Traduções

Astronomia e Astrologia na Mesopotamia

γ

David Brown

Wolfson College
Oxford, March 2000
BIBLIOTHECA ORIENTALIS LVIII N° 1-2, januari-april 2001

υ

Tradução:
César Augusto – Astrólogo

φ

Quando Schumann fez sua resenha sobre os Prelúdios, Op. 28, de Chopin, logo após a sua publicação em 1839, ele observou: “Os filisteus devem se manter afastados!” O mesmo poderia ser dito de Astral Sciences in Mesopotamia, de Hunger e Pingree. Apenas após alguns anos de imersão nas intricadas nuances da língua cuneiforme, e de enfrentar as dificuldades dos métodos matemáticos utilizados, foi possível alcançar algum entendimento do material astral mesopotâmico. E, se esses documentos devem ser apreciados não apenas por seus próprios méritos, mas também em termos de seu papel e importância quando foram escritos, uma exposição prolongada ao que se conhece da cultura mesopotâmica antiga é absolutamente essencial. Nada disso é surpreendente para uma disciplina tão esotérica quanto a Assiriologia. No entanto, é algo digno de nota no que diz respeito à astronomia mesopotâmica, em particular, e vai ao cerne do problema que se encontra por trás de Astral Sciences. Descrições da astronomia e astrologia cuneiformes feitas por estudiosos que pouco conhecem da disciplina, porque nem sequer se deram ao trabalho de ler as melhores fontes secundárias, quanto mais as primárias, aparecem em todos os livros de “história da ciência” de terceira categoria. Na verdade, existem duas ciências astrais mesopotâmicas — uma que aparece nos capítulos introdutórios dessas histórias gerais, baseada em interpretações recicladas de Science Awakening 2: The Birth of Astronomy (1974), de B.L. van der Waerden, ou até mesmo de The Exact Sciences in Antiquity (2ª edição, 1957), de O. Neugebauer — e outra guardada pelos assiriólogos e por poucos historiadores da astronomia.

Assim como o artigo de C.B.F. Walker e J. Britton, “Astronomy and Astrology in Mesopotamia”, em Astronomy before the Telescope, Astral Sciences in Mesopotamia servirá, em parte, para preencher a lacuna entre a compreensão popular, amplamente eurocêntrica e datada, da astronomia-astrologia mesopotâmica, e a que está gradualmente emergindo do campo da Assiriologia, pois se destina tanto a especialistas quanto a não especialistas, mas é escrito por dois dos mais renomados estudiosos da área — um deles, conhecido por seu vasto conhecimento em astronomia e astrologia antigas, e o outro, cuja maestria das fontes cuneiformes em particular é incomparável. Por que, então, não estou incentivando todos os filisteus a lerem Astral Sciences? Porque muito mais poderia ter sido feito em um livro como este para dissipar muitos dos mitos populares ainda circulantes sobre a astronomia-astrologia cuneiforme. Não há como escapar do fato de que esses dois excelentes estudiosos ainda escolheram impor ao material textual categorias mais adequadas aos esforços celestes europeus contemporâneos e, ao fazê-lo, eu argumento, garantem que o leitor leigo, em alguns casos, seja profundamente enganado. É por essa razão que o filisteu deve manter-se afastado. Eles, na verdade, vasculharam as fontes antigas em busca de elementos semelhantes à ciência ocidental, passando praticamente em silêncio sobre o contexto em que essas realizações foram feitas. Essa é a abordagem que, talvez por necessidade, caracterizou os primeiros anos da decifração e o positivismo de meados do século XX, mas não posso esconder minha decepção com o conservadorismo beligerante dessa metodologia aqui. Nenhuma história da astronomia grega hoje em dia se esquivaria tão completamente de questões como “intenção autoral, ou antipositivismo” (será que todos os textos analisados realmente fazem parte do mesmo empreendimento?) ou “comensurabilidade” (foi feito o melhor esforço para apresentar cada texto em seu próprio contexto, de acordo com as categorias locais, e não necessariamente com as nossas?). Existem perigos em generalizar sobre qualquer cultura, e a Mesopotâmia não é exceção. Onde somos apresentados aos grupos específicos de escribas e especialistas que escreveram esses textos — quais eram suas intenções? As questões que eles estavam abordando eram realmente as mesmas que abordamos no século XXI?

Em devido tempo, retornarei a essas críticas, especialmente à luz dos comentários dos próprios autores na introdução e da natureza de “manual” da série HdO. Antes disso, devo confessar e admitir que meu próprio trabalho, Mesopotamian Planetary Astronomy-Astrology (MPAA), foi recentemente publicado, e ele também trata do material astral cuneiforme, mas com abordagens metodológicas totalmente diferentes, chegando a conclusões significativamente distintas. Esse trabalho derivou do meu doutorado, uma cópia do qual foi enviada a Hermann Hunger em 1998. O professor Hunger e eu mantemos contato cordial sobre várias questões relacionadas à astronomia cuneiforme. David Pingree, eu não conheço pessoalmente. Essas são, portanto, as agendas pessoais, se é que existem, por trás desta resenha.

Há muito a recomendar em “Astral Sciences in Mesopotamia”, e sem dúvida encontrará seu lugar entre as melhores fontes secundárias. A apresentação do material é, em geral, lúcida, e novas contribuições importantes de natureza técnica são feitas periodicamente. O livro começa com uma dedicatória aos estudiosos anteriores, em particular a Otto Neugebauer, e inclui uma lista útil das datas dos reis, nomes dos meses, unidades, fórmulas e assim por diante. A introdução cita novamente Neugebauer e explica que o livro tenta “cobrir o material astronômico encontrado nas tábuas tanto dos textos de presságios quanto dos textos puramente astronômicos”. É aqui que os problemas começam, pois uma compreensão mais completa tanto dos esquemas nos textos de presságios quanto dos métodos preditivos usados nos textos cuneiformes “puramente astronômicos” só emerge quando a astrologia na qual ambos estão inseridos é analisada. Retirar os esquemas da série de presságios atribui a eles um propósito que não é sustentado pela evidência dos próprios textos. Isso os faz parecer como se seu objetivo fosse fazer previsões astronômicas precisas. Eu mostro no MPAA que os esquemas encontrados na série de adivinhação celestial tinham, em vez disso, um propósito astrológico. Também demonstro que até mesmo as Efemérides mais sofisticadas empregam simplificações derivadas de uma radiação de fundo de adivinhação celestial e ideias sobre a construção do universo. Privilegiar estas últimas com nomes como “puramente astronômico” ou “teórico” associa os esforços de seus autores aos dos astrônomos contemporâneos. Tal paralelo é novamente enganoso. Discuto brevemente essas interpretações alternativas do material astral cuneiforme abaixo, mas para uma exposição mais completa o leitor deve consultar o MPAA.

Hunger e Pingree, talvez inadvertidamente, garantem que futuros estudiosos, especialmente os não-assiriólogos, considerem legítimo impor ao material cuneiforme um avanço unidirecional no “nível de conhecimento astronômico” (“Astral Sciences”) desde o período OB até o helenístico, de “esquemas astronômicos primitivos” a previsões não matemáticas a Ephemerides “teóricas” e matemáticas, sem jamais abordar a questão de que cada um desses grupos de textos pode ter sido bastante diferente em propósito. Que essa interpretação será usada em generalizações sobre a “evolução da ciência” é lamentavelmente muito provável, e não estou convencido de que isso seja sensato. Este manual, como outros da série Handbuch der Orientalistik, tenta abranger um campo, quase como uma bibliografia comentada e ampliada. Isso pode ser muito útil, mas existe a possibilidade de que um livro como este sirva para definir os parâmetros da própria disciplina. Este é um perigo, especialmente quando um consenso não está presente dentro do campo, e mesmo assim duas figuras proeminentes colaboram como se houvesse.

Por exemplo, Hunger e Pingree defendem o que eu denomino em MPAA como o modelo “empirista fraco” para a origem dos presságios — um sinal no céu, por exemplo, era observado precedendo um evento na Terra e, ao ser visto novamente, assumia-se que antecipava, mas sem causar, o mesmo evento na Terra. Eles escrevem: “embora houvesse uma base empírica para assumir uma conexão entre o sinal e o evento subsequente, isso não implica uma noção de causalidade”. Eu acho difícil acreditar que codificações básicas que sustentam a grande maioria dos presságios, como “um Marte brilhante pressagia desgraça”, assim como “direita pressagia bem”, poderiam ter sido derivadas de observação. Certos corpos celestes e fenômenos foram atribuídos valores com base nas personalidades percebidas das divindades associadas, com base em metáforas (por exemplo, halos “cercam”, eclipses “apagam o ser mais brilhante na Terra”) ou com base na lógica interna de criação de uma série de presságios (por exemplo, através de paralelismo ou encontrando opostos), e assim por diante. “Prótases impossíveis” em presságios — neste caso, eventos celestiais que nunca poderiam ocorrer — indicam que presságios poderiam ser totalmente inventados e, como mostro em MPAA, capítulo 3 e apêndice 3, a grande maioria dos presságios celestiais foi inventada com pouca ou nenhuma contribuição empírica. Aqueles que parecem descrever eventos celestes e/ou terrestres específicos observados provavelmente refletem o registro de eventos que corroboraram a interpretação existente do significado de uma configuração celestial particular no plano terrestre, revertendo assim o modelo empirista. Crítica semelhante foi publicada por Koch-Westenholz em sua obra “Mesopotamian Astrology”. A visão de Hunger e Pingree quanto à origem dos presságios, uma questão não sem importância quando se trata da compreensão da astronomia preditiva cuneiforme, dificilmente representa um consenso. Um leitor não especialista lendo esta seção de seu livro seria induzido ao erro. Os autores listam as principais publicações de presságios celestiais cuneiformes, “proto-horóscopos” e outros textos “astrológicos” datando desde o período OB até os tempos helenísticos no capítulo 1, indicando o conteúdo geral das composições conhecidas. Como admitem em sua introdução, eles não tentaram lidar com este material de forma exaustiva, citando o enorme número de textos não publicados, e referindo os leitores ao livro de Koch-Westenholz. Eles propõem que um futuro “manual” sucessor deve tratar o material mais plenamente, antecipando assim que sua infeliz divisão das preocupações astrais cuneiformes nas categorias modernas de “astrológicas” e “astronômicas” continuará no futuro. O fato é que já foi publicado material “astrológico” mais do que suficiente para tornar evidente que a astronomia preditiva cuneiforme devem ser estudados juntos. Ambos formavam parte de uma “disciplina” única, pelo menos para os escribas antigos da Mesopotâmia.

Por exemplo, a “astronomia” do período inicial tratada no Capítulo 2 A é quase toda encontrada em composições que são explicitamente chamadas de “astrológicas” pelos estudiosos modernos (por exemplo, dentro da série de presságios celestiais conhecida como Enuma Anu Enlil), ou em composições que também contêm presságios (por exemplo, a série conhecida como Mul.Apin — chamada de “astronômica” por seus editores modernos, embora isso apenas reflita suas interpretações de seu conteúdo). Argumento em MPAA que nenhuma dessa chamada “astronomia inicial” ou “primitiva” é “astronômica” como entenderíamos o significado da palavra — a tentativa de prever o comportamento celestial, de saber quando e onde um dado fenômeno ocorrerá a seguir. Claro, alguém poderia apontar a etimologia de astro-nomos para argumentar que uma mera lista de estrelas constitui “ordenação de estrelas” e, assim, astronomia, mas uma diferença de intenção textual é implícita pelos comentadores modernos que chamam Enuma Anu Enlil de “astrológica” e Mul.Apin de “astronômica”, mesmo que cada uma contenha esquemas quase idênticos de comportamento lunar. Apenas porque Mul.Apin contém muitos desses esquemas e alguns presságios dificilmente a torna “astronômica”. Igualmente, Enuma Anu Enlil não é “astrológica” apenas porque o inverso é verdadeiro. Demonstro em MPAA que os chamados esquemas astronômicos “primitivos” foram projetados para eliciar prognósticos com base no fato de que um comportamento observado correspondente ao antecipado pelo esquema pressagiava bem, e o inverso pressagiava mal. Eles eram astrológicos em propósito — projetados para tornar o comportamento repetitivo dos corpos celestes, tanto quanto seu comportamento irregular, passível de interpretação pelos adivinhos. O potencial de esquemas como o esquema de visibilidade/invisibilidade lunar de Enuma Anu Enlil Tábua 14 (EAE 14) e Mul.Apin, ou o esquema de Vênus de Enuma Anu Enlil Tábua 63 §II, para prever o comportamento celestial não deve ser confundido com a real intenção dessas composições. Simplesmente porque a previsão nos interessa, isso não significa que interessava aos autores de EAE ou Mul.Apin. Tal atividade de fato surgiu na Mesopotâmia, apenas mais tarde, nos séculos VIII e VII a.C. Novamente, argumento isso em MPAA.

A discussão de Hunger e Pingree sobre a Tábua 63 do Enuma Anu Ellil esclarece o que está em jogo aqui. Eles afirmam: “a parte mais interessante da Tábua de Vênus (= EAE 63) para o historiador da astronomia matemática é a seção II”. Nesta seção, opera um esquema no qual os intervalos de visibilidade de Vênus no Oeste e no Leste são ditos como sendo de 8 meses e 5 dias, e os intervalos de invisibilidade de 7 dias e 3 meses, respectivamente. Esses intervalos são expressos nas prótases de presságios (as cláusulas “se”). O período sinódico total de Vênus, de acordo com este esquema, dura 19 meses e 17 dias. Se nós, modernos, extrapolarmos a partir disso, podemos descobrir que, ao tratar cada “mês” como 30 dias, emerge um período de 587 dias para o “período sinódico” de Vênus. Isso não está muito distante da realidade e pode ser comparado com um esquema maia em que o período de invisibilidade no Leste é coincidentemente de 90 dias. É assim que Hunger e Pingree procedem. No entanto, esse esquema não é “astronômico” como entenderíamos o significado dessa palavra. Os meses não têm todos 30 dias de duração. Cerca de metade dura 29 dias. O “período sinódico” real implícito por 19 meses e 17 dias é de aproximadamente 567 dias e meio, bem aquém da realidade. Se Vênus realmente surgisse em uma data anotada para o surgimento helíaco no esquema, as datas “previstas” para o seu subsequente ocaso e surgimento não estariam próximas das do calendário civil em que Vênus de fato se pôs e ressurgiu. Isso é apenas uma astronomia ruim? Não.

Vamos examinar novamente os números usados no esquema. Eles são redondos (8m + 5d, 3m) ou significativos (7d). Em outras partes do Enuma Anu Ellil, números diferentes são usados para alguns desses intervalos. Tanto 8 quanto 9 meses são atestados para as durações dos períodos de visibilidade — outros números redondos. Hunger e Pingree observam isso, mas, de forma extraordinária, argumentam que o intervalo de 9 meses representa 265 dias e meio, extrapolando esse comprimento não a partir do mês de 30 dias que atendia aos seus objetivos no EAE 63 §II, mas a partir da duração média de um mês, ou seja, 29 dias e meio, tornando assim o intervalo de 9 meses mais preciso e, portanto, mais astronômico. Eles sugerem até que o intervalo de visibilidade de 9 meses representa “um extremo” em vez de um valor “médio”. Tal é a especulação consequente à busca de elementos semelhantes à ciência moderna em fontes antigas. Além disso, qual foi o propósito de comparar o esquema do EAE 63 §II com um esquema maia, cujo contexto não é explicado de forma alguma? Os autores estão sugerindo que tais esquemas representam um estágio universal na evolução da astronomia preditiva? Se este é o modelo de avanço astronômico que eles estão aplicando ao material cuneiforme, eles deveriam declarar isso claramente.

Proponho que esses esquemas no Enuma Anu Ellil representam idealizações do comportamento periódico de Vênus. Primeiro, argumentar na p. 39 de Astral Sciences que a evidência do EAE 63 §II é que “a periodicidade dos fenômenos de Vênus já era reconhecida por volta de 1000 a.C.” subestima o caso. Eu sugeriria que tal reconhecimento foi feito pelo menos tão cedo quanto se sabia que a estrela da manhã e a estrela da tarde eram o mesmo corpo celeste, e isso provavelmente era conhecido no início do terceiro milênio a.C. Segundo, equiparar a previsão de fenômenos a uma consciência de sua periodicidade na linha da p. 40: “uma consciência da previsibilidade (ou periodicidade) dos fenômenos planetários”, impõe injustificadamente ao material uma concepção moderna do uso de tal consciência. Seria como dizer que os antigos escribas da Mesopotâmia previram que todos os meses teriam 30 dias de duração simplesmente porque esse era o número ideal e redondo que eles atribuíram a esse fenômeno. Eu dificilmente acho que poderia ter passado despercebido que menos da metade de todos os meses duram 30 dias e, portanto, não considero a inscrição de 30 dias para uma lunação como “astronomia”. Tampouco considero que escrever que Vênus é visível por aproximadamente 8-9 meses e invisível por cerca de 3 meses ou alguns dias seja “astronomia”, a menos que optemos por incluir sob essa rubrica toda a escrita sobre os fenômenos dos céus. O esquema de Vênus dificilmente é “astronomia matemática”, como sugerido por Hunger e Pingree na citação acima. Tal conhecimento do comportamento de Vênus sem dúvida estava em voga por séculos, se não milênios antes de 1000 a.C., mas apenas mais tarde foram registradas previsões precisas do comportamento do planeta em tabuletas de argila.

Em vez disso, no EAE 63 §II, e nas outras partes do EAE em que esses esquemas ideais estão registrados, o conhecimento da periodicidade planetária foi empregado pelos adivinhos celestiais para elaborar prognósticos a partir do comportamento inalterável e repetitivo dos corpos celestes. Enquanto no EAE 63 §II as apódoses dos presságios se referem apenas aos meses em que Vênus deveria idealmente nascer, e não a cada dia do ano (o que por si só já é um fato digno de nota), outras evidências reunidas no meu MPAA mostram que, no que diz respeito ao Enuma Anu Enlil e aos textos relacionados, os planetas que eram observados se comportarem de acordo com o previsto pelos esquemas ideais eram um bom presságio, e vice-versa. Ao estudar o esquema de Vênus no EAE 63 §II em seu contexto, é possível ver nele algo ao mesmo tempo distante da astronomia como a conhecemos, e também mais sofisticado — um embelezamento do (provavelmente) conhecimento comum sobre o comportamento geral dos corpos celestes com números redondos e significativos, para que suas datas de nascimento e pôr-do-sol fossem codificadas para fins de adivinhação (sem a necessidade de construir centenas de presságios, um para cada evento heliacal e para cada dia do ano). Em nenhum lugar se encontra a intenção de tornar esse comportamento previsível a ponto de não precisar ser observado de forma alguma (um serviço que a astronomia moderna nos fornece). Pelo contrário, os esquemas significavam que não só o mês do nascimento ou do pôr, as cores e os efeitos meteorológicos concomitantes precisavam ser observados pelos adivinhos, mas também a data do nascimento ou do pôr tinha de ser anotada. Portanto, apesar dos prognósticos dos presságios no EAE 63 §II dependerem unicamente do mês de aparição, isso, sugiro, explica por que um registro diário das observações de Vênus foi feito durante o reinado do rei Ammi-Saduqa. As datas de nascimento e pôr não eram diretamente ominosas, mas indiretamente, uma vez comparadas com as antecipadas pelo esquema ideal. Argumento ainda no MPAA que a significância de os planetas se comportarem, ou não, de acordo com os ideais delineados nos esquemas divinatórios forneceu a motivação para o registro das datas dos eventos heliacais e fenômenos luni-solares nos Diários Astronômicos e textos relacionados, e que, sob as condições particulares impostas à área pelo governo dos últimos reis assírios, isso foi realizado de forma tão sistemática que possibilitou a descoberta de periodicidades naquele banco de dados que, a seu tempo, tornou possível a previsão astronômica real.

Minhas críticas às páginas 32-84 de “Astral Sciences” são semelhantes. Na página 42, “ina la minâti” poderia ser traduzido tanto como “não de acordo com sua contagem” quanto como “não no momento calculado”. Seguir isso com “não há indicação… de como o cálculo foi feito” certamente induzirá o não-assiriólogo a pensar que previsões de eclipses baseadas em cálculos matemáticos estavam sendo feitas naquela época. A “contagem” pode muito bem ter sido comparada com números de natureza astrológica. Da mesma forma, ao notar na página 43 que “é claro que certas características da última visibilidade da Lua, como Vênus entrando em seu crescente, eram acreditadas como indicativas de que um eclipse lunar ocorreria no próximo mês ou vários meses depois”, seria útil para o não-astrônomo acrescentar que não há base astronômica para tais afirmações. Elas são, de fato, previsões “astrológicas” de eclipses.

Hunger e Pingree comentam na página 47 que a proporção de 2:1 do dia mais longo para o mais curto utilizada no EAE 14, Mul.Apin e outros textos é “incorreta” para a Mesopotâmia. Quando julgada segundo as exigências de precisão da astronomia moderna, isso pode ser verdade, mas de um ponto de vista divinatório, uma proporção de 2:1 e outras proporções de números pequenos eram perfeitamente corretas — ideais, de fato. Para meus comentários sobre o timing em um contexto divinatório, veja Brown, Fermor e Walker “The Water Clock in Mesopotamia” no volume recente de AfO. Incidentalmente, o texto BM 17175+ mencionado na página 50 não usa minas, como sugerido por Hunger e Pingree. Pode muito bem se referir a US (*60).

Os comentários finais de Hunger e Pingree sobre os esquemas de visibilidade/invisibilidade lunar de EAE 14 e Mul.Apin na página 50 resumem sua visão: “É claro, a partir desta análise dos elementos da astronomia encontrados no Enuma Anu Enlil, que até o final do segundo milênio a.C. … os habitantes da Mesopotâmia reconheceram a periodicidade de muitos fenômenos celestes e desenvolveram métodos para predizê-los… Em particular, alguns desvios periódicos dos intervalos médios de tempo foram descritos por funções lineares em zigue-zague, algumas das quais foram modificadas pela introdução de elementos não lineares”. Remeto o leitor aos meus comentários anteriores e observo que “habitantes da Mesopotâmia” pode ser um eufemismo para “eruditos cuneiformes especializados da Mesopotâmia”, mas ainda assim é uma escolha infeliz. Isso implica uma disseminação de conhecimento para o público geral que não é justificada. Mais importante, qualquer pessoa não familiarizada com o comportamento real da lua acreditaria que as “funções em ziguezague” e os “elementos não lineares” de EAE 14 de alguma forma tornavam o comportamento lunar “previsível”. Não era o caso. O esquema lunar referido era baseado em alguns pressupostos básicos e ideais — a saber, que o mês durava 30 dias, o ano 12 desses meses, que a oposição lunar ocorria no 15º dia de cada mês, e que a relação entre os dias mais longos e mais curtos era de 2:1. O restante do esquema é pouco mais do que uma elaboração matemática. Principalmente, a interpolação linear foi usada para gerar números para os outros dias do mês, mas, em um caso, foi adicionada uma interpretação geométrica. Nem o adorno linear nem o geométrico geraram valores para a duração da visibilidade ou invisibilidade lunar que fossem particularmente próximos da realidade, uma vez que se baseavam em idealizações e uma suposição falsa sobre o comportamento lunar, e não em observações além daquelas necessárias para formular a compreensão mais básica do comportamento lunar — ou seja, que a lua cresce na primeira metade do mês e mingua na segunda. No entanto, os esquemas eram perfeitos para produzir valores ideais para esses intervalos, que poderiam então ser comparados com observações e interpretados de acordo — números que eram úteis para os adivinhos. No i.NAM.gis.Ìur.an.ki.a um esquema deste tipo é de fato referido como um arû — um termo que, como argumento no MPAA, refere-se a “elaboração matemática”. Elaborações variantes foram consideradas, como mostra K.90 (discutido em Astral Sciences), e esse “jogo de números” também exemplifica HS 245. Elaborações matemáticas sobre aproximações ideais não constituem astronomia, apesar das semelhanças superficiais. Estão mais intimamente relacionadas ao tipo de especulação numérica que caracteriza o restante do i.NAM.gis.Ìur.an.ki.a, e significativamente a seção de planetas de Mul.Apin ii I 38-67 — discutida em Astral Sciences, na qual vários períodos de visibilidade e invisibilidade são derivados por meio de simples multiplicações e divisões.

Um exemplo do positivismo injustificado dos autores é apresentado na página 62, onde é feita uma comparação entre uma descrição dos caminhos das estrelas em Mul.Apin e Enuma Elish. Após argumentarem que, em Mul.Apin, os caminhos das estrelas descrevem faixas do céu que circundam os céus, delimitadas em largura por arcos do horizonte oriental, os autores sugerem que a descrição no épico da criação de Marduk, que atribui portões ao longo do horizonte pelos quais as estrelas passam, e sua colocação de Nebiru entre Ellil e Ea, é anterior. Eles continuam a argumentar que isso fornece um terminus ante quem para a composição de Enuma Elish. Além da crítica óbvia de que Enuma Elish é um texto literário com objetivos muito diferentes dos de Mul.Apin, eu diria que “portões” são uma descrição justa de “arcos no horizonte”. Por acaso, os caminhos das estrelas são atestados em KUB 4 47:43f, uma composição datada, no mais tardar, do Período Médio Babilônico. Este texto deveria ter sido mencionado pelos autores. Eu sugeriria, então, que os caminhos das estrelas, muito similares aos usados em Mul.Apin, provavelmente estavam em uso no final dos tempos do Período Babilônico Antigo. Eles são apenas um dos muitos elementos de Mul.Apin com precursores no Período Babilônico Antigo. Hunger e Pingree mantêm que Mul.Apin “foi composto na Assíria por volta de -1000” com base em suas retrocálculações das posições estelares. Não posso comentar sobre a suscetibilidade de suas conclusões a variações de latitude ou era, mas, embora aceite que uma redação assíria por volta de 1000 a.C. indubitavelmente existiu, acredito ser mais provável que uma versão completa do texto tenha sido composta primeiro no sul, precisamente porque Mul.Apin se baseou fortemente em fontes babilônicas. Veja também MPAA pp. 115-20 e p. 259, e BM 77054 editado na resenha de A. George sobre a edição de Hunger & Pingree de Mul.Apin em ZA 81 (1991) pp. 301-6 — uma referência ausente da excelente bibliografia de Astral Science. Novamente, os autores comentam na p. 63 que “a pessoa que compôs (neste caso, a seção 3 do Astrolábio B) entendeu completamente errado a natureza de sua fonte (já em -1000!) e infelizmente induziu vários estudiosos deste século ao erro”. Tal positivismo é, claro, injustificado. Esta seção do Astrolábio B pode ser “sem sentido como um documento astronômico” precisamente porque essa era a intenção de seu autor o tempo todo.

Ao discutir os vários esquemas de intercalação de Mul.Apin nas pp. 75-9, os autores enfatizam repetidamente a precisão ou não dos resultados desses métodos para fornecer aos “escribas” os critérios necessários para determinar quando adicionar um mês adicional e, assim, manter os calendários lunar e solar mais ou menos sincronizados. Tornou-se comum nos estudos de ciência astral cuneiforme argumentar que a regulação do calendário forneceu uma das, se não a, principal motivação para a criação da astronomia matemática. Hunger e Pingree argumentam que os esquemas de intercalação em Mul.Apin serviam exatamente a esse propósito. Eu discordo. O calendário foi regulado pelo menos desde o terceiro milênio a.C., como indica a existência de nomes de meses ligados a atividades sazonais. A regra básica, de que um mês adicional a cada três anos ou mais manteria as estações e o calendário lunar alinhados, era sem dúvida conhecida muito antes da composição de Mul.Apin. Da mesma forma, a ampla correspondência dos astrolábios com a realidade mostra que os meses foram associados desde cedo ao nascer de estrelas específicas. (A pequena diferença entre o ano solar e o ano sideral não era relevante). Só nos períodos mais recentes o calendário civil foi regulado de maneira sistemática. Os reis determinavam quando os meses intercalares deveriam ocorrer e, com algumas notáveis exceções, eles seguiam mais ou menos a regra básica. Uma mera contagem do número de meses intercalares inseridos nos últimos anos, talvez combinada com a observação de que alguma estrela brilhante estava nascendo no mês errado, teria sido mais que suficiente para regular o calendário.

Nos astrolábios, por exemplo, os dados (provavelmente comuns) sobre associações de estrelas e meses serviam para embelezar um esquema de pouca importância calendárica, mas de significado divinatório. As várias versões deste esquema forneciam aos adivinhos informações sobre o mês em que uma estrela ou constelação deveria idealmente aparecer. Se ela surgisse nesse período, isso era um bom presságio, e assim por diante. Os astrolábios faziam parte da tradição divinatória. É bem conhecida sua estreita relação com o Enuma Anu Enlil. No entanto, algumas descrições modernas desses documentos fazem parecer que eles eram ferramentas práticas para a regulação do calendário. Estou certo de que seria bastante óbvio para os agricultores e supervisores quando o ano lunar necessitava de um mês adicional, sem precisarem consultar os autores dos astrolábios. Imagino que a aspiração dos acadêmicos modernos de serem consultados pelo governo esteja por trás de tais pontos de vista. A intenção desses textos foi novamente confundida com seu potencial, como nós, modernos, poderíamos interpretá-la. O mesmo se aplica aos esquemas de intercalação de Mul.Apin. Quer baseados em estrelas, quer no movimento da Lua, são novamente elaborações, às vezes numéricas, retiradas do conhecimento comum sobre as estrelas e da regra simples mencionada anteriormente para fins de adivinhação. Eles não são tentativas de regular o calendário. Tudo isso é explicado de forma mais detalhada em MPAA. O leitor pode ficar curioso, no entanto, sobre como um esquema projetado para obter evidências de que a intercalação era necessária poderia ter sido útil para um adivinho. O texto conhecido como “Manual do Adivinho Babilônico” responde a isso, pois descreve exatamente tal esquema e explica que ele fornece o Namburbu, ou seja, os meios para evitar o mal prognosticado. Ao intercalar, um evento antecipado ou observado para ocorrer em um mês pode ser feito para ocorrer em outro, muitas vezes com um prognóstico diferente. Isso explica por que no relatório do século VII a.C., Asaredu escreve: “o senhor dos reis dirá: o mês ainda não terminou, por que você me escreve bons ou maus (presságios)”, cuja implicação é que só no final do mês os presságios eram enviados ao rei, e eles podiam variar de bons a ruins. Sugiro que isso era precisamente por causa das possibilidades oferecidas pela intercalação para alterar a prognosticação. Mais sobre isso em MPAA.

δ

Hunger e Pingree interpretaram mal os textos que discutem nas pp. 32-84. Eles não são “astronômicos iniciantes”, pois em todos os casos, eu afirmo que esses documentos eram, em vez disso, elaborações numéricas, baseadas em informações tradicionais e básicas sobre o comportamento amplo dos céus. Essa informação foi expressa em termos de categorias de constelações, direções, orientações, fenômenos helíacos, e incluía o reconhecimento dos planetas e uma percepção de que seus fenômenos eram periódicos sem necessariamente serem previsíveis. Atribuídos a certos desses fenômenos recorrentes estavam valores de números redondos ou “ideais”, como 30 dias para um mês, 360 para um ano, 9 meses para o período de visibilidade de Vênus, 1 intercalação a cada 3 anos, e assim por diante. A origem dos números redondos que sustentam os esquemas ideais é encontrada em ideias indígenas sobre a natureza do universo, um campo explorado no MPAA capítulo 5. A utilidade dos esquemas ideais para os adivinhos é clara, pois lhes permitia codificar o comportamento repetitivo dos céus com significado, e atribuir valor ao componente temporal de um evento, assim como certos planetas, constelações, direções, orientações e eventos eram codificados como benéficos ou maléficos. Assim como os presságios celestes preservados representam as elaborações textuais dessas codificações, os esquemas ideais são as elaborações numéricas sobre os números redondos associados e foram codificados com a ideia de que o comportamento de acordo com o ideal é auspicioso, caso contrário, é desfavorável. Não é de se admirar, então, que os esquemas ideais sejam encontrados incorporados no corpus de presságios. Isolá-los, como fizeram Hunger e Pingree, faz com que pareçam astronômicos quando não são. Não há evidência de que os esquemas ideais foram usados para fazer previsões astronômicas precisas, e há muitas evidências de que foram usados para fins de adivinhação. Quando a previsão astronômica é atestada pela primeira vez em textos datados dos séculos VIII e VII a.C., ela está tanto em sua infância quanto diferente do que poderia ter sido alcançado usando os esquemas ideais. Pelo que sabemos, portanto, representa uma inovação daquele período, como afirmo no MPAA.

A partir da página 84, os autores discutem as listas ziqpu e o chamado Texto Gu, que é relacionado. Ambos provavelmente desempenharam um papel astronômico no final do período Neo-Assírio e posteriormente. Pequenas, mas importantes, melhorias na compreensão dessas composições foram feitas, pelas quais os autores devem ser agradecidos. A análise de W 22281a como um precursor do Texto Gu na página 99 é muito interessante. Os autores também destacam pela primeira vez as complexas ligações entre o Texto Gu, os textos Antagubba/Antasurra e os astrolábios — (pp. 55, 99-100), e refutam com sucesso a interpretação de Koch dos obscuros textos dalbanna.

Nas páginas 116-138, Hunger e Pingree discutem as observações registradas, em grande parte na forma de presságios, nos Relatórios e Cartas enviados aos reis assírios, principalmente no século VII a.C. Eles citam extensivamente, mas resumem brevemente na página 138, afirmando: “o que eles registraram, no entanto, sendo indatável e impreciso em relação ao tempo e à longitude, era inútil para os propósitos de construção de modelos matemáticos.” Eles parecem ignorar o fato importante de que as informações celestes preservadas nessa correspondência estão, na maioria das vezes, na forma de prótases. Para não ter que gerar presságios para todos os dias do ano, cada Unidade de Serviço dos céus, cada tom de cor e assim por diante, as categorias ominosas eram deliberadamente amplas. Os Relatórios e Cartas nunca foram destinados a fornecer o banco de dados a partir do qual parâmetros astronômicos poderiam ser derivados para fins de previsão. Por que, então, os autores deveriam se surpreender ao não encontrar muitos exemplos de registros precisos? No entanto, isso não é motivo para sugerir que os autores dos Relatórios e Cartas não estivessem interessados em previsões astronômicas precisas ou não fossem capazes de realizá-las. Apesar de o objetivo dessa correspondência ser primariamente divinatório, pistas suficientes permanecem nesses documentos para sugerir que, na Assíria, assim como na Babilônia, registros precisos e previsões astronômicas iniciais estavam sendo feitas no século VII a.C. Detalhes completos podem ser encontrados em MPAA pp. 189-206, mas alguns destaques incluem:

“[No ano passado], ele (Júpiter) tornou-se visível no 22º dia do mês II em [Perseu], desapareceu no mês I do [presente] ano no dia 29” (Parpola, Letters from Assyrian and Babylonian Scholars (1993) = LABS no. 362:3’f, veja também no. 100:5).

 “Marte, que está dentro de Escorpião, está prestes a sair; (não) até o 25º dia do (mês IV?) ele sairá de Escorpião” (Hunger ARAK no. 387:3).

 “Marte foi avistado no mês V; agora se aproximou a 2 1/2 palmos (u†u/ru†u) de Libra” (LABS no. 172:4’).

O primeiro exemplo mostra que as datas precisas de eventos heliacais anteriores foram registradas pelos autores, sem dúvida para que pudessem interpretar os períodos de visibilidade e invisibilidade de acordo. Os dois últimos exemplos mostram que os limites das constelações eram bem definidos e que a taxa aproximada com que Marte, e sem dúvida os outros planetas, se movem após um ponto estacionário era conhecida. As distâncias entre os planetas e as constelações foram cuidadosamente medidas em dedos e palmos, e talvez também em Unidades de Serviço, já que essa unidade é usada para medir uma distância celeste nos chamados Textos de Observação de Mercúrio também encontrados em Nínive e datados do final do período Neo-Assírio. Esses textos são mencionados pelos autores na página 139. A razão pela qual sugiro que a unidade utilizada ali media distâncias e não tempo é devido ao uso da frase “gub …gar-ma”, “ficou à esquerda” ao descrever o intervalo em Unidades de Serviço entre Mercúrio e o Sol. Hunger e Pingree tratam isso como uma unidade de tempo.

Além disso, evidências de Nínive indicam que vários períodos característicos para os planetas eram conhecidos no século VII a.C., que o calendário era regulado com cuidado suficiente para possibilitar o uso desses períodos para previsão astronômica e, mais importante, previsões estavam de fato sendo feitas, embora bastante elementares. Isso, por si só, serve apenas para mostrar que a astronomia, como a definimos, estava em sua infância no século VII a.C., tornando ainda menos provável o aspecto “astronômico” dos esquemas ideais da tradição divinatória anterior.

Nas páginas 139-159, os autores descrevem os chamados Diários Astronômicos, ou simplesmente “Diários”. Eles argumentam que esses documentos foram “destinados, no que diz respeito às observações celestes, para propósitos astronômicos”, e não estavam “intimamente ligados à prática mesopotâmica de ler presságios celestes” (p. 139). De fato, eles afirmam (p. 144) que “quase todos os fenômenos considerados ominosos em Enuma Anu Enlil (exceção feita aos halos…) e constantemente observados, registrados e interpretados para a corte em Nínive foram assiduamente ignorados” nos Diários. Novamente, os autores buscam uma divisão entre uma intenção astronômica e uma astrológica, tentando encontrar o que é uma dicotomia moderna no material antigo. Eles descrevem nas páginas 139-140 algumas diferenças entre os dados registrados na correspondência real e aqueles nos Diários. Haverá, é claro, diferenças entre textos compostos na Babilônia, provavelmente para uso do pessoal do templo, e aqueles compostos em grande parte no norte, em formato de Carta ou Relatório, destinados aos olhos do rei. Isso dificilmente pode ser usado para sugerir, como fazem Hunger e Pingree, que os Diários não foram compostos principalmente para ajudar os adivinhos celestiais em seu trabalho, e que de alguma forma não fazem parte da mesma tradição astronômica-astrológica que o Enuma Anu Enlil.

Nas páginas 97-103 de MPAA, demonstro detalhadamente que os Diários foram, de fato, fundamentalmente influenciados pela tradição divinatória (e, de fato, até certo ponto vice-versa), sem sugerir que os Diários forneciam apenas os dados celestes brutos dos quais os adivinhos extraíam prognósticos. Eles também passaram a servir a um novo propósito, a saber, a elucidação de períodos entre fenômenos recorrentes, o que, com o tempo, possibilitou a previsão astronômica. Indico, entretanto, que não há evidências de que, desde o início, os Diários fossem destinados a produzir esses parâmetros. Pelo contrário, a produção de um registro contínuo era de suma importância, e foi o desejo de preencher as lacunas nos registros de dados causadas pelo mau tempo ou por observações perdidas que levou à descoberta das periodicidades. Isso, por sua vez, levou à previsão astronômica, mas vejo esta última não como um objetivo primário (como se todos os povos antigos tivessem o mesmo desejo que nós), mas como um subproduto do exercício de manter um registro contínuo de fenômenos significativos. Talvez, com o tempo, alguns fenômenos não sujeitos a recorrência regular tenham sido eliminados desse registro, à medida que sua utilidade para os adivinhos, para os quais a previsão astronômica proporcionava uma pequena vantagem na conquista de favor real, tornou-se aparente. É importante notar que o Diário mais antigo atestado foi escrito pelo menos um século após o início do programa, de modo que grande parte (mas não toda) dessa eliminação já teria ocorrido antes de meados do século VII a.C. Esses vários pontos são discutidos minuciosamente em MPAA, e as evidências são fornecidas de acordo. Minhas conclusões não surgem de uma suposição sobre um suposto interesse universal na previsão astronômica, mas das próprias fontes. Por exemplo, os Diários registram intervalos luni-solares conhecidos hoje como o “lunar seis”. Notavelmente, as periodicidades em certas somas desses intervalos se repetem após 223 e 229 meses. As periodicidades não poderiam ter sido descobertas antes que um registro prolongado das magnitudes desses intervalos tivesse sido feito. Surge, então, a questão de por que tais intervalos foram registrados em primeiro lugar. Eles não eram, por si só, parâmetros óbvios a serem registrados para o propósito de elucidar parâmetros astronômicos, mas também não eram diretamente ominosos. No entanto, esses intervalos eram justamente aqueles previstos pelos esquemas ideais de visibilidade/invisibilidade lunar de composições como EAE 14, Mul.Apin, e i.NAM.gis.Ìur.an.ki.a. Foram esses que tornaram o “lunar seis” importante, e explicam seu registro nos Diários. Por acaso, o Diário mais antigo não registra nenhum valor de lunar seis, mas preserva na linha 6 uma frase, comumente usada em presságios para descrever o auspicioso acontecimento da Lua e do Sol em horizontes opostos ao nascer do Sol: “no dia 14, um deus foi visto com outro”. No próximo diário atestado, datando de 568 a.C., na linha 4, essa mesma frase é repetida e imediatamente seguida por “4 NA”, onde NA é o valor do lunar seis correspondente ao intervalo entre o nascer do Sol e o pôr da Lua, e 4 US é sua magnitude. A partir de então, nos Diários, NA é usado sem a frase divinatória. Isso mostra claramente a íntima relação entre o que foi registrado nos Diários e a tradição da divinação celeste, e também sugere como a terminologia nos primeiros foi ajustada ao longo do tempo, provavelmente à medida que o sucesso da previsibilidade foi percebido, e a utilidade dessas descobertas para os adivinhos tornou-se evidente.

O mesmo se aplica às datas do pôr e nascer helíaco, cujo registro fornecia os meios pelos quais longos e precisos períodos após os quais os mesmos fenômenos se repetiam no mesmo lugar poderiam ser determinados. As datas do nascer helíaco geralmente não eram diretamente consideradas como presságios, mas eram registradas para que os intervalos reais de invisibilidade ou visibilidade pudessem ser determinados e comparados com os antecipados pelos esquemas ideais, e interpretados de acordo, conforme mencionado acima. As datas desses eventos helíacos, assim como as datas e magnitudes dos seis lunares, eram indiretamente pressagiosas, e isso explica por que eram registradas.

Estes são apenas dois exemplos de como o material divinatório pode ajudar a explicar a forma do que se chama de material “astronômico” nos Diários. Isso também refuta o comentário de Hunger e Pingree no ponto 6 da página 140 de que os fenômenos periódicos não eram pressagiosos porque são computáveis. Esta é uma concepção amplamente ocidental, de que presságios devem ser surpresas. Isso não é verdade universalmente, pois eclipses solares previstos ainda podem pressagiar mal em algumas partes do mundo até hoje, e na Mesopotâmia, em particular, eventos previstos ainda precisavam ser observados, pois as condições meteorológicas associadas, não previsíveis, e assim por diante, adicionavam à sua interpretação geral. Mais importante ainda, o funcionamento regular do universo, e não apenas suas anomalias, estava codificado com significado pelos divinadores celestes que compunham em cuneiforme. Um dia, ou mês atingindo sua duração “normal” pressagiava coisas boas. Eventos ocorrendo de acordo com a construção ideal do universo pressagiavam bem. Em 1978, p.634, Oppenheim também escreveu que “depois que a experiência ensinou (ao homem mesopotâmico) a reconhecer um padrão na sequência de certos eventos e nas características previsíveis de fenômenos específicos, ele considerou que quaisquer desvios e irregularidades eram dotados de significado…”, mas estava igualmente incorreto quanto ao significado do comportamento regular e não desviado nos céus. Assim, uma visão sobre a base para os presságios afeta significativamente a visão sobre a base para a astronomia na Mesopotâmia, um ponto com o qual iniciei esta crítica à Astral Science.

Portanto, embora os Diários desempenhassem um papel diferente daquele da série de presságios celestes, as Cartas ou Relatórios de Nínive, eles faziam parte da mesma tradição astronômica-astrológica e, sugiro, foram redigidos pelos mesmos estudiosos. De fato, isso foi indicado pelo adivinho no LABS nº 160:40, que afirmou ter lido Enuma Anu Ellil e “feito observações astrais”, uma frase que provavelmente se refere a um trabalho semelhante ao relacionado com as compilações dos Diários. Em tempos posteriores, os autores dos textos astronômicos matemáticos datando dos últimos séculos a.C. às vezes se denominavam “escribas de Enuma Anu Ellil”, atestando a contínua intimidade, pelo menos no que diz respeito aos próprios escribas, entre a adivinhação celeste e composições cujo propósito era a previsão astronômica. A relação entre os Diários e o material astronômico matemático é próxima. De fato, o autor do Diário datado de 322 a.C. compôs o texto ACT 816, um Texto Procedural para Mercúrio, e um descendente dele copiou Mul.Apin.

Na página 144, Hunger e Pingree observam os motivos para supor que os Diários e o programa de observação associado começaram no primeiro ano de Nabonassar, 747 a.C. As evidências bem conhecidas que eles citam demonstram apenas que não devemos esperar encontrar tais registros datando de um período anterior a essa data. Eu observo no MPAA, que o eclipse lunar calculado para “passar por” 60 (US) após o amanhecer, e datável a 731 a.C. em LBAT 1414, se não for um retrocálculo, mas uma previsão, talvez tenha se baseado no período característico de 223 meses, ou 6585 dias + cerca de 1,50 US, conhecido como o Saros. De fato, sugiro tentativamente que os números obscuros de 1,40 e 1,50 no início de LBAT 1413 (uma cópia posterior de um registro datando de 747 a.C.) e LBAT 1414, respectivamente, possam ter se referido à parte US do período Saros. Sem procurar eu mesmo muito por elementos semelhantes à astronomia, eu diria que há evidências bastante boas de que um programa de observação levando à descoberta do período Saros precedeu 747 a.C., pelo menos por cerca de 18 anos!

Os autores fornecem, nas páginas 159-181, uma discussão muito útil sobre os Almanaques Estelares Normais, os Almanaques, os Textos do Ano-Alvo e os Registros Planetários à luz dos fenômenos registrados nos Diários e, quando possível, à luz das datas e locais calculados para esses fenômenos nas Efemérides preservados. Grande parte deste material, além dos Diários e Efemérides, ainda não está disponível para o público não especializado. Nas páginas 172-173, os autores resumem: “nenhum (dos Almanaques, Almanaques Estelares Normais ou Textos do Ano-Alvo) deriva de outro, nem, devido à sua completude, de nossos Diários”, e revelam que registros diferentes dos Diários preservados devem ter existido em Babilônia. Da mesma forma, eles mostram que os Registros Planetários foram compilados a partir de registros semelhantes aos Diários, mas mesmo quando Diários e Registros Planetários dos mesmos anos são preservados, estes últimos contêm mais ou diferentes dados dos presentes nos Diários relevantes. Portanto, os Diários constituem apenas uma parte do registro das observações celestes feitas em Babilônia e Uruk. A referência na página 162 ao estudo não publicado de Hunger sobre as datas derivadas dos Textos do Ano-Alvo e aquelas registradas nos Almanaques indica que devemos continuar a refinar nossas suposições sobre as inter-relações dos chamados textos não matemáticos. Aguardamos a publicação ou republicação de Hunger dos Registros Planetários, pois estes têm uma importância significativa no desenvolvimento da astronomia preditiva na Babilônia após o século VII a.C.

Na página 180, os autores comentam que as discrepâncias entre os horários e posições registrados para vários eventos celestes nos Diários (resultado de uma mistura de observações e cálculos destinados a produzir completude no registro) e aqueles nas Efemérides “não prova que os autores dos Diários nunca usaram os Efemérides, mas mostra que havia uma certa distância entre os observadores e compiladores dos Diários e os homens que calcularam os Efemérides”. Essa “certa distância” reflete, na verdade, uma atitude moderna em relação ao valor que deve ser atribuído à astronomia matemática, em oposição à astronomia baseada diretamente nas relações periódicas, ou talvez até mesmo a distância entre aqueles estudiosos modernos que dominaram as complexidades das Efemérides e aqueles que não. Uma vez que ambos os meios de previsão astronômica coexistiram em Babilônia e Uruk pelo menos até o desaparecimento da própria escrita cuneiforme, e à luz do escriba mencionado acima que foi autor tanto das Efemérides (ou pelo menos dos Textos de Procedimento que os embasavam) quanto dos Diários, tal “distância” entre alguns observadores/compiladores e os “homens que calcularam” não estava presente naquela época.

Não se sabe até que ponto os tempos e locais calculados foram usados para eventos no passado, e, assim, poderiam ser comparados com os muitos registros de observações (da mesma forma que é feito na astronomia histórica), ou para eventos no futuro. Certamente, pelo menos a partir dos tempos dos NA (Neo-Assírios), eclipses e alguns eventos planetários foram previstos com antecedência, e isso sem dúvida continuou até os tempos helenísticos e posteriores. No entanto, a elaboração de “horóscopos” implicava que também havia boas razões para calcular configurações celestiais no passado, mesmo se o registro semelhante aos Diários estivesse completo. Infelizmente, ainda sabemos muito pouco sobre o contexto em que os textos preservados foram escritos. Alusões a quadros de escrita de “Diários curtos”, o reconhecimento de que registros observacionais além dos Diários devem ter estado presentes na Babilônia e em Uruk, e a existência dos ainda pouco compreendidos “Textos de Procedimentos” mostram apenas que o que sobreviveu é apenas uma fração minúscula do que foi produzido na época, e provavelmente uma fração não representativa, já que o que foi escrito em argila (e, portanto, poderia sobreviver) foi talvez deliberadamente conservador e mais próximo das antigas tradições de adivinhação celestial e sua filosofia quanto à estrutura do universo — em outras palavras, “legítimo”. Sugiro no MPAA que todas as “soluções” sobreviventes para a questão do tempo e localização de um evento celestial eram “legítimas” nesse sentido, fossem elas observadas, calculadas a partir de relações periódicas e observações iniciais, ou calculadas a partir de um esquema matemático dependente de apenas uma observação anterior. Mesmo os mais sofisticados desses esquemas matemáticos aderiam a técnicas e formas antigas, tornando-os “legítimos”, apesar das semelhanças superficiais com abordagens modernas. Todas as soluções eram “suficientemente boas” se previssem o dia correto (mais ou menos), a localização nos graus mais próximos, e não falhassem em antecipar eclipses. Os tempos e posições precisos previstos nas Ephemerides eram em grande parte um subproduto das técnicas usadas, e não refletiam sua precisão real. A extensão em que as longitudes previstas poderiam ser comparadas com as observadas era limitada na era pré-telescópica, e as previsões para as frações mais próximas de um tithi nas Ephemerides planetárias eram aparentemente arredondadas para o dia mais próximo. Se prevendo eventos futuros, essas “soluções” forneciam ao adivinho dados suficientes sobre quando e onde observar, pois, como observado, mesmo eventos previstos tinham que ser observados para que sua interpretação completa fosse obtida. Se retrocálculos, as “soluções” forneciam ao adivinho dados suficientemente precisos para elaborar um “horóscopo”, ou equivalente. É uma concepção moderna que as soluções mais precisas serão favorecidas em detrimento das menos precisas, que a precisão por si só tornaria algumas soluções mais “legítimas” do que outras. Na ausência de qualquer verificação dos detalhes finos das previsões, e desde que todas as soluções fossem “suficientemente boas” de acordo com os critérios mencionados acima, todas permaneceriam legítimas se aderirem às formas antigas e à concepção subjacente prevalecente da natureza do universo. Tal é até o caso de alguns astrólogos modernos, pois, como fui recentemente testemunha, os últimos refinamentos ao “erro de relógio” DT ainda não haviam impactado aqueles que vi elaborando horóscopos antigos. A imprecisão de seus retrocálculos não os preocupava de forma alguma. Para os astrólogos babilônicos, mais informações eram melhores do que menos, e um adivinho teria usado soluções de todos os tipos de textos “legítimos” para provar seu ponto.

O mesmo ponto pode ser feito em relação ao comentário de Hunger e Pingree na página 184, de que, como alguns dos autores dos Relatórios e Cartas do século VII a.C. procuraram um eclipse durante três ou quatro meses consecutivos (presumivelmente empregando uma “solução” para a previsão de eclipses que consideraríamos elementar, mas que sem dúvida proporcionava aos adivinhos melhores termos de emprego), isso significava que o “Saros” não era conhecido naquela época. De fato, na página 205 do MPAA, argumento que ARAK nº 502 e os eclipses previstos em LBAT 1414 (mencionados acima) fornecem alguma evidência de que o período Saros era conhecido no século VIII a.C. Ignorar evidências não é evidência de ignorância.

Como corolário a isso, os autores sugerem na página 187 que períodos de 41 meses e 47 meses poderiam ter sido usados pelos estudiosos empregados em Nínive, embora não exista evidência direta (apesar do que afirmam na página 194) de seu uso posterior. Considero isso uma extrapolação injustificada, baseada presumivelmente na suposição de que períodos de 41 meses e 47 meses são mais elementares do que o período Saros de 223 meses, e, portanto, devem pertencer a um estágio anterior da evolução da astronomia em sua jornada unidirecional até os dias de hoje!

O restante do capítulo “Astral Sciences in Mesopotamia” (Capítulo C: Textos Teóricos) descreve os diversos métodos utilizados pelos astrônomos-astrólogos para prever fenômenos celestes. O capítulo começa com uma discussão sobre a previsão de eclipses usando o ciclo de Saros e, em seguida, aborda funções expressas como colunas de números em textos astronômicos matemáticos, não pertencentes aos Textos Astronômicos Computacionais (ACT), muitas vezes considerados “primeiros” exemplos deste tipo de texto. Estes incluem uma discussão sobre a coluna F e as colunas de magnitude do eclipse. As discussões frequentemente são concisas e, consequentemente, difíceis de seguir sem uma consulta constante às publicações originais. Curiosamente, a referência a Britton (1990) na página 197 está ausente na bibliografia. Veja J.P. Britton “A Tale of Two Cycles: Remarks on Column F” em Centaurus 33 (1990) pp. 57-69. Em seu breve estudo nas páginas 197-8 sobre a unidade usada para medir tanto o tempo quanto distâncias celestiais, conhecida como US (frequentemente chamada de “grau de tempo”), os autores não mencionam que essa unidade aparentemente foi usada para registrar uma distância celestial no Registro de Saturno do século VII a.C. publicado por C.B.F. Walker. Veja também meus comentários acima sobre o uso dessa unidade para medir uma distância nos Registros de Mercúrio de Nínive do século VII a.C. O uso do US para medir distâncias celestes antes de seu uso dessa maneira no zodíaco é de certa importância na história e evolução das unidades.

Nas páginas 203-205, os autores discutem as evidências mais antigas preservadas que se referem aos períodos característicos após os quais os planetas repetem seus fenômenos heliacais (e/ou longitudes), exemplificados pelos Períodos de Ano-Objetivo nos chamados Textos de Anos-Objetivo. Eles não mencionam o texto DT 72 (BM 92684) + DT 78 (BM 92685) + 81-6-25,136 (BM 41523), uma série astrológico-astronômica criptográfica que preserva um colofão que diz: “de Assurbanípal, rei da [Assíria]”, e nas linhas 56′-66′ os nomes dos planetas seguidos (em contexto fragmentado) pelas durações de seus períodos característicos. Não vejo razão para não datar a composição deste documento ao século VII a.C., o que significa que ele preserva a evidência mais antiga conhecida de um conhecimento de tais períodos.

Das páginas 212 a 270, os autores descrevem, às vezes com muitos detalhes, as Efemérides. A seção bibliográfica (pp. 212-220) é particularmente útil, e os autores merecem elogios pela abrangência de sua descrição dos métodos matemáticos empregados nessas composições, especialmente por situar todas as publicações recentes no contexto de Astronomical Cuneiform Texts de O. Neugebauer (1955). Eles observam corretamente na página 265 que “um problema fundamental para a astronomia planetária matemática dos babilônios é o(s) método(s) pelo qual eles derivaram as regras e os parâmetros de seus Sistemas a partir dos dados observacionais disponíveis”, mas dedicam apenas 5 páginas a este campo. Por algum motivo, eles optam por não delinear a descrição convincente de Neugebauer em 1968 sobre a origem dos parâmetros para o Sistema B das Efemérides Planetárias, apesar de se referirem a isso duas vezes nas páginas 236 e 269. Em vez disso, dedicam várias dessas páginas a uma crítica da obra The Babylonian Theory of the Planets de Swerdlow (1998). Parte da crítica centra-se na visão de Hunger e Pingree de que os Diários não estavam conectados com presságios, e que as Efemérides não foram projetadas para prever eventos ominosos, afirmações feitas por Swerdlow com as quais concordo. Comentei acima sobre a conexão entre os dados registrados nos Diários e o que era considerado ominoso. As Efemérides lunares calculavam eclipses, a duração do mês e o “sexteto lunar”, e as Efemérides planetárias previam os tempos e a longitude de ascensão heliacal, desaparecimentos, estações e ascensão acrônica, quando apropriado. Desses, todos eram direta ou indiretamente ominosos. Eclipses, duração do mês, ascensão heliacal e desaparecimentos eram diretamente ominosos. As estações indicavam quando e onde ocorreria a retrogradação, e a ascensão acrônica ocorria durante o meio desta fase ominosa. O sexteto lunar era indiretamente ominoso, assim como as datas de ascensão heliacal e desaparecimento. Hunger e Pingree argumentam que a “precisão” das Efemérides era irrelevante para os presságios, mas seria irrelevante para os adivinhos? Eu não diria que as Efemérides não cumpriam funções além da previsão de fases ominosas, mas parece ridículo argumentar que elas não estavam intimamente ligadas à adivinhação celestial.

Surpreendentemente, em sua discussão sobre o livro de Swerdlow, Hunger e Pingree ignoram a crítica mais significativa publicada por J. Britton em sua resenha na JHA de 1999, que observa que “a teoria do Sistema A para Júpiter e ambas as teorias para Marte refletem arcos sinódicos bastante precisos, que são inconsistentes com (aqueles derivados por Swerdlow) mesmo a partir de medições grosseiras dos tempos sinódicos”. Em outras palavras, Britton compara o que foi previsto pelo Sistema A para Júpiter e pelos Sistemas A e B para Marte com o que realmente ocorreu, e depois compara isso com o que seria previsto usando um esquema dependente de dados derivados do registro dos tempos de surgimento heliacal e desaparecimentos. Ele encontra uma melhor correspondência com as Efemérides existentes do que com a reconstrução de Swerdlow. Swerdlow tenta corrigir essa discrepância em um novo artigo intitulado “Acronychal Risings in Babylonian Planetary Theory” AHES 54 (1999) pp. 49-65.

De fato, ao longo do Capítulo C, Hunger e Pingree não fazem comentários sobre a precisão ou não dos diversos esquemas empregados nas Efemérides. Além de uma descrição rica e detalhada de seus conteúdos, eles quase não comentam sobre a estrutura subjacente dessas composições notáveis, que desempenha um papel importante em sua precisão. Eles mencionam brevemente (por exemplo, pp. 229 e 268) que a facilidade de cálculo desempenhou um papel na determinação de quais números compunham certos parâmetros críticos, mas eles não mencionam como, no caso da coluna F do Sistema B das Efemérides lunares, os números ascendentes terminam em 0;0,10, enquanto os números descendentes terminam em 0;0,0. Os valores são assim distinguíveis à primeira vista. De maneira similar, os valores para luas cheias são facilmente distinguíveis dos para luas novas nesses documentos. Essas características dependem do valor inicial escolhido e mostram que não apenas a observação, mas a facilidade de uso determinava qual valor era adotado. Finalmente, os autores não discutem o modo muito importante pelo qual as formas e unidades empregadas na adivinhação celeste são preservadas nas Efemérides. Eu discuto isso extensivamente no MPAA Cap. 4.1.2 e Cap. 5.1.1, apontando como o ano ideal de 360 dias é preservado nos 360 US da eclíptica através da qual o Sol se move a cada ano, e como o mês ideal de 30 dias persiste nos 30 tithis de um dia nas Efemérides planetárias. A proporção 3:2 dos comprimentos dos dias sobrevive, assim como a interpolação linear de valores intermediários (embora de forma mais refinada). Mesmo os 12 dedos tradicionais atribuídos a um eclipse total permanecem nos Efemérides, embora nos últimos períodos da escrita cuneiforme um dedo correspondesse a uma distância celestial subtendendo 1/12°, dando um valor para o diâmetro da Lua e do Sol duas vezes maior que a realidade.

Astral Sciences conclui com um apêndice que lista as traduções literais dos nomes das estrelas em acádio e sumério em comparação com seus equivalentes modernos, alguns dos quais têm um ponto de interrogação ao lado. A lista se baseia em trabalhos anteriores de Pingree e J. Koch, em particular, mas sem referências, não tenho certeza se todos os equivalentes modernos citados sem uma interrogação subsequente são reconhecidos por todos os estudiosos como corretos. A utilidade da lista é, assim, um tanto diminuída. Hunger e Pingree elaboraram uma bibliografia muito abrangente, embora por algum motivo o trabalho de J. P. Britton esteja sub-representado. Além das duas ausências já mencionadas, falta o artigo de 1987 “The Structure and Parameters of Column F” no Aaboe Festschrift, From Ancient Omens to Statistical Mechanics pp. 23-36, eds. J. L. Berggren e B. R. Goldstein. O índice de assuntos do autor inclui utilmente os nomes de vários escribas, e uma tabela de números de tábuas citadas encerra o manuscrito.

A maior parte do que é apresentado em Astral Sciences in Mesopotamia é, obviamente, publicada em outros lugares, mas muitas novas contribuições são feitas. Os destaques incluem, nas pp. 63-5, a tradução do texto inédito MLC 1866. Isso é útil, e aguardo a publicação das imagens. Além disso, sua análise dos números de minas em AO 6478, sendo em grande parte múltiplos de 5/6, é muito interessante (demonstrando, como faz, a importância contínua do jogo numérico na supostamente prática tradição ziqpu), assim como sua discussão dos textos dalbanna. A discussão sobre as inter-relações dos textos não-matemáticos é a mais importante. Referências e extratos de publicações futuras de Hunger sobre os registros de fenômenos planetários são de dar água na boca. Concordo com as restaurações dos autores para o verso do BM 37266 na p. 206. Os autores sugerem na p. 43 que surinnu refere-se ao crescente lunar no penúltimo dia do mês.

Os autores têm uma agenda particular com relação às etapas da evolução da astronomia preditiva, mas não a declaram. Eles buscam elementos de astronomia em material adivinhatório e, ao fazê-lo, o interpretam de forma equivocada. Eles julgam textos diferentes em propósito pelos mesmos critérios astronômicos, por exemplo, as Cartas e Relatórios, como se eles tivessem a intenção de registrar fenômenos com a mesma precisão que os Diários, por exemplo. Eles recorrem a uma explicação ad hoc com relação aos períodos de eclipse de 41 e 47 meses. Eles até parecem argumentar (p. 184) que as previsões foram inseridas no registro de observações em uma data muito posterior — uma data que simplesmente corresponde à sua visão das capacidades preditivas dos escribas. Eles parecem desinteressados nas formas subjacentes das Efemérides, que mostram sua estreita relação com as tradições adivinhatórias, impondo em vez disso a essa matéria a oposição moderna entre astrologia e astronomia. Apesar de tudo isso, a apresentação do material em cada seção é abrangente e lúcida, e eu pessoalmente usarei Astral Sciences in Mesopotamia como uma ferramenta de referência inicial. Como os Prelúdios de Schumann e Chopin, sinto que posso apreciar este livro, mas, ao contrário de Schumann, não estou preocupado que o filisteu não reconheça seu valor, mas sinto, ao contrário, que ele provavelmente será mal utilizado pelo leitor leigo.

Ω

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