A Astrologia como um direcionamento superior para a humanidade do futuro.

Sábado, Maio 21st, 2022|
Google+

Menu

  • ABC DA ASTROLOGIA
    • Descubra a Astrologia
      • A Interpretação do Mapa Astrológico
      • A Interpretação dos Aspectos Planetários – I
      • A Interpretação dos Aspectos Planetários – II
      • A Lua no Mapa Astrológico – I
      • A Lua no Mapa Astrológico – II
      • O Sentido das Estrelas
      • O Significado Astrológico dos Planetas
      • O Sol e a Lua I
      • O Sol e a Lua II
      • Os Planetas nos Signos
      • Termos Astrológicos
    • Astrologia no Brasil
      • A Astronomia e a Astrologia no Brasil Indígena
      • A Astrologia como Campo Profissional em Formação
      • A Astrologia no Brasil
      • A História da Astrologia
      • A Identidade Profissional dos Astrólogos
      • Arcanos e Mitos Herméticos
      • Centro de Pesquisas Astrológicas Hermes
      • Reflexões Astrológicas sobre a Realidade Brasileira
    • Humor
      • A Astrologia Bem Humorada
      • A Combinação Amorosa dos Signos
      • O Lado Negro dos Signos
    • Os Signos Astrológicos
      • Conheça seu Signo I
      • Conheça seu Signo II
      • Conheça seu Signo III
  • ASTROLOGIA E ASTRÓLOGOS
    • Astrologia no Século XX
      • A Astrologia Transpessoal de Dane Rudhyar
      • As Estatísticas de Michel Gauquelin
      • Contribuições de André Barbault à Astrologia
      • Demetrio Santos y sus Jornadas Astrológicas
      • Sobre la Astrología Precesional
      • Um Século de Estatísticas Astrológicas
    • Cláudio Ptolomeu
      • A Influência de Aristóteles na Obra Astrológica de Ptolomeu
      • O Tetrabiblos de Ptolomeu I
      • O Tetrabiblos de Ptolomeu II
      • O Tetrabiblos de Ptolomeu III
    • Fírmico Materno
      • La Dialéctica Literaria entre Manilio y Fírmico Materno
      • Las Desviaciones Sexuales en la Mathesis de Fírmico Materno
    • Guido Bonato
      • El Tratado de Forlivio – I
      • El Tratado de Forlivio – II
    • Morin de Villefranche
      • Morin de Villefranche – Capítulo III
      • Morin de Villefranche – Capítulo V
    • Vettius Valens
      • Astrologia e Poder no Império Romano
    • William Lilly
      • William Lilly e a Astrologia Cristã I
      • William Lilly e a Astrologia Cristã II
  • ASTROLOGIA, ATRONOMIA E CIÊNCIA
    • Astrologia nas Ciências
      • A Astrologia e a Cosmologia I
      • A Astrologia e a Cosmologia II
      • Apuntes Astrológicos I  
      • Apuntes Astrológicos II
      • Astrología Clásica a la Luz de la Ciencia Actual I
      • Astrología Clásica a la Luz de la Ciencia Actual II
      • Astrología y Ciencia: Una Perspectiva Crítica
      • Astrônomos e Astrólogos, Nativos e Antropólogos
      • Consonâncias Planetárias I
      • Consonâncias Planetárias II
      • El Hecho Astrológico
      • Impactos del Análisis Armónico
    • Astrologia e Astronomia
      • A Realidade sobre o 13º Signo do Zodíaco
      • Astrología Avanzada. Medidas y Cálculos.
      • Astrología Mundial
      • Astrologia Mundial e os Grandes Ciclos
      • Astronomia Geodésica
      • Ciencias de los antiguos en al-Andalus
      • Las Facetas del Destino
      • Las Partes Herméticas y Arábigas en Astrología
      • Os Graus Simbólicos do Zodíaco I
      • Os Graus Simbólicos do Zodíaco II
  • ASTROLOGIA, ALMANAQUES E ESOTERIA
    • Almanaques e Artículos Astrológicos
      • Almanaques Astrológicos I
      • Almanaques Astrológicos II
      • Almanaques Astrológicos III
      • Artículos Astrológicos I
      • Artículos Astrológicos II
      • Artículos Astrológicos III
    • BIBLIOTECA ASTROLÓGICA
      • A Cozinha Astrológica
      • A Influência de Saturno
      • As Fases de Vênus
      • La Biblioteca Astrológica
      • Catálogo de Raridades Astrológicas
      • John Dee e a Mônada Hieroglífica
      • Livros de Astrologia no Google Books
      • O Significado Astrológico das Plantas
      • Técnicas Lunares na Agricultura
      • Trânsito de Saturno pelas Casas
    • Estudos Astrológicos
      • Estudos Astrológicos e Transcendentais I
      • Estudos Astrológicos e Transcendentais II
      • Estudos Astrológicos e Transcendentais III
      • Estudos Astrológicos e Transcendentais IV
    • Na Mídia e no Esoterismo
      • A Astrologia Esotérica no Século XIX
      • A Astrologia Oculta
      • Astrologia Audiovisual
      • Astrología Esotérica
      • Astrologia Magistral
      • Astrologia na Internet e as Figuras Cosmológicas na Publicidade
      • Astrologia Telúrica
      • Astrología Transcendental
      • Simbolismo de los Astros en Hermetismo y Astrología
      • Astrologia Hermética I
      • Astrologia Hermética II
  • ASTROLOGIA, ARTE, FILOSOFIA e LETRAS
    • Astrologia e Arte
      • Aby Warburg y la Imagen Astrológica
      • Arquitectura, Urbanismo y Astrología
      • Iconografía astrológica en la España de los siglos XIII ao XVI
      • Iconografía de los planetas en la Cataluña de los siglos XI-XII
      • Iconografía del Breviari D’Amor: El Debate Astrológico
      • Imago Signorum
      • O Imaginário do Céu Arcaico nos Quadrinhos de “Promethea”
      • O lugar da astrologia nos estudos de Aby Warburg
      • Ovídio e o Poema Calendário
      • Precisiones a los Horóscopos Artísticos
      • Sob o Signo da Iconologia
    • Astrologia e Filosofia
      • A Astrologia e a Relação entre Cosmo e Homem
      • A Astrologia e o Timeu de Platão
      • A Relação entre o Saber Astrológico e a Filosofia Estoica
      • Astrologia e a Noção de Destino
      • Astrólogos e Filósofos
      • A Astrologia na Maçonaria I
      • A Astrologia na Maçonaria II
      • Cosmologia de Anaximandro de Mileto
      • Determinismo, Liberdade e Astrologia nos Estoicos
      • Los Fundamentos Espirituales de la Astrología
    • Astrologia e Letras
      • A Astrologia e Dante Alighieri
      • Astrologia e Fernando Pessoa I
      • Astrologia e Fernando Pessoa II
      • A Astrologia na Obra de Camões
      • Astronômicas
      • Cosmologia e Astrologia na Obra Astronomica de Marcus Manilius
      • El Debate sobre la Astrología en la Literatura Española del XVIII
      • Hacia una Poética de Metáforas Celestes
      • La Astrología a Propósito del Libro de Sue Lewis
      • Salomão & Saturno I e o Encantamento das Nove Ervas
      • Sensus mythologicus atque astrologicus
      • Simbolismo de las Aves Saturninas
    • Narrativas Astrológicas
      • A Astrologia como Sistema de Coerência
      • A Astrologia e os Jogos Cooperativos
      • As Dimensões Imaginárias da Astrologia
      • Comentários de Osho sobre a Astrologia
      • Instrumentos de Persuasão em Horóscopos
      • O Sistema Astrológico como Modelo Narrativo
      • Perfil do Turista com base nos Elementos Astrológicos
  • ASTROLOGIA, CALENDÁRIOS E CIVILIZAÇÕES
    • Astrologia Medieval
      • A Classificação dos Seres no Lapidário de Alfonso X – I
      • A Classificação dos Seres no Lapidário de Alfonso X – II
      • De la Confrontación entre la Astrología y el primer Cristianismo
      • Elementos para Compreensão de uma Astrologia Cristã I
      • Elementos para Compreensão de uma Astrologia Cristã II
      • La Astrología y la Cosmología de Ramón Llull
      • Orientação para o Estudo de Astrologia Medieval
    • Astrologia e Judaísmo
      • Dos textos astrológicos conservados en el comentario al Sefer Yesirá
      • Imágenes de la Influencia Astral
      • La Astrología y el Judaísmo
      • La Obra Astrológica de Abraham Ibn Ezra
      • O Rabino Astrólogo Abraão Zacuto e o Almanach Perpetuum
      • Zodíacos nas Sinagogas da Palestina Romana
    • Astrologia em Portugal
      • Astrologia e Inquisição em Portugal nos séculos XVI e XVII
      • A Astrologia em Portugal no Século XVI
      • Astrologia na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra
      • O Estudo dos Astros em Portugal no Século XVII
    • Astrologia no Renascimento
      • A Alquimia dos Planetas
      • A Cidade do Sol
      • A Magia Celeste em Henrique Cornélio Agrippa
      • Astrología y Hermetismo en Miguel Servet
      • El Engarce de la Astrología en el Pensamiento Medieval y Humanista
      • La Astrología en el Arte del Renacimiento y Barroco Español
      • Las Fuentes de la Astrología durante el Renacimiento
    • Calendários e História
      • A História do Calendário
      • A Origem Astrológica dos Nomes dos Dias da Semana
      • Astrologia, Calendários, Tradições e Planetas
      • El Calendario Romano de Fraga
      • Historia de la Astrología
      • Influxos do Céu na Existência dos Homens
      • Os Calendários Romanos como Expressão de Etnicidade
      • Representaciones y nombres de meses
    • Civilizações e Cultura
      • A Astrologia Egípcia
      • Alimentos, Religión y Astrología en el Mundo Antiguo
      • Astrología Caldea
      • Astrologia e Milenarismo no Mundo Helenístico Romano I
      • Astrologia e Milenarismo no Mundo Helenístico Romano II
      • Clave Espiritual de la Astrología Musulmana
      • Cosmografía y Astrología en Manila
      • Dos Céus e da Terra
      • El Imaginario Astrológico en los Siglos del Románico
      • El Paganismo y el Zodíaco
  • ASTROLOGIA, MEDICINA E PSICOLOGIA
    • Astrologia e Medicina
      • A Doutrina Astrológica dos Temperamentos
      • Astrologia no cuidado de Mulheres Deprimidas do Bom Jardim
      • Astrología Médica I
      • Astrología Médica II
      • Astrología Médica Ayurvédica I
      • Astrología Médica Ayurvédica II
      • La Lenguaje Corporal y la Astrología
      • La Medicina en un Manuscrito de Astrología del Siglo XV
      • O Conhecimento Médico-Astrológico
      • Orígenes y Estructura del Horóscopo
    • Astrologia e Psicologia
      • A Relação da Astrologia com a Psicologia I
      • A Relação da Astrologia com a Psicologia II
      • Astrocaracterologia
      • Astrologia, Meio Ambiente e Personalidade
      • Astrologia, Psicologia e Tarô
      • Identidades Desviantes
      • Influência Psicológica dos Planetas
      • La Polaridad Anima-Animus y la Astrología
      • Las Conductas Sexuales Pervertidas desde la Astrología Antigua
      • Psicología y Astrología I
      • Psicología y Astrología II
      • Psicología y Astrología III
  • Livraria Astrológica
    • Livros de Astrologia em Espanhol
    • Livros de Astrologia em Inglês
Astrologia na Arte

Quem tem Ouvidos que Ouça

By César Augusto on 14 de Março de 2012

ψ

Elementos para uma Leitura de “O Astrólogo” de Gomes Leal

Henrique Marques Samyn

Comecemos com uma evocação algo anedótica, mas que está intrinsecamente relacionada ao tema deste trabalho: a confiarmos no que sugere Vitorino Nemésio num ensaio definitivo, e que Fernando Pessoa ressoou num soneto1, Gomes Leal seria um poeta predestinado. Marcado pela má sorte, entregue por Apolo a Saturno − segundo o soneto pessoano −, Gomes Leal conheceria, primeiro, a fama dos rebeldes, o que acabaria por granjear-lhe a dúbia glória dos iconoclastas e uma visita à prisão do Limoeiro; depois, já converso à religião que anteriormente anatematizara, viveria em seus últimos dias a miséria dos poetas malditos, valendo-se de favores e servindo como alvo fácil para as zombarias de adolescentes pelas ruas.

1 “Gomes Leal”, editado em: Pessoa (1997, p. 145).

Claridades do Sul

Essa lembrança nos é útil por implicar uma observação, no mínimo, instigante: o fato de que vários daqueles que se dedicaram a avaliar a obra de Gomes Leal se viram tentados a percebê-la como vinculada a uma errática trajetória que, por sua vez, fora determinada por forças ocultas. Trata-se de um recurso útil, aliás, para explicar o motivo de ser esse um poeta obcecado pelo desconhecido, algo nítido já em seu primeiro livro, Claridades do Sul (1875), e que de algum modo se faria presente mesmo numa obra tão tributária do naturalismo quanto O Anticristo (1884-1886) − poema que não recusaria criticar a própria razão que lhe servia como sustentáculo para a emancipação irreligiosa. Se suposições de ordem psicológica podem ser eventualmente úteis para o exame de uma produção literária, no caso de Gomes Leal parece determinante a inquietação intelectual que, amplificada por uma exacerbada sensibilidade, parece haver contribuído decisivamente para a inconstância perceptível tanto em sua vida quanto em sua obra − sobretudo por determinar uma visão de mundo sempre cambiante, instável pela recorrente disposição a contestá-la em seus pressupostos.

Não é meu propósito nem enveredar pelo psicologismo, nem sustentar hipóteses deterministas ou metafísicas; contudo, se evoco as apreciações de Nemésio e de Pessoa, não o faço de forma gratuita. Parece-me plausível a hipótese de que a trajetória de Gomes Leal estaria, se não previamente traçada, ao menos já esboçada em sua juventude − não por quaisquer forças ocultas, mas pelo mero fato de ser ele alguém plenamente disposto a absorver as contradições de seu tempo. Nas próximas páginas, desenvolverei esse postulado, guiado, sobretudo, pela leitura que proporei para um soneto de Claridades do Sul − “O Astrólogo”:

δ

O Astrólogo

Quem tem ouvidos que ouça.

Quem tem ouvidos que ouça, e o velho mundo
Que o aprenda de cor, pois que o que digo
É fruto dum estudo egrégio e fundo,
Como a ciência dum Caldeu antigo.

A Terra há muito que é um charco imundo,
Vencida eternamente do Inimigo,
E há muito lhe prevejo um fim profundo,
E um tremendo e trágico castigo.

Ora, ontem à noite, fui a um monte
Muito alto − e eis que avisto no horizonte
Dez signos, como em longa procissão…

E esses signos, a mim que sou vidente,
Tinham formas de letras, claramente:
− E nessas letras li DESTRUIÇÃO.

δ

Se o dizer literário inevitavelmente pressupõe, em algum nível, um afastamento da linguagem comum; se, em particular, o dizer poético visa à enunciação de uma verdade que se esquiva ao olhar cotidiano, já à primeira vista assoma o fato de estarmos diante de alguém que explicitamente assume essas especificidades em seu discurso. Mais que poética, a subjetividade lírica se pretende profética: “Quem tem ouvidos que ouça”, é o que brada já de início (e duas vezes: na epígrafe e no primeiro verso, no qual, aliás, faz coincidir a sentença com o primeiro hemistíquio), exortação em que transparece o tom bíblico2. Há aí, evidentemente, alguma encenação, sustentada pela retórica artificiosa; não obstante, assim se efetiva o deslocamento mediante o qual o poeta se atribui uma função superior, jamais concebida pelo homem ordinário, e que diz respeito a uma relação particular com o tempo: proclama-se detentor de uma sabedoria que se assemelha à dos antigos, mas que desvela o presente e antevê o futuro.

2 São diversas as passagens neotestamentárias semelhantes; cf.: Mt 11,15; Mt 13,9; Mc 4,9; Mc 4,23; Lc 8,8; Lc 14,35; Ap 2,7; Ap 2,11; Ap 2,17, entre outros trechos (exemplos colhidos na versão da CNBB).

É enquanto portador dessa perene sabedoria que o poeta se impõe como autoridade. Valendo-se dessa posição, desfere, sem meias palavras, um implacável juízo sobre o mundo − este “charco imundo”, entregue ao “Inimigo”, destinado a sofrer um castigo “tremendo e trágico”. Nessas palavras entrevemos não tanto a previsão de um vidente quanto a imprecação de um moralista, que busca intervir no errôneo curso das coisas por meio de ameaças − e, aos olhos contemporâneos, é justamente o tom exaltado em que são proferidas essas palavras o que mais suscita dúvidas acerca de sua seriedade. A desconfiança é, por um lado, legítima: no âmbito textual, o poeta se vale de uma máscara, no que vai um passo além do “fingimento” inerente à atividade poética − uma vez que desempenha um personagem cuja função demanda algum alarde. Por outro lado, os artifícios estilísticos que emprega não são muito diferentes daqueles que tantas vezes flagramos em Guerra Junqueiro, ou mesmo em Antero de Quental, o que significa dizer: há neles as marcas de uma época − e, se pretendemos evitar o anacronismo, cabe não desacreditar o que, em seu tempo, mediu-se pela eficácia.

Early 17th Century astrologer. 1610.

Nos tercetos finais, percebe-se uma mudança fundamental no discurso: as imprecações generalizantes dão lugar à narração de um episódio específico, o que encerra também uma restrição temporal ao pretérito. “Ontem à noite, fui a um monte”, afirma o verso inicial do primeiro terceto, sendo mais adequado lê-lo a partir de uma clave simbólica: o “ontem” aqui se estende indefinidamente, fundindo-se com o passado mítico; a “noite” é a evocação metafórica do sono e do sonho enquanto obscuridade da razão, em oposto à luminosa lucidez cotidiana; o “monte” (“muito alto”, aliás) é o lugar reservado à revelação, inacessível aos homens comuns. É nesse espaço, de acesso facultado apenas ao vate-profeta, que decorre a contemplação descrita no verso que encerra o primeiro terceto: a visão, no horizonte − não geográfico, mas existencial − de “dez signos” (que, por não serem doze, não se confundem com aqueles do zodíaco, embora isso não implique um esvaziamento de ordem alegórica, sobretudo no que diz respeito à tradição judaico-cristã: evoquem-se os dez mandamentos revelados a Moisés, as dez Sefirot cabalísticas, as dez pragas do Egito ou as dez tribos perdidas de Israel).

Se é pertinente a leitura que propomos, o terceto final se revela desprovido de qualquer dimensão fantasiosa − conquanto não se despoje, por inteiro, do conteúdo metafísico. Se o poeta é “vidente”, é por estar apto a perceber o que ultrapassa as estreitas limitações impostas pela ordem racional; e é precisamente por habitar a noite da consciência, na qual se exacerba a intuição, que percebe o sentido daqueles dez signos que avultam no horizonte do possível − conformando as letras que compõem a palavra DESTRUIÇÃO, aliás grafada em maiúsculas, de modo a enfatizar sua significação totalizante.

Com efeito, se Gomes Leal não explicita o alcance da “destruição” que intui, enquanto vate e vidente, isso ocorre porque a referência seria demasiado extensa para ser especificada − e a omissão tem o efeito de sugerir essa amplitude. Trata-se da destruição de todo um mundo, enquanto conjunto de significações composto pelas múltiplas perspectivações humanas; em outras palavras, trata-se de uma antevisão da derrocada dos sentidos e da falência dos valores, condicionada por elementos do contexto histórico e cultural em que o poema foi composto.

Gomes Leal viveu naquele conturbado ambiente que foi a segunda metade do século XIX − e não foi o único a deixar-se dominar por uma sensação de que, em toda a parte, anunciava-se o declínio. Há certa obsessão pela idéia de decadência no pensamento europeu desta época; uma percepção que começa a emergir no ambiente cultural pós-romântico, e que ganha cada vez mais força ao longo dos anos. Embora isso não necessariamente determinasse uma valoração negativa da arte − com efeito, havia quem concebesse a decadência precisamente como um efeito da maturidade artística extrema, de modo que, nesse devastador cenário, ainda seria possível conceder a ela uma espécie de salvo-conduto −, suscitava uma questão fundamental: qual seria o sentido da arte num mundo em desagregação?

A combativa perspectiva advogada pelos entusiastas da nova estética realista não seria acolhida por Gomes Leal, que explicitamente recusa o Realismo no posfácio a Claridades do Sul; em suas palavras, trata-se de uma “vã retórica” que, sob a “aparência de análise, de crítica, de experiência, revela o sórdido e o obsceno”. E, se Gomes Leal rechaça desse modo a reação realista, é precisamente por ter uma visão ainda mais ambiciosa da arte enquanto instrumento construtivo. A poesia de Claridades do Sul, afirma, é uma poesia “sadia, forte e verdadeira”, que não despreza “o amor, nem a imaginação, nem a liberdade”, e que tem a pretensão de “estabelecer o verdadeiro equilíbrio entre o ideal e o real“, de modo a (“como a filosofia”, reitera) “melhorar a humanidade” e “alargar o ideal humano”, sendo assim “digna da nobre missão que nestes tempos lhe está confiada”. Mais que um instrumento para a transformação política e para a reforma da sociedade, a poesia seria a responsável pela construção de um novo homem.

Ao assumir essa difícil missão, Gomes Leal se depara com um fulcral dilema: onde procurar as referências para a renovação? Para um poeta que desconfia da razão e ousa contemplar o mistério, a política não poderia oferecer respostas capazes de saciar a sede metafísica, e a ciência não poderia constituir nada além de uma solução ilusória – percepção que, já mais extensamente desenvolvida, assomaria em O Anticristo, obra aliás já anunciada por um soneto presente no livro de 1875 (“O novo livro”). E está aí, a meu ver, a questão fundamental entrevista em “O Astrólogo”.

A marcha dos signos, anunciando a destruição, espelha a sensibilidade de Gomes Leal à crise vivenciada em sua época; não obstante, ao prever um “fim profundo” para o mundo, talvez não estivesse o poeta recorrendo à solução moralista que sua encenação permitia entrever, mas antevendo (como um profeta profano, poderíamos acrescentar) a impossibilidade de alcançar respostas definitivas. A pletora de influxos acolhidos pelo poeta, e revelados por uma leitura de Claridades do Sul – esse livro que não raro oscila para tendências antitéticas, e que anuncia a perplexidade de um temperamento que “não dispensava a amplidão onde coubessem os paradoxos, os júbilos, as invectivas e os desalentos”, como observam Francisco da Cunha Leão e Alexandre O’Neill −, permite-nos prenunciar as crises de uma personalidade que recusará o ceticismo em nome de uma moral cujo fundamento jamais será sedimentado, e em nome de uma razão cuja fragilidade será, ao longo do tempo, relutantemente acolhida.

Num monte muito alto, à noite, o vate-vidente contemplou dez signos que anunciavam a destruição de um mundo. “Quem tem ouvidos que ouça”, bradou, incitando os seus contemporâneos a perceber a terrível verdade que assim ousava revelar. Resta, contudo, a indagação: teria ele, nesse momento, ouvido o que previa para si mesmo?

Referências Bibliográficas
GOMES LEAL, A. D. Claridades do sul. Ed. José Carlos Seabra Pereira. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.
PESSOA, Fernando. Mensagem: poemas esotéricos. Edição crítica de José Augusto Seabra. Madrid, Paris etc.: ALLCA XX, 1997.
LEÃO, Francisco da Cunha; O’NEILL, Alexandre. Comentário. In: GOMES LEAL, A. D. Antologia poética. Escolha e comentários de Francisco da Cunha Leão e Alexandre O’Neill. 2. ed. Lisboa: Guimarães, 1999.
NEMÉSIO, Vitorino. Destino de Gomes Leal. 4. ed. Lisboa: Imprensa Nacional−Casa da Moeda, 2007.

Ω

  • Clique para partilhar no Facebook (Opens in new window)
  • Click to share on Pinterest (Opens in new window)
  • Carregue aqui para partilhar no Twitter (Opens in new window)
  • Click to share on Skype (Opens in new window)
  • Click to share on WhatsApp (Opens in new window)

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Relacionado

Categorias:Astrologia na Arte

Tagged as: Gomes Leal, Henrique Marques Samyn, O Astrólogo

Navegação de artigos

Os Instantes, a Eternidade do Mundo e a Consulta aos Astros
Miguel Escoto, Médico Astrólogo, Alquimista y Traductor

César Augusto – Astrólogo

Espaço Astrológico

  • César Augusto – Astrólogo
  • Consulta Astrológica
  • Colaboradores
  • Doe seus Livros Usados
  • Missão, Valores e Filosofia
  • O Astrólogo

Livros de Astrologia em Espanhol

Livros de Astrologia em Inglês

Categorias de Posts

Astrologia Antiga Astrologia e Astrólogos Astrologia e Esoterismo Astrologia Medieval Astrologia na Arte Astrologia na Ciência e Filosofia Astrologia na Corte e no Renascimento Astrologia na História e Mitologia Astrologia na Medicina e Psicologia Astrologia Árabe e Judaica Consulta Astrológica Cosmologias Estudos Herméticos Traduções

Astrológica

  • Astro-Databank
  • Astrología Culta y Erudita
  • Astrological Research and Education
  • Astronomy Picture of the Day Archive
  • C.U.R.A. Astrology Research Center
  • Cosmic Visages by Tsilikat
  • Culture and Cosmos
  • Renaissance Astrology
  • SkyScript
  • Solar System Scope
  • Stellarium
  • Warburg Institute

Mapa do Céu

  • Céu do Dia

Espaço Astrológico

Espaço Astrológico

Sunrise Stonehenge

Aurora Shimmer

Vênus e Júpiter

Salk Institute

Prefácio ao Leitor

‘ESCREVO UM AVISO AOS ADVERSÁRIOS DA ASTROLOGIA: PARA QUE NÃO JOGUEM FORA O BEBÊ COM A ÁGUA DO BANHO‘.
KEPLER

Espaço Astrológico

  • View Espacoastrologico’s profile on Facebook
  • View cesar_astrologo’s profile on Twitter
  • View espacoastrologi’s profile on Pinterest
  • View espacoastrologico’s profile on YouTube

Espaço Astrológico

  • Top categories: Traduções Universidad Complutense de Madrid
  • Social links:
    Google+
|
  • Seguir A Seguir
    • espacoastrologico.com.br
    • Junte-se a 4.179 outros seguidores
    • Already have a WordPress.com account? Log in now.
    • espacoastrologico.com.br
    • Personalizar
    • Seguir A Seguir
    • Registar
    • Iniciar sessão
    • Copy shortlink
    • Denunciar este conteúdo
    • View post in Reader
    • Manage subscriptions
    • Minimizar esta barra
 

A carregar comentários...
 

    %d bloggers like this: