distintas culturas e origens, sempre buscando antecipar-se aos eventos e proteger-se de inconvenientes.

As práticas divinatórias — de “serviço aos deuses”, visando obter seus favores — assumiram todas as formas possíveis, dependendo da cultura que as produzia: sementes, pedras, folhas, animais, objetos, substâncias químicas, instrumentos musicais e de percussão, cantos, hinos e cantochões, fumaças e fumigações, peças de artesanato, obras de arte e até mesmo excrementos podiam ser utilizados, desde que realizassem a ponte esperada entre o sagrado e o profano, isto é, “persuadissem” os deuses a informar ao ser humano quais ocorrências estavam se abatendo sobre ele ou estavam por se verificar.

Para tanto, a humanidade sacralizou gatos, escaravelhos, peixes e serpentes, utilizou sementes, inscreveu caracteres, criou objetos de madeira, metal, cerâmica ou vidro, desenvolveu artefatos têxteis, queimou ervas aromáticas, venerou pedras esculpidas, folhas ou vísceras e até mesmo concebeu intricadas práticas ritualísticas, combinando dança, música e cantos, para seduzir e perscrutar os deuses, deles tentando obter informação, a sempre preciosa informação sobre a realidade concreta.

Basta lembrar que o herói grego Prometeu nunca foi perdoado pelos deuses do Olimpo, após sua tentativa (bem sucedida) de roubar o fogo dos céus e distribuí-lo entre os homens, ampliando-lhes a consciência e aumentando-lhes o poder sobre o futuro!

Porque sempre se tratou de obter informação, informação que ampliasse o conhecimento humano e aumentasse sua possibilidade de sobrevivência e de construção de felicidade para si e para os seus.

Com a leitura de folhas de coca, como nas práticas andinas desde tempos pré-incaicos; através do jogo de varetas ou de moedas, como no milenar I Ching chinês; jogando pedrinhas cobertas de inscrições, como nas runas célticas; analisando demoradamente a simbologia de cartas, como no medieval Tarot de Marseille; ou apenas observando as estrelas e registrando o cadenciado movimento dos astros no firmamento, como na astrologia, o ser humano buscou sempre encontrar condições para sobreviver e se organizar em meio ao aparente caos da realidade.

A Natureza dos Elementos_

A Importância dos Símbolos Mágicos

Mas de todos os recursos “mágicos” criados pela humanidade, a astrologia sempre foi o mais encontradiço: todas as culturas, independente de sua localização geográfica, condições climáticas e grau de desenvolvimento comercial, agrícola ou artesanal, tiveram algum nível de prática astrológica.

Por uma simples razão: como diz o ditado popular, o sol nasce para todos!

Isto é: em todas as latitudes e longitudes e em todas as épocas o ser humano teve sobre si o céu e os astros, em sua inexorável, mas ritmada mutação; gradativamente, no suceder de incontáveis gerações, nexos de “coincidência” foram observados e registrados, permitindo o acúmulo de informações sobre padrões que tendiam a se repetir, independentemente das condições que parecessem predominar.

A cada vez que um certo astro, planeta ou estrela, executava um movimento nos céus, determinada ocorrência era observada na Terra; a cada vez que uma certa combinação de astros “lá” se dava, determinada sucessão de acontecimentos “aqui” se produzia.

Sempre fazendo supor a existência de algum nível de “ligação” entre os corpos celestes — “com toda certeza divinos!” — e os acontecimentos mais vitais ou comezinhos do ser humano e de sua vida.

Fragmentos de tábuas de barro cozido encontrados no que hoje corresponde ao Oriente Médio indicam que sumérios, hititas, caldeus e babilônios já praticavam a “leitura” dos astros e ousavam interpretar o significado de seus movimentos há pelo menos vinte milênios; calendários em pedra polida encontrados pelos conquistadores espanhóis na costa pacífica da América do Sul e nas regiões da América Central apontam ocorrência semelhante; registros milenares em sânscrito atestam que a prática da astrologia já era desenvolvida nas primeiras civilizações do subcontinente hindu; e tradições até hoje mantidas pelo sufismo árabe (o misticismo islâmico) ou pela kaballah hebraica não fazem outra coisa senão sinalizar a mesma realidade.

Todavia, para todos estes povos — e até mesmo para o pensamento europeu da Idade Média, berço da cultura ocidental — tratava-se, todo o tempo, apenas de saber com antecipação o que já se supunha predestinado a acontecer. Nada mais havia a fazer senão vergar-se à impiedosa força do destino, que em seu movimento supostamente circular obrigava todos os seres a acontecimentos independentes de suas vontades individuais.

Muitos dos antropólogos que se detiveram a estudar manifestações humanas como a magia e a religião ensinam que o que distingue uma da outra é a suposição central da magia no sentido de se poder interferir ativamente na realidade, ao passo que a religião se caracteriza por uma atitude contemplativa frente a uma realidade tida como imutável.

(Neste sentido, em termos históricos, a Ciência é “filha” da magia, e não da religião, pois a busca incessante de conhecimentos, atributo central da atitude científica, nada mais visa senão aumentar a capacidade humana de interferir no real! E não para outra coisa é que tantos sistemas de conhecimento divinatório, também chamados de Ciências Arcanas – do latim arcanu, “mistério” -, foram também desenvolvidos)

Mas o que poderia o ser humano de priscas eras supor, senão o fato de que os movimentos celestes provocavam os acontecimentos terrestres e humanos? Afinal, neles não viviam deuses?

Poderiam nossos antepassados crer em outra coisa senão em uma suposta força causal possuída pelos movimentos celestes? Num mundo pré-científico, no qual nada se sabia de eletromagnetismo, “buracos negros”, força nuclear forte ou fraca, partículas subatômicas, fusão nuclear ou mesmo Física, Química e Psicologia, poderiam os homens e mulheres daquelas épocas conceber outra possibilidade que não a da predestinação e da influência direta dos astros sobre o destino de cada ser vivo?

E não estou falando apenas de homens que viviam na barbárie ou em estágios um pouco mais elevados de civilizações já existentes: o astrólogo Jean Baptiste Morin de Villefranche  (1583-1656), que serviu ao Cardeal de Richelieu e a toda a corte de Paris no Século XVII, a Cidade-Luz, editou uma extensa obra (L’Astrologie gauloise) cujo título principal era a Teoria da determinação ativa dos corpos celestes, o que não deixa dúvidas sobre a suposição até então predominante.

Mesmo a astrologia que se praticou na Europa a partir do Século XIX foi fortemente marcada por estas noções deterministas: influenciadas pela produção teórica de Helena Petrovna Blavatsky, fundadora e líder do movimento político-espiritualista da Teosofia, e pelas noções reencarnatórias que o pensamento hinduísta desenvolvera no correr de séculos no subcontinente indiano, Alice Bayley e Annie Besant desenvolveram uma astrologia fortemente alicerçada na ideia de que tudo o que ocorria na vida de uma pessoa era sempre “carma” do passado sendo cumprido nesta vida, num infindável “acerto cósmico de contas”.

Esta mesma veia reencarnacionista se espraiou pelo trabalho de astrólogos adeptos do Espiritismo, movimento espiritualista com colorações próprias desenvolvidas a partir do trabalho de Allan Kardec, pseudônimo do francês Hippolyte Leon Denizard Rivail, que em 1856 publicara O Livro dos Espíritos e dera início a este movimento.

Assim, pouco restava a fazer além de conviver com um fatalismo imobilista: num primeiro momento, as condições humanas foram vistas como meras decorrências da vontade de deuses encarnados nos astros, os quais deveriam ser aplacados em sua ira ou satisfeitos em seus desejos; num momento seguinte, estas mesmas condições passaram a ser vistas como nada mais senão etapas de um longo trabalho multissecular de purgação, alma a alma, de “más ações” algum dia praticadas.

Pior ainda: ainda hoje, em pleno final do segundo milênio, ainda há quem afirme que os planetas “atuam energeticamente” sobre a ocorrência dos fatos e o desenrolar dos processos, misturando noções da Física apreendidas superficialmente com superstições de um passado já distante. Sem sequer cogitar sobre o fato de que os “planetas” utilizados pela astrologia em sua busca de conhecimentos correspondem apenas a recursos simbólicos, meramente simbólicos, transitando por pontos imaginários do espaço, tais pessoas continuam se supondo à mercê de forças maiores do que elas e situadas fora de si mesmas, contra as quais nada se pode fazer.

Como, então, devolver ao ser humano a possibilidade de crer que pode interferir ativamente em seu próprio destino e nas condições de vida que ele mesmo vem produzindo, em suas escolhas, ações e atitudes?

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O Surgimento da Astrologia Humanista

Por volta do ano de 1930 a resposta começou a ser dada, através do trabalho pioneiro do pintor, escritor, músico e astrólogo parisiense (mas radicado norte-americano) Dane Rudhyar.

Profundamente influenciado pela produção teórica da Psicologia dos começos deste século, a qual pela primeira vez na cultura ocidental hipotetizava a existência de camadas inconscientes na psique humana e demonstrava que tais camadas eram as verdadeiras determinantes da conduta individual, Rudhyar lançou em 1936 seu livro A Astrologia da Personalidade e nele propôs o que chamou de Astrologia Humanista ou astrologia centrada na pessoa, contrapondo-se ao que era, até então, astrologia centrada nos eventos.

É ele mesmo quem nos relata, em seu livro Da Astrologia Humanista à Astrologia Transpessoal, de 1982, três anos antes de seu falecimento: “só me familiarizei completamente com as ideias de Jung no verão de 1933, enquanto estava no rancho da Sra. Garland, no Novo México, onde li todas as suas obras então traduzidas. Imediatamente me ocorreu que poderia desenvolver uma série de conexões entre os conceitos de Jung e um tipo reformulado de astrologia”.

Ora, cogitava ele nos idos anos de 1930, se as ações de uma pessoa atendem sempre a necessidades profundas sentidas por ela e originárias de seu próprio inconsciente, mesmo que tais necessidades a venham obrigando a fazer “escolhas” ou a praticar ações que a infelicitem, a astrologia deveria ser utilizada para facilitar a descoberta destas necessidades profundas, devolvendo ao indivíduo as condições necessárias para realizar escolhas conscientes mais adequadas entre as múltiplas alternativas de cada momento.

Em outras palavras, a astrologia deveria servir como recurso para devolver ao ser humano a possibilidade de exercer seu livre arbítrio a partir do entendimento de quais conteúdos inconscientes efetivamente dirigem o seu comportamento a cada momento e por toda a vida!

Se até então o foco de atenção da astrologia se voltava aos eventos que ocorriam na vida de uma pessoa de modo aparentemente independente de sua vontade, como se havia acreditado desde sempre, apenas o entendimento da existência de desejos inconscientes como origem de tais eventos poderia inverter o foco tradicional de interesse da astrologia e servir de instrumento realmente útil na detecção e desmobilização destes desejos.

Desejos? Perguntaria alguém, ao pensar em “desejo de ser infeliz”, “desejo de morrer”, “desejo de fracassar” e assim por diante. Sim, desejos! Não de ser infeliz, fracassar ou até mesmo de morrer, mas desejos de outro tipo que, ao se manifestarem, provocam atitudes ou escolhas que levam à infelicidade, ao fracasso ou até a morte!

Rudhyar já sabia, pois a psicologia o comprovara, que quanto mais inconsciente for certo conteúdo psíquico, mais compulsiva será sua eventual manifestação externa; afinal, se compete ao ego coordenar as ações necessárias para a satisfação do conjunto das necessidades de uma pessoa a cada instante de sua vida, um conteúdo inconsciente que escape ao controle do ego pode se manifestar de modo não integrado com os outros conteúdos da consciência (julgamentos, deduções, dados de memória, novas informações, etc.) e assumir manifestação independente, muitas vezes até mesmo determinando o conjunto global de comportamentos da pessoa.

Estes movimentos autônomos da psique, como os denomina a psicologia contemporânea, são conhecidos popularmente como “aquele impulso que me veio de dentro e me levou a fazer o que eu fiz, mesmo não querendo!”.

Sempre a serviço de desejos inconscientes retidos na memória desde a infância, os quais podem ser diagnosticados pela astrologia e trabalhados clinicamente.

O Desenvolvimento da Astrologia Clínica

O trabalho de Dane Rudhyar foi inovador e representou uma guinada de 180 graus no pensamento astrológico ocidental contemporâneo; neste sentido, assim como havíamos tido no correr da história filósofos que produziram teoria psicológica, sempre dentro de seu momento histórico e a partir dos conhecimentos de sua época, Dane Rudhyar construiu uma nova abordagem filosófica da astrologia a partir dos conhecimentos psicológicos de seu momento histórico, dando-lhe uma dimensão até então inexistente.

A partir daquele instante a astrologia passava a possuir um modelo teórico central em torno do qual organizar todas as informações que enriquecessem sua possibilidade de dar ao homem explicações coerentes sobre si mesmo: o conjunto simbólico registrado numa carta astrológica natal indica a estrutura e a dinâmica básicas do sistema ao qual esta carta se refere e, portanto, aponta suas principais tendências.

Então, pôde-se deixar de supor que os “planetas” ali indicados causavam o que estava prognosticado para a existência daquele sistema (seja pessoa, empresa, país etc.), pois, ao contrário, apenas indicam as tendências do que ocorreria com aquele sistema em função de sua estrutura e de sua dinâmica próprias.

Consequentemente – e no que diz respeito a um indivíduo, âmbito exclusivo de preocupação da Astrologia Clínica, se fosse alterada a estrutura ou a dinâmica do sistema inconsciente de uma pessoa, seriam também alteradas as tendências daquele sistema pessoal e suas formas de comportamento, sempre a partir do confronto com os dados inequívocos de sua realidade humana (pessoal, familiar e social) e da opção responsável pelas várias atitudes de que é capaz.

Com isto, abalava-se o imobilismo e o fatalismo que por tantos séculos imperara na astrologia ocidental, abrindo a possibilidade de o ser humano, ao ter conhecimento consciente da estrutura e da dinâmica de seu próprio psiquismo, através da carta astrológica natal, interferir produtivamente em sua realidade interna inconsciente, a principal determinante de seu comportamento.

Muitos passaram a ser, então, os bioquímicos, neurologistas, psicólogos, psiquiatras e profissionais de outras áreas que colaboraram com o desenvolvimento da moderna Astrologia Clínica, cada vez mais voltada ao diagnóstico e à compreensão das razões internas do comportamento de uma pessoa e menos voltada a simplesmente apontar os tipos de acontecimentos que esta pessoa viveria em determinados momentos de sua vida.

Alexander Ruperti, André Barbault, Betty Lundsted, Geoffrey Dean, Gregory Szanto, Jeff Mayo, Howard Sasportas, Karen Hamaker-Zondag, Liz Greene, Michel Gauquelin, Noel Til, Robert C. Jansky, Robert Hand e Stephen Arroyo foram alguns dos matemáticos, psicólogos, bioquímicos, pedagogos e médicos que vieram enriquecendo esta nova possibilidade do pensamento astrológico, desde Dane Rudhyar.

Com isto, até o trabalho de astrólogos tradicionais, como Alan LeoCharles Carter, entre muitos outros, pôde ser retomado e enriquecido, agora sob novas luzes.

O Trabalho em Consultórios

Com uma sensível vantagem, fruto da ciência do Século XX: agora, as noções tradicionais — e principalmente as novas descobertas da astrologia — podiam ser checadas em consultório ou laboratório, para aferição de veracidade e ajuste de procedimentos, visando a seu constante aperfeiçoamento.

Afinal, se uma teoria não se ajusta à realidade, é a teoria que deve ser alterada, pois com certeza ela apresenta distorções conceituais, falsas premissas ou inverdades.

Assim, por exemplo, velhos axiomas astrológicos sobre a relação entre os símbolos astrológicos e certas funções corporais ou perfis de personalidade puderam passar a ser minuciosamente submetidos à verificação; para tanto, bioquímicos como Robert C. Jansky foram aos microscópios e tubos de ensaio e verificaram a veracidade daquelas suposições. Ao mesmo tempo, outros axiomas astrológicos prognosticavam disfunções orgânicas (de fundo emocional) em certos casos; psicólogos como Liz Greene ou Howard Sasportas e matemáticos estatísticos como Stephen Arroyo ou Robert Hand puderam verificar em consultório ou através de métodos psicométricos, apoiados na moderna informática, a veracidade daquelas afirmações.

Em outros casos, o tratamento de distúrbios emocionais ou mesmo orgânicos mostrou sensível ganho de eficiência com a utilização da astrologia como técnica auxiliar de diagnóstico, como o próprio Jung relata em alguns de seus ensaios.

E pouco a pouco se comprovou a extrema utilidade da ferramenta astrológica no diagnóstico das condições internas que determinam certas tendências pessoais, sejam elas comportamentais e de base psicoemocional, sejam elas somáticas e de base orgânica; boa parte de tais conquistas se deve a atividades em outras áreas de pesquisa científica, como Genética, Endocrinologia, Fisiologia Celular, Neurobioquímica, Psicobioquímica e demais áreas de estudo, que vieram enriquecendo sobremaneira o patrimônio de informações clínicas da moderna astrologia.

Agora, contando com instrumental poderoso de investigação, estudo, análise e registro de dados, inexistente anos atrás: computadores de avançada geração, moderníssimos laboratórios de exames, consultórios de atendimento médico ou psicológico, técnicas diagnósticas muito sofisticadas e fácil disseminação ou intercâmbio de informações entre cientistas de diferentes países, para consolidação de conhecimentos.

Para que a astrologia gradativamente ofereça mais e mais recursos de informação à ciência, atuando como vigorosa ferramenta de ampliação da possibilidade humana de interferir produtivamente em si mesma e na realidade que a cerca.

Astrologia e Psicologia, um Feliz e Natural Casamento

Porque, em última instância, o que se passa no inconsciente de alguém determina sempre como esta pessoa lidará consigo mesma e com as situações de vida nas quais estiver envolvida ou em relação às quais estiver disposta a se envolver.

Esta noção, somente tornada possível após o surgimento do estudo sistemático da realidade emocional, dentro da psicologia, inverteu radicalmente a visão que até então se tinha do ser humano e de suas manifestações de vontade, colocando em questão o que se pode chamar de determinismo e de livre arbítrio.

Com a constatação definitiva de haver instâncias inconscientes que determinam o comportamento, de base emocional e em geral mais poderosas do que as “escolhas”, “conclusões” ou “decisões” praticadas conscientemente, evidenciou-se a necessidade de desvendar e interferir no cenário inconsciente para devolver a cada indivíduo uma autonomia maior sobre as próprias ações — muitas delas motivadas por paixões, medos, raivas ou ressentimentos, mesmo quando a pessoa se diz estar isenta de tais emoções ou sentimentos ao tomar decisões.

Mas como saber exatamente o que se passa no inconsciente de alguém, se a própria pessoa o desconhece?

Se, em outras palavras, o conteúdo inconsciente é inconsciente para ela mesma?

E mais ainda: como definir o que é uma tendência natural ou um comportamento condicionado?

O que determina e o que, por outro lado, afirma o livre arbítrio?

Vontade: Esta Característica Humana

Ora, o que diferencia o ser humano de outras espécies terrestres é, acima de tudo, a possibilidade que ele tem de direcionar sua vontade pessoal.

Em outras palavras, a possibilidade de estabelecer para si mesmo um objetivo, reunir os elementos necessários para atingi-lo, mobilizar-se neste sentido e, todo o tempo, checar para ver se os resultados obtidos passo a passo não o estão na verdade distanciando do objetivo almejado.

Assim, “vontade” é igual a “desejo existente + objetivo visado + recursos necessários para tangê-lo + direcionamento de ações + avaliação de resultados”.

Colocado assim, parece fácil e simples; entretanto, observado mais de perto, vê-se que tal traço distintivo da espécie humana requer um nível de especialização de funções altamente sofisticado, que foi desenvolvido com o passar de muitos milênios e de inúmeras espécies vivas!

Requer perceber um desejo, assumir este desejo, definir qual objetivo o satisfaz, avaliar a situação, reunir as condições necessárias para atingi-lo, colocar em ação toda uma série encadeada de esforços, avaliar constantemente o que está sendo obtido e, sempre que preciso, alterar o sentido inicial ou a intensidade de cada ação, “corrigindo a rota” rumo ao alvo.

Entretanto, todos nós temos desejos conscientes e inconscientes ao mesmo tempo, muitas vezes contraditórios e por vezes até mesmo irreconciliáveis: sabe quando você diz que está com uma determinada “vontade”, mas se pega fazendo exatamente o contrário?

Pois é, é disto que estou falando.

E aí, como falar de vontade?

Melhor colocando, de qual vontade falar, na verdade?

Por séculos o ser humano discutiu esta questão; os filósofos gregos escreveram tratados e mais tratados sobre o assunto, inúmeros foram os escritores europeus dos Séculos XVII, XVIII e XIX que teorizaram a respeito, religiões inteiras se estruturaram com base neste tema e até a bem pouco tempo se acreditava que “basta querer para conseguir”.

Mas a prática mostra que não é bem assim!

As Diferentes Vontades Internas

Porque de nada adianta desejar alguma coisa conscientemente se inconscientemente se quer o contrário: mais forte que o desejo consciente, já que está fora da consciência e é, assim, autônomo, o desejo inconsciente se intromete, toma conta, obriga a ação e se impõe.

Com certeza, você já ouviu a frase “querer é poder”.

Pois é, este ideal voluntarista, que predominou por muitos séculos no pensamento ocidental, faz todo mundo acreditar que quem não consegue o que quer (pouco importa o que seja) não quis o suficiente ou estava enganado ao dizer que o queria.

Até que Freud e os primeiros psicólogos, desde os fins do século passado, demonstraram que sob o nível da vontade consciente residem instâncias psíquicas inconscientes com força suficiente para inverter o rumo das coisas sem que a própria pessoa o perceba; são os desejos inconscientes, atuando como vontade interior e “roubando” da vontade consciente o papel de principal definidora das formas de comportamento do indivíduo, independente de seu nível social ou cultural, faixa etária e sexo.

E se a psicologia freudiana demonstrou que mais poderoso do que o consciente é o inconsciente pessoal, a psicologia junguiana foi mais fundo e comprovou que sob o inconsciente pessoal quem domina mesmo é o inconsciente coletivo, uma somatória de conteúdos inconscientes que fazem parte da espécie humana e estão presentes em todo indivíduo!

Então, o ser humano pôde entender que é “duplamente determinado”, muitas vezes até mesmo contra seus desejos conscientes: mais superficialmente por seu inconsciente pessoal; mais profundamente ainda, por seu inconsciente coletivo.

Outro pesquisador da primeira metade do século XX, o geneticista húngaro Lipot Szondi, verificou a existência de uma “camada” intermediária no inconsciente humano, entre o pessoal e o coletivo, derivada de material genético transmitido familiarmente e compondo o que ele chamou de “inconsciente familiar”.

Szondi comprovou, após mais de trinta anos de estudos em laboratórios de pesquisa genética, que existe a transmissão, de pais para filhos, de “memórias emocionais derivadas de problemas fundamentais não resolvidos; segundo ele, todas as pessoas são também impelidas por conteúdos inconscientes resultantes de conflitos emocionais algum dia vividos por seus antepassados e não inteiramente resolvidos até o momento, razão pela qual foram transmitidos para as gerações futuras: assim, submetidas a “pulsões ancestrais que atuam inconscientemente, as pessoas “buscariam” determinados tipos de experiência de vida para tentar resolver certos tipos de conflitos emocionais que seus ancestrais não puderam ou não conseguiram resolver na própria vida.

Como falar, então, de “vontade pessoal”, se foi comprovando que toda pessoa atua sempre motivada por conteúdos psíquicos situados em quatro níveis simultâneos, três deles inconscientes (pessoal, familiar e coletivo) e apenas um consciente (a vontade racional)?

Para quem estranhe a afirmativa da existência de “genes de memória”, dois exemplos: quem já não ouviu falar do netinho que possui “manias idênticas” às do avô, por exemplo, sendo que este já estava morto quando o garotinho nasceu? E quem estranha que um músico tenha filhos ou netos também músicos, “passando adiante” o seu dom?

Como falar com mais segurança, então, sobre o tipo de desejo que move uma pessoa?

Qual objetivo ela terá, afinal, se provavelmente nem ela conhece a totalidade de suas razões inconscientes, sempre determinantes de seu comportamento individual?

Sinceramente você conhece alguma mulher que queira conscientemente só encontrar homens que sejam brutos no trato com ela? Na verdade você conhece algum homem que só deseje não dar certo no emprego?

O que, então, faz com que aquela mulher termine apenas com homens agressivos e que este homem só encontre serviços nos quais não se adapta bem ou não se sente feliz?

Certamente desejos inconscientes, como a psicologia moderna bem o sabe, que encaminham a ambos para escolhas bem distintas das que acreditam fazer!

A Identificação dos Desejos Inconscientes

Exatamente para isto, seguindo de perto a psicologia contemporânea, a astrologia tem muito a oferecer ao ser humano: a análise clínica de uma carta astrológica natal oferece a possibilidade de se descrever em detalhes a estrutura e a dinâmica de um inconsciente humano e, portanto, identificar quais desejos e inclinações inconscientes ali habitam e quais deles (ou com qual intensidade) são conflitantes com os desejos e inclinações conscientes da pessoa.

Em outras palavras: definir quais motivações básicas residem em um inconsciente, vigorosas a ponto de poder interferir no comportamento de uma pessoa e até mesmo fazê-la se comportar contra a própria vontade consciente.

Podendo ser utilizada como instrumento de diagnóstico (do grego dia, “através de”, e gnosis, “conhecimento”) da personalidade global de uma pessoa em qualquer época e independente de sua idade, sexo ou nível cultural, a Astrologia Clínica permite não só a realização de diagnósticos de personalidade — através da interpretação de cartas astrológicas natais —, para definição de características pessoais, potenciais existentes e bloqueios emocionais instalados, como também uma profunda compreensão do que realmente motiva uma pessoa em seus relacionamentos, sejam eles familiares, afetivos, sociais e mesmo profissionais ou societários — através de recursos especializados como as sinastrias e as análises de mapas compostos.

Mas a Astrologia Clínica oferece outro grande recurso de compreensão do que ocorre na vida de uma pessoa: a possibilidade de definir previamente, muitas vezes com meses ou até com anos de antecedência, como estará o seu psiquismo se comportando e o que a estará mobilizando em determinada época de sua vida.

Este trabalho, mais popularmente conhecido como “previsões”, recebe o nome técnico genérico de progressões e pode ser efetuado de diferentes formas ou com o concurso de diferentes técnicas, dependendo da metodologia empregada pelo astrólogo profissional que o realiza (progressões diretas, trânsitos, revoluções solares ou lunares, progressões por arcos reversos, etc.).

Para sua melhor compreensão, vejamos estas alternativas de diagnóstico e aconselhamento astrológico clínico.

Progressões Astrológicas: O Futuro no Presente

Vistas superficialmente, as progressões parecem apenas exercícios de “adivinhação” ou futurologia sobre a vida de alguém, numa tentativa de prognosticar o que lhe estará acontecendo em determinada época e permitindo-o se prevenir contra eventuais infortúnios — ou, se for o caso, preparar-se para aproveitar ao máximo a “sorte” futura!

Um misto de astrologia de almanaque e cartomancia barata…

Uma observação mais aprofundada, porém, apontará o fato de que por trás de cada acontecimento da vida de uma pessoa reside o misterioso fato de que o seu inconsciente, de um modo ou de outro, “colabora”: a pessoa atrai ou é atraída pelo evento, numa “teia mágica” (apenas porque mal entendida) de causas e efeitos. A sabedoria popular sabe disto à exaustão, e nos ensina com afirmações do tipo “ele procurou o azar”, “ele construiu o destino com as próprias mãos” e “no fundo, no fundo, era isto o que ele queria”.

O que as progressões apontam, então? Com a análise de uma carta natal astrológica e a identificação da dinâmica básica do inconsciente daquela certa pessoa, e a partir da verificação de como a sua carta natal se combinará com as cartas de instantes futuros no correr do tempo (através do contínuo movimento dos planetas nos céus), o astrólogo profissional é capaz de prognosticar quais conteúdos inconscientes estarão mais ou menos ativados num certo período da vida da pessoa e, portanto, quais eventos ela estará mais fortemente inclinada a viver naquele mesmo período, já que tais tipos de acontecimentos permitirão que aqueles conteúdos inconscientes sejam manifestados.

Por exemplo, imagine que a carta astrológica natal de alguém indique a existência de muita raiva inconsciente, originária de certos processos vividos por esta pessoa na infância e nunca melhor resolvidos; quando o astrólogo “progride” a Carta natal e percebe que os conteúdos inconscientes ligados a esta raiva estarão mais emergentes num determinado período, ele poderá interpretar esta “progressão” sinalizando à pessoa a necessidade de mais atenção consigo mesma naquela época específica, enquanto a tal raiva não for mais bem trabalhada, pois ela estará mais violenta ou irritadiça, propensa a brigas ou discussões sem razão aparente e inclinada a se envolver com situações de conflito ou até mesmo a provocá-las. Superficialmente, a pessoa estará “sujeita” a certos tipos de ocorrência, mas na verdade ela as buscará como pretexto para descarregar a tensão que a agressividade interna não resolvida produz!

Sabe aquela estória do “parecia que estava querendo caso”?

Ou, em outro exemplo, suponha que uma carta astrológica natal indique que em certa época a pessoa estará mais facilmente iludida sobre a natureza real de seus sentimentos, pela vigorosa emergência de conflitos afetivos inconscientes; o astrólogo profissional aconselhará seu cliente no sentido de não tomar decisões afetivas drásticas naquele determinado intervalo de tempo (casar-se, se separar ou ter filhos, por exemplos), pois passado aquele momento o que parecia decisão racional poderá se mostrar apenas confusão emocional ou necessidade de suprir velhas carências nunca satisfeitas.

E, num exemplo ainda mais trágico, suponhamos que a análise clínica de outra carta astrológica natal indica que em certo momento da vida de uma pessoa uma determinada estrutura inconsciente que a predisponha ao consumo de bebidas ou drogas, associada a uma forte inclinação a depressões profundas, em função de episódios de infância ou em decorrência de herança familiar, estará mais ativado; de posse destas informações, e numa delicada linguagem acessível ao cliente, o astrólogo profissional sugerirá (eventualmente até mesmo enfatizará, em casos extremos como este) a grande necessidade da pessoa se manter afastada, ao menos naquele período específico, de bebidas, drogas ou produtos farmacológicos de efeito psicoemocional, pois a chance de ocorrer uma overdose como tentativa inconsciente de suicídio é grande.

Obviamente, uma progressão de carta astrológica natal também pode ser muito útil para identificar aspectos auspiciosos: épocas de alargada capacidade pessoal de gerar empatia, épocas mais propícias para investimentos financeiros (maior sagacidade comercial e melhor capacidade de avaliação objetiva de situações), época de sensualidade mais emergente (intensa canalização de libido a serviço da sexualidade), época de melhor desempenho intelectual (aumento da capacidade de estabelecer conexões entre informações distintas).

Não importa qual, se conflituoso ou harmonizado, todos os conteúdos inconscientes do psiquismo humano estão sempre em constante movimento, querendo emergir para a consciência e ser integrados; neste movimento incessante e autônomo, independente dos objetivos conscientes do indivíduo, o inconsciente leva a pessoa a produzir ou a selecionar determinados eventos externos, como forma de viver experiências emocionais análogas ao conteúdo inconsciente que então está buscando expressão e forma.

Deste modo, o que as progressões astrológicas oferecem é a possibilidade de conhecer antecipadamente a qualidade a intensidade dos conteúdos que emergirão a cada fase da vida de um psiquismo e como fazer de cada um destes momentos uma oportunidade de crescimento e integração pessoais.

Chart of the planetary system, c 1850.

O Diagnóstico Pessoal de Personalidade

Por fim, dentro das alternativas de atendimento astrológico oferecidas pela Astrologia Clínica, temos a análise clínica de uma carta natal astrológica.

Todas as pessoas, ao nascer, já carregam em seu inconsciente determinados estilos fundamentais de comportamento psicoemocional, os quais compõem o seu tipo psicológico: são aqueles modos básicos de lidar com as diferentes situações da vida, decorrentes de material geneticamente disposto e tão diferentes de pessoa a pessoa que muitas vezes levam até mesmo dois irmãos a ser antagonicamente opostos em muitos aspectos desde bebês; denomino tais estilos fundamentais, altamente individualizados como traços estruturais de personalidade (porque proveem das estruturas psicoemocionais mais profundas).

Há um outro tipo de traço de personalidade, todavia, que não deriva diretamente do tipo psicológico individual e, sim, das características predominantes do meio ambiente daquela pessoa durante sua primeira infância e dos sentimentos que o contato com tais características do meio ambiente produziu; estes traços conjunturais de personalidade (porque decorrem da conjuntura ambiental atravessada pela criança) têm tanta “força” quanto os traços estruturais na determinação do seu futuro comportamento global.

É que, por terem se estabelecido muito precocemente, tais traços marcam o conjunto global de comportamentos da pessoa, estabelecendo um perfil e determinando a forma de relacionamento dos outros com ela, com o que eles são constantemente reforçados.

Tais traços conjunturais de personalidade derivam do contato direto com três fontes fundamentais de estímulos presentes no meio ambiente infantil: uma figura masculina predominante (em geral o pai, mas, por vezes, um avô, o padrasto, um tio ou um irmão bem mais velho), uma figura feminina predominante (em geral a mãe, mas, por vezes, uma avó, a madrasta, uma tia ou uma irmã muito mais velha) e o modelo básico de relação vivenciado pelo pai e pela mãe entre si e de cada um com a criança no correr da sua primeira infância.

Será o percebido pela criança nestas três fontes, principalmente do ponto de vista emocional e de comportamento manifesto (o que interessa é como eles se comportam e o que realmente sentem, e não o que dizem pensar, desejar ou estar sentindo), que a criança construirá modelos inconscientes de comportamento.

Porque a criança absorve a carga emocional de cada situação vivida por ela e introjeta em seu inconsciente estas cargas, acompanhadas de memórias inconscientes dos tipos de comportamento que ocorriam à sua volta quando tais vivências se produziram. Em outras palavras, “guarda” no inconsciente a memória de que “papai” ou “mamãe” se comportavam de tal ou qual forma frente a tal ou qual situação e se sentiam de tal ou qual maneira em tal ou qual ocasião; com estas memórias inconscientes condicionando suas formas de comportamento, futuramente a criança se comportará de forma análoga (porque foi condicionada) frente a situações também análogas, mesmo sem saber o que a está levando a se comportar daquela maneira.

Agindo, pensando e sentindo de forma a reviver o mesmo tipo de sentimentos que viveu quando criança, num movimento que Freud chamou de compulsão à repetição, o adulto termina prisioneiro de algumas poucas e determinadas possibilidades de resposta ou de comportamento: é que tais matrizes inconscientes permearão daí por diante todas as suas situações de vida, do desempenho sexual às formas de convívio, da atuação intelectual à manifestação de assertividade, das preferências afetivas à vivência de sua criatividade, da inclinação por esta ou aquela atividade religiosa à forma como se relaciona com o próprio corpo, e assim por diante, obrigando-o a agir, sentir ou pensar sempre de forma rígida, mesmo quando uma análise mais madura indica a necessidade de mudança.

Pense na criança que cresceu em um ambiente no qual o pai manifestava uma profunda depressão pessoal, enquanto a mãe se dispunha a se sacrificar por ele, embora reclamando por isto e se mostrando infeliz: se menino, esta criança futuramente tenderá à depressão e a sentir-se incapaz de autossustentação em momentos de maior tensão pessoal, buscando parceiras “capazes de qualquer coisa” para ajudá-lo, mas sempre reclamando e se sentindo infeliz; se menina, esta criança futuramente se inclinará a buscar parceiros que dela precisem “desesperadamente” todo o tempo, nem que para isto ela tenha de abrir mão de seus mais valiosos projetos pessoais, numa postura martirizada que só a infelicita mas a impede de alterar objetivamente a realidade.

Pense na criança que cresceu em um ambiente no qual, ao contrário, o pai atravessava uma fase de vigorosa expansão pessoal, mas tratava sua mulher como mera servidora de seus desejos e não como companheira de crescimento: se menino, esta criança futuramente tenderá a buscar parceiras sobre as quais impor todo o tempo sua vontade, mesmo nos momentos de maior tranquilidade e segurança pelos quais atravesse; se menina, esta criança futuramente tenderá a buscar parceiros que tenham um vigoroso movimento de expansão pessoal, embora a mantendo à margem deste processo e apenas utilizando-a como “servidora”.

Pense na criança que cresceu em um ambiente no qual o pai era “possuído” por constantes e profundos sentimentos de ser capaz de qualquer realização, obrigando todos os familiares a se sacrificar por todo projeto que ele tivesse em mente: se menino, futuramente esta criança acreditará ser capaz de arrostar qualquer desafio, mesmo quando existam evidências reais de fracasso, pouco se importando se em sua “luta” arrasta todos os familiares a uma vida de constantes imprevistos e sobressaltos; se menina, futuramente esta criança buscará “heróis vencedores” que sempre tenham em mente “projetos espetaculares”, mesmo que ela tenha de com frequência abrir mão de suas próprias necessidades e desejos para “segurar a barra”.

Ou pense na criança que cresceu em um ambiente no qual a mãe era presa constante de medos fantasiosos, ao mesmo tempo em que tinha acessos obsessivos de limpeza e, com isto, atraía a ira do marido, que nunca podia estar à vontade em casa: se menino, futuramente esta criança buscará parceiras ansiosas e medrosas, ao mesmo tempo em que compulsivamente se dedicam a limpar e arrumar tudo o que estiver à sua volta, não o deixando em paz e nunca lhe permitindo maior liberdade doméstica; se menina, futuramente esta criança buscará parceiros que desarrumem com frequência o que ela está sempre limpando e arrumando, ao mesmo tempo em que será presa de verdadeiro pânico com as crianças ou o próprio companheiro, roubando-lhes qualquer possibilidade de espaço pessoal.

Tais situações, tão comuns, são apenas alguns retratos superficiais e parciais dos inúmeros padrões que se estabelecem no inconsciente de uma criança durante sua primeira infância (zero a quatro anos de idade) e passam a estabelecer daí por diante as suas formas de comportamento.

Porque todas as esferas da vida individual são decididas de antemão (quando comparadas às decisões conscientes, mais superficiais) pelo conjunto de forças e imagens dispostas no inconsciente; e por isto uma pessoa não obtém mudanças verdadeiras ou duradouras em seu comportamento (sexual, sensual, intelectual, afetivo, assertivo, criativo, familiar, profissional ou até mesmo espiritual) se ela não processar alterações profundas nestas disposições inconscientes, as suas reais matrizes de comportamento.

Alterações que, enfim, se tornam facilitadas pelo diagnóstico da estrutura e da dinâmica global de sua personalidade: com este diagnóstico, a pessoa e um eventual terapeuta  sabem de antemão “o quê e onde mexer”, de forma a poder trabalhar com maior eficácia para que se recobre o equilíbrio algum dia comprometido e se escape aos ciclos viciosos que sempre tolhem as possibilidades de escolha pessoal.

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O Papel das Pulsões no Inconsciente Humano

Dizia Freud que para o psicanalista “não existe nada insignificante, arbitrário ou casual nas manifestações psíquicas, vendo sempre um motivo suficiente em toda parte, onde habitualmente ninguém pensa nisto; o psicanalista até aceita a existência de causas múltiplas para o mesmo efeito, enquanto nossa necessidade causal, que supomos inata, se satisfaz plenamente com uma única causa psíquica”. O que ele queria dizer com isto?

A afirmação, de 1910, na terceira das Cinco lições de psicanálise, pertence aos primórdios da Psicologia Contemporânea e assumia a hipótese, comprovada com o passar do tempo, de que o psiquismo atua sempre a partir de inúmeros objetivos simultâneos, razão pela qual o comportamento humano nunca é decorrente de uma causa só, seja ela qual for e esteja ou não a pessoa consciente da totalidade dos motivos que impulsionam seu comportamento.

Isto ocorre porque o psiquismo está todo o tempo empenhado em satisfazer desejos conscientes ou inconscientes do indivíduo, tidos por si mesmo como a melhor resposta a cada situação de vida; assim, da mesma forma que os diferentes instintos atuam para atender às necessidades associadas mais diretamente à esfera somática (ou corporal) do organismo e da espécie, como alimentar-se, manter-se a salvo de destruição física, proteger a prole e reproduzir-se, as pulsões atuam no psiquismo de forma a satisfazer desejos ou necessidades de ordem psíquica e emocional.

São manifestações das pulsões, entre outras, os comportamentos rumo à busca de prazer, de convívio social, de expressão da própria vontade (ou desejo), de afeto (corporal ou não), de exposição ao meio de produtos mentais (conceitos, ideias, opiniões) e de vivência dos fenômenos ainda chamados “espirituais” em nossa cultura, sejam os religiosos, sejam os derivados de percepções extra-sensoriais.

E o que tem isto a ver com a astrologia?

O que tem a ver Marte, Lua, Escorpião, Áries, Saturno, Vênus ou qualquer outro símbolo astrológico com isto tudo?

É que com o passar dos séculos os principais tipos de comportamento humano induzidos pelas pulsões psíquicas foram descritos na astrologia através de seus símbolos, mesmo que muito tempo atrás não se soubesse nada disto, dada a muito recente sistematização da psicologia; os homens mais antigos só tinham como elementos básicos de suas concepções os fenômenos que eles observavam nos indivíduos e pouco a pouco foram relacionando os símbolos astrológicos com as formas de comportamento percebidas, sem saber que estavam, na verdade, apontando a existência de causas inconscientes por trás de cada ação ou reação percebida e a múltipla combinação possível entre todas as pulsões existentes.

Como sabemos hoje em dia, também através de Freud (em sua primeira lição de psicanálise), que “num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes, sem que um nada saiba do outro e que podem alternar-se entre si em sua emersão na consciência”, ocasião na qual determinam as formas manifestas de comportamento ou as formas internas de pensar e sentir do indivíduo são estes os principais impulsos psíquicos básicos determinados pelo Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Vênus, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Plutão e todas as possíveis combinações entre eles, os planetas, ou elas, as pulsões.

Os Planetas, Símbolos de Impulsos Psíquicos

O Sol simboliza numa carta astrológica natal o padrão global de estruturação de ego da pessoa, isto é, daquela instância que é o centro da consciência e serve como ponto central de referência na psique para a organização de todos os recursos disponíveis ao atingimento dos objetivos e à satisfação dos desejos do indivíduo.

Assim, compete ao ego de uma pessoa coordenar o conjunto de suas atividades psíquicas em quaisquer momentos da vida, mantendo a noção individual de identidade desta pessoa (noção de Eu) e possibilitando a tentativa organizada de satisfação dos seus desejos e necessidades; em outras palavras, o Sol (ariano, taurino, geminiano, canceriano, etc.) indica o padrão global de resposta do ego da pessoa a eventos exteriores e vivências internas (emoções, sentimentos, conclusões, lembranças, etc.) de acordo com predisposições inatas.

Ao mesmo tempo, o Sol indica o “caminho” a ser seguido no trabalho de integração das outras instâncias do psiquismo, por mais distintas que estas instâncias pareçam ser, pois harmonização, organização de si mesmo e integração internas são impulsos psíquicos cujo símbolo é o Sol; por isto cada signo (o que determina um signo é a colocação do Sol no Zodíaco no momento exato do nascimento) apresenta uma forma básica própria de lidar com a realidade externa e interna, independentemente da variação nos detalhes de como isto é feito.

Já a Lua simboliza numa carta astrológica natal o padrão básico de vivência emocional instintiva, também variável de pessoa para pessoa, dependendo do signo onde a Lua está colocada (e dos aspectos que apresenta), com o qual a vivência consciente do indivíduo se combina para que o todo psíquico possa se manifestar a cada momento da vida.

A Lua informa muito tanto sobre a natureza emocional genuína quanto sobre os padrões condicionados de resposta emocional que a pessoa desenvolveu no correr da primeira infância (indicando até, muitas vezes, o conjunto de experiências emocionais intrauterinas que a criança atravessou e, de alguma forma, a modelaram emocionalmente).

O terceiro planeta no Zodíaco, Mercúrio, simboliza para o astrólogo clínico o conjunto de funções humanas associadas às atividades de pensar, refletir, analisar e trocar informações com o meio ambiente.

Simboliza, na verdade, o impulso básico humano no sentido destas atividades; porque, segundo a psicóloga junguiana norte-americana Maria Esther Harding, “em consequência da premência em considerar as experiências vividas, submetê-las aos olhos da mente e transmiti-las a outros, os primitivos instintos humanos (e somente no caso dos humanos) foram submetidos a certo grau de mudança, tendo sido, em alguma extensão, privados de seus mecanismos involuntários. Gradualmente foram se subordinando às necessidades da mente, em vez de permanecer eternamente atrelados a não-psique, isto é, à vida animal”.

Este comportamento psíquico no sentido de absorver intelectualmente as experiências, processá-las racionalmente, descrevê-las através de algum código de comunicação e transmiti-las aos outros ou a si mesma (como quando a pessoa fala consigo, tentando entender melhor alguma coisa), é próprio das funções que Mercúrio simboliza numa carta astrológica natal.

Vênus já nos oferece outra dimensão da experiência humana, qual seja a de estabelecer valores afetivos (e mesmo estéticos) para os fenômenos vivenciados e de receber ou expressar afetos, isto é, esta valoração. Quando alguém diz “disto eu gosto” ou “aquilo me incomoda”, está estabelecendo, a partir do que experimenta como sentimento, um valor afetivo (ou mesmo estético) para os eventos, pessoas e objetos de que se cerca, quer expressando ou não o que sente.

Três observações cabem aqui:

A. Quando a psicologia se refere a afeto, não está falando obrigatoriamente de querer bem: este é apenas um tipo de vivência afetiva: odiar, temer ou desejar, entre muitos outros, também são vivências afetivas.

B. Quando a psicologia se refere a objeto, não está mencionando especificamente um objeto inanimado; objeto é o que permite a uma pulsão atingir seu alvo, isto é, satisfazer-se, seja ele uma pessoa, um animal, uma circunstância, um objeto inanimado e até mesmo um dado imaginário da realidade.

C. Quando eu afirmei acima que a pessoa pode expressar ou não seu afeto, isto não quer dizer que ela só possa fazê-lo através de suas funções mercuriais, isto é, pensando, entendendo e falando do que sente; ao contrário, vivências afetivas espontâneas podem e devem ser transmitidas ou percebidas através do corpo e dos gestos, utilizando-se os sentidos envolvidos com o toque e com os movimentos corporais. Tais manifestações de sensualidade (do latim sensuale, relativo aos sentidos, e por isto não confundir com sexualidade) são manifestações de Vênus numa carta astrológica natal.

Por fim, quanto às funções envolvidas com a sexualidade e a sensualidade humanas, Vênus informa o padrão global de organização, numa pessoa, dos aspectos passivos de sua sexualidade e sensualidade (presentes em homens e mulheres igualmente, embora variando em grau de pessoa para pessoa): o desejo de ser desejada por seu objeto de afeto, donde as funções psíquicas que Vênus simboliza estarem diretamente ligadas à sedução ou às ações que objetivam tornar a pessoa mais atraente.

Já Marte, neste aspecto específico, simboliza o pólo ativo da sensualidade e da sexualidade humanas, pois indica sempre o impulso de conquista do objeto desejado; ao mesmo tempo, simboliza também numa carta astrológica natal o impulso básico de manifestação de si mesmo no mundo exterior (assertividade) e de se envolver direta e pessoalmente com qualquer experiência de vida.

Como os impulsos sexuais e de conquista do objeto de desejo derivam da mesma fonte instintiva, chamada pulsão sexo-agressiva, vontade e sexo andam juntas no psiquismo humano e numa carta astrológica natal. É que um poderoso impulso de se afirmar no mundo exterior reside na psique; este impulso, nos primeiros anos de vida, manifesta-se em uma de suas duas “especializações” distintas, a assertividade: é quando a criança tenta impor ao meio ambiente os seus desejos e vontades, buscando afirmar-se no mundo. Um pouco adiante, por volta dos quatro anos (e mais ardentemente na puberdade e na adolescência), este mesmo impulso manifesta sua segunda “especialização”: o impulso sexual de conquista do objeto de desejo, sendo este objeto, em geral, quem parece prometer a satisfação da descarga de tensão sexual.

Por tudo isto Marte indica em uma carta astrológica natal o padrão global de manifestação da assertividade e do impulso ativo sexual, enquanto características humanas que permitem a interferência do indivíduo no meio ambiente e na própria vida.

Além de Si Mesmo, os Outros

Mas se na evolução da nossa espécie tais impulsos foram se estabelecendo como características do psiquismo humano foi também se tornando obrigatório o “balanceamento” entre nossas necessidades individuais (fundamentais à sobrevivência de cada pessoa) e grupais (vitais à preservação da espécie).

Afinal, o ser humano é um ser gregário e desde sempre viveu comunitária ou socialmente, razão pela qual o convívio harmonioso com os outros é um dado vital ao seu psiquismo.

Harmonia, entendida como a convivência equilibrada e produtiva de diferenças, e não como uma utópica inexistência de conflitos; aliás, a palavra equilíbrio vem do latim eqüi e librium,pesos iguais, e pressupõe a existência de algum nível de tensão entre diferenças.

Do convívio social e das pressões individuais decorrentes deste convívio brotaram os impulsos internos de busca de justiça, de normatizar a realidade, de estabelecer inter-relações entre as partes e o todo e de construir explicações lógicas para estas mesmas inter-relações: nasciam com isto os impulsos internos para a religião, a filosofia, o direito e, mais modernamente, os “conhecimentos superiores”, de espectro mais amplo de conhecimentos.

Este conjunto de impulsos é simbolizado numa carta astrológica natal por Júpiter; não fossem tais atividades psíquicas, as manifestações da pulsão sexo-agressiva (simbolizada por Marte) dificilmente seriam canalizadas adequadamente ou submetidas a dogmas, tabus, convenções e códigos de conduta, necessários, todos, à vivência e sobrevivência grupal.

Júpiter também simboliza o impulso básico de ampliar o espaço de experiências de vida, ou “horizonte pessoal”, razão pela qual este planeta se “associa” aos movimentos de magnificação das coisas e dos processos através de longas viagens externas (largos deslocamentos da pessoa pela superfície terrestre) e internas (aprofundamentos especulativos e filosóficos), sempre como forma de ampliar o universo de referências básicas de vida.

Mas nesta mesma faixa de experiências surgiu também, com o passar do tempo, outro poderoso impulso interno, qual seja o de privilegiar a realidade objetiva das coisas e dos processos, visando impedir que o indivíduo alargasse desmedidamente o seu próprio ego: simbolizado na carta astrológica natal por Saturno, esta instância psíquica representa o superego e seu conjunto de funções de contato com a realidade objetiva das limitações internas e externas vividas.

Cabe lembrar aqui que superego é expressão criada por Freud para nomear a instância psíquica inconsciente que bloqueia ou censura na própria pessoa certas formas de comportamento e a admissão consciente de determinadas vivências internas pessoais, consideradas erradas, injustas ou não-éticas de acordo com o conjunto de padrões de comportamento absorvido durante a infância. Esta instância, sempre atuando no inconsciente como representante de uma natureza superior que deve ser respeitada quase a qualquer preço, é extremamente útil e necessária ao desenvolvimento adequado do ego, pois é o “teste da realidade” através de constante aprendizado, o que só se consegue com paciência, tempo e experiência.

Afinal, o ego, em seu processo de formação a partir dos impulsos informes do inconsciente, sempre se expõe a incontáveis riscos de dissolução frente a impulsos energeticamente mais fortes (porque afetivamente mais carregados); daí o surgimento de mecanismos de proteção como o superego, através das defesas e das regras proibitivas internas, permitindo ao ego se estruturar gradualmente e se opor sempre que necessário aos impulsos inconscientes mais profundos, que só “buscam” sua própria satisfação e exatamente por isto ameaçam a sobrevivência e a harmonia do todo psíquico.

Os Impulsos Cósmicos ou Transpessoais

Além do indivíduo e do grupo, todavia, há uma dimensão de mundo que atrai a alma humana — ou psyché, como a chamavam os gregos — com verdadeiro poder de fascínio e sedução: a dimensão da Mente Impessoal, da Afetividade Impessoal e do Poder Impessoal, características do divino que habita em cada um de nós.

Lembra o Budismo Mahayana, uma das principais correntes do Zen-Budismo, que o estágio de desenvolvimento do Homem de Conhecimento Normal é atingido pelo conhecimento da realidade, mas o estágio do Homem de Conhecimento Superior é obtido apenas pela transcendência desta mesma realidade; esta transcendência, então, só é possível para o psiquismo humano através dos impulsos inconscientes simbolizados numa carta astrológica natal por Urano, Netuno e Plutão, os três planetas “exteriores” ou “transpessoais”, impulsos estes próprios das camadas psíquicas mais profundas e, por tal razão, ainda informes e não pessoalizados.

As dimensões transpessoais apontadas por Urano, Netuno e Plutão são aquelas que se aproximam de possibilidades humanas até há bem pouco tempo sugeridas apenas pelas religiões ou pelas práticas espirituais: são os elos de ligação do psiquismo individual com a dimensão universal da Vida e ao mesmo tempo com todas as formas de manifestação desta mesma vida, estejam ou não ao alcance dos sentidos mais comuns como audição, tato, visão, paladar, olfato e cinestesia (do grego kinesiseisthesis, de kinesis, movimento, e eisthesis, sentido; “o sentido do movimento” em geral atua nas articulações e tem por função informar ao corpo a posição de seus componentes no espaço em todos os momentos; este sentido é o que permite a você tocar o próprio nariz ou queixo com os olhos fechados, “sabendo” onde está sua mão e dedo a cada instante).

Estes impulsos transpessoais atuam de forma a permitir ao psiquismo entrar em contato com dimensões da realidade que não são perceptíveis ou descritíveis com nossas noções mais comuns de tempo e espaço, pois tempo, espaço e matéria, como os conhecemos, são convenções do nosso ego e não realidades únicas em si, como a física moderna não se cansa de demonstrar; da mesma forma a noção de individualidade que temos como entidades separadas de todo o resto é mera ilusão em níveis além daqueles do ego, já que é função do ego pessoalizar tudo com o que se conecta através das funções egóicas representadas ou simbolizadas pelos planetas pessoais: Sol, Lua, Mercúrio, Vênus e Marte (e, certa medida, Júpiter e Saturno).

Por isto, lembrando apenas que as psicologias transpessoais buscam ultrapassar esta fantasia de separatividade que o ego humano mantém, veja o que diz o psicólogo norte-americano Abraham Maslow sobre a possibilidade de fusão com o Todo, em seu livro The farther reaches of human nature: “Há agora menos diferenciação entre o mundo e a pessoa. Esta se torna um eu ampliado. Identificar o que há de mais elevado no próprio ser com os valores supremos do mundo exterior significa, ao menos em alguma medida, uma fusão com o que não é o próprio ser”.

Para esta identificação com o Todo — mais possível para alguns, menos possível para outros, segundo sua disposição psíquica inata — existem os impulsos psíquicos transpessoais: graças à sua atuação, o indivíduo supera os limites da identidade egóica e mergulha num mar de indiferenciada participação no Todo, um Todo que é para o ego, num mesmo e só momento, aqui, lá e acolá, ontem, hoje e amanhã.

Porque, apenas recordando que Freud descreveu este estado de indiferenciação como sentimento oceânico (embora o apontasse como um estágio imaturo do desenvolvimento psíquico), transcrevo aqui o psicólogo norte-americano Ken Wilber, um dos mais importantes teóricos das psicologias transpessoais: “para onde quer que olhemos na natureza não vemos senão totalidades. E não apenas totalidades, mas totalidades hierárquicas: cada uma delas é parte de um todo maior, que também é parte de um todo ainda mais amplo. Além disso, o universo tende a produzir totalidades de nível cada vez maior, cada vez mais abrangentes e mais organizadas. Esse processo cósmico geral não é senão a evolução. Como a mente ou psique humana é um aspecto do cosmos, seria de esperar que encontrássemos na própria psique o mesmo arranjo hierárquico de totalidades no interior de totalidades, da mais simples e rudimentar à mais complexa e abrangente. De modo geral, esta é exatamente a descoberta da psicologia moderna. Assim, numa aproximação geral, podemos concluir que a psique — tal como o cosmos — é multinivelada (pluridimensional), composta de todos, de unidades e de integrações de ordem sucessivamente mais elevada”.

Ora, se os impulsos psíquicos que vimos até aqui, simbolizados pelo Sol, pela Lua e por Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, só permitem ao ser humano apreender as dimensões da realidade mais afins ao seu ego, sempre unidimensional e limitado, e há dimensões ainda desconhecidas de realidade, como as ciências contemporâneas comprovam a cada instante, outras funções haveriam de existir para permitir a vivência destas outras dimensões da realidade que nos cerca, alimenta e faz viver. Tais funções existem graças aos impulsos psíquicos transpessoais, dos quais falaremos ao discutir Urano, Netuno e Plutão.

As Oitavas Superiores do Psiquismo Humano

Tradicionalmente, Urano, Netuno e Plutão foram considerados as oitavas superiores de Mercúrio, Vênus e Marte, respectivamente. Mas o que isto quer dizer?

Em música, uma nota oitavada é estruturalmente a mesma nota (isto é, mantém a mesma relação proporcional entre a frequência e o comprimento de suas ondas), mas vibra em uma frequência muito mais alta. Como exemplo, um “lá” de oitava mais alta parece aos ouvidos humanos um som mais agudo do que um “lá” de oitava mais baixa, isto é, as ondas sonoras que o “lá” oitavado produz vibram com uma frequência maior e produzem no ouvido humano uma sensação auditiva que chamamos de mais aguda ou menos grave.

Assim, se Mercúrio simboliza as funções humanas de percepção intelectual da realidade, de capacidade de pensamento sobre ela e de transmissão aos outros dos diferentes produtos mentais (impressões, conclusões, ideias, etc.), Urano simboliza a capacidade de executar as mesmas tarefas num nível transpessoal: o impulso mercurial, de pensamento voltado a particularidades, processos e minúcias, encontra uma finalidade e uma abrangência maiores ao se transformar em pensamento uraniano, superando então os limites convencionais do mundo material, que para o ego são sempre dependentes das quatro dimensões por ele definidas como altura, largura, comprimento e tempo.

Urano simboliza a capacidade humana de ter flashes de intuição que desafiam abertamente os conceitos tradicionais de espaço e tempo, estando na raiz da percepção intuitiva de existir algo mais no Universo do que apenas os fenômenos acessíveis aos órgãos sensoriais mais comuns (e seus prolongamentos artificiais, como os instrumentos científicos criados pelo ser humano para aumentar a sua capacidade sensorial).

Não por outra razão Urano esteve desde sempre associado à magia, ao estudo do oculto e à paranormalidade que se manifesta através de efeitos objetivos (telecinesia, ou produção de efeitos físicos à distância, tiptologia, ou produção de ruídos à distância, desmaterialização e rematerialização, etc.).

Da mesma forma, Netuno é a oitava mais alta de Vênus. Isto é, neste penúltimo planeta encontramos o símbolo do impulso transpessoal humano de valorização afetiva impessoal ou transpessoal, existente em todo psiquismo: desta forma, receptividade, senso estético, imaginação criativa, o instinto do belo e afetividade são atributos venusianos que se expandem para limites impessoais em Netuno, como se a psique, em seus estratos mais profundos, ansiasse por reviver o estado indiferenciado de emoções e sentimentos que ao mesmo tempo caracteriza o início da vida — a fase intrauterina ou, para os espiritualistas, a fase espiritual pré-incorporação — e permite ao indivíduo viver tal estado no seio da coletividade como um todo.

Netuno simboliza também as funções psíquicas que permitem ao ser humano a experiência de fenômenos paranormais de efeito subjetivo (telepatia, ou comunicação à distância, precognição, ou conhecimento antecipado de fatos e eventos, premonições, etc.), assim como parece estar relacionado diretamente com as manifestações mais vigorosas de devoção espiritual.

Tais atributos uranianos e netunianos, ou as funções de Mente Impessoal e Afetividade Impessoal, devem ser acessíveis ao consciente pessoal apenas à medida que o ego vá se estruturando; se não for assim, as funções egóicas de pessoalização, fundamentais para um pleno e produtivo contato com a realidade (ao nível que o ego trabalha), se comprometem, dando margem ao que conhecemos como surtos de esquizofrenia ou episódios psicóticos, dada a força destes impulsos e a invasão descontrolada dos conteúdos que eles mobilizam no campo da consciência.

Caso, contudo, a emersão e a plena vivência destes impulsos se dê em um campo de consciência estabelecido e mantido estruturado pelo ego e superego (Sol e Saturno), torna-se possível ultrapassar o ego sem destroçá-lo e viver o que atualmente se chama de estados alterados de consciência, que operam em níveis mais elevados de energia psíquica do que o estado comum egóico de consciência, levando o ego a se fundir com o Todo sem que com isto o ego se desestruture ou tenha sua função pessoal e individualizadora comprometida.

Mas ainda há um outro desafio, que merece todo o cuidado possível: o contato mais pleno do ego com os impulsos psíquicos que proveem do inconsciente coletivo (e se mantêm fora do campo de consciência graças a barreiras e defesas internas como o superego) permite também contatar um imenso complexo de poder de base fortemente instintiva, necessário para vitalizar a psique como um todo e dar ao ser humano condições de se manifestar ativa e assertivamente no mundo exterior.

Este complexo de poder nada mais é senão a quantidade de energia instintiva que está à disposição da psique para seu trabalho de estruturação do conjunto de suas instâncias e funções, também chamada libido, que é sempre uma energia indiferenciada de base instintiva e, por isto, se manifesta como Poder Impessoal.

Aliás, um dos principais motivos do rompimento entre Freud e Jung foi a insistência de Freud em atribuir à libido a função exclusiva de energia a serviço da sexualidade, quando Jung a entendia como energia a serviço do conjunto global das necessidades psíquicas, sendo orientada internamente de acordo com as prioridades do próprio psiquismo.

Descrito tradicionalmente como a oitava superior de Marte, Plutão simboliza este impulso totalmente impessoal que reside nos estratos mais profundos do psiquismo humano: um complexo de poder atávico, indiferenciado e irrevogável, tanto quanto o era, na mitologia grega, Hades, o deus do mundo subterrâneo (Plutão, para os romanos). Basta lembrar que nem seus irmãos míticos — Zeus (Júpiter, para os romanos) e Poseidon, ou Posídon (Netuno, para os romanos) — desafiavam sua palavra, já que Hades (Plutão) representava a força que vigora no mundo das trevas do inconsciente Primordial e é mais poderosa até do que a de Zeus, Deus da Luz, da superfície da Terra e das realizações humanas.

Em outras palavras, e tentando resumir este misterioso impulso da psique, totalmente mergulhado no inconsciente coletivo e além das possibilidades de plena compreensão pelo ego, o Poder Impessoal que Plutão simboliza é aquele impulso necessário para vitalizar a psique como um todo e mantê-la ativa no processo de individuação, isto é, de a pessoa poder vir a ser o que realmente é além dos processos de condicionamento a que tenha sido submetida desde a concepção.

O risco, todavia, é o ego ter tal poder impessoal contaminando suas funções pessoais, identificando-se com ele e julgando-se seu “dono” ou “portador”, ocasião na qual a pessoa “enlouquece” ou “é possuída” e acredita “ter” os poderes ali pressentidos: aí então, atuando sob o comando de um ego estilhaçado por um impulso impessoal, o indivíduo atua como se fosse Herói, Mago, Seguidor, Demônio, Salvador, A Grande Vítima, Redentor ou outra imagem arquetípica qualquer, dependendo de qual impulso ou conteúdo transpessoal contaminou seu ego, despersonalizando-se e perdendo a possibilidade de evoluir ordenadamente, ao se deixar ofuscar por este poder ao invés de ser por ele fortalecido.

Entretanto, Plutão também representa a Fênix, o pássaro mitológico (egípcio) que todos os dias reconstruía seu ninho apenas para vê-lo se consumir (e a ela também) pelos raios do sol do dia seguinte: graças a esta energia infindável residente nas suas camadas mais profundas e coletivas, a psique individual pode destruir formas velhas e adotar formas novas, se necessário implodindo estruturas inteiras para que o ego atue a partir de novas e (até então) insuspeitadas possibilidades.

De certa maneira, Plutão simboliza também a figura de Satanael, ou Satã, o mais bonito dos anjos, filho de Deus e irmão gêmeo de Emmanuel, que ao desafiar o Homem a questionar as Leis Divinas o impele a maiores valores, frutos da descoberta que é sempre filha do conflito entre opostos.

Este “poder plutônico” é o impulso vital que, das mais profundas instâncias inconscientes, impele a psique como um todo a um movimento sem fim de morte e renascimento, em transição e adaptação constantes, através da integração de todos os seus componentes, sejam instâncias, sejam conteúdos, num todo orgânico vibrante e mutável.

Mas que, ao contaminar as funções pessoalizadoras do ego (ao fazer na carta astrológica natal aspectos com os planetas pessoais), atribui a estas funções as dimensões ou atributos de Mente, sentimento ou Poder Impessoal que na verdade elas não têm.

Quando a astrologia tradicional afirmava que os planetas exteriores ou transpessoais não tinham importância alguma na interpretação de uma carta astrológica natal, posto estarem ligados às necessidades de gerações inteiras e não a um indivíduo determinado, isto pertencia a um tempo em que nada se conhecia sobre o inconsciente profundo ou sobre as instâncias, pulsões e funções do psiquismo; hoje, ao contrário, se sabe que tais planetas são muito importantes, especialmente se eles estão em contato direto com os planetas pessoais na carta astrológica natal, por simbolizarem funções egóicas de alguma forma alteradas por conteúdos e impulsos muito mais profundos e potentes, que devem ter encaminhamento adequado pelo indivíduo.

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