Astrologia na História e Mitologia

Discurso Astrológico por António Pais Ferraz

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§

António Pais Ferraz

Discurso Astrológico das Influências da Maior Conjunção de Júpiter e Marte, que Sucederá neste Ano de 1660, a 8 de Agosto, Observada e Calculada para o Meridiano desta Corte, Cabeça de Portugal.

  Nele se trata da exaltação de Portugal, dos princípios de seu Império e de suas felicidades.

 Transcrito e anotado por Manuel J. Gandra

Senhor,

Aos Reais pés de Vossa Muito Alta e Poderosa Majestade ofereço este breve Discurso Astrológico que por duas razões tem vossa Majestade Sereníssima obrigação, não só de o aceitar, mas de o ilustrar, e favorecer com suas reais magnificências. A primeira é ser fundado na Astrologia, ciência que só compete aos grandes Príncipes, pois é a mais nobre de todas as que têm por objecto o Material, segundo Aristóteles, Príncipe dos Filósofos, no I. Livro dos Meteoros e VIII. (da) Física e in II. (do) De generatione et corruptione. Sobre a proeminência, que os Astros e Orbes Celestes têm nos inferiores, e dela se prezaram os mais levantados Príncipes, e antigos do Mundo. A origem de todos foi nosso primeiro Pai Adão, depois dele Noé, Abraão e os mais de seus descendentes, que faziam tanta estima desta ciência, que quanto mais sábios nela, maiores Príncipes se consideravam, e por tais eram venerados: como o Senhor D. Manuel, Rei de Portugal, que por esta ciência senhoreou as partes do Oriente e do Ocidente. Nesta altura prosseguia o mais Sábio por Estrela, o Sereníssimo Príncipe Dom Teodósio, que Deus tem em Glória, Irmão de Vossa Majestade.

A segunda razão, que obriga a Vossa Majestade Sereníssima para favorecer este papel, é tratar das glórias, felicidades e exaltação do Império Lusitano, não só prometido por Cristo ao primeiro ascendente de Vossa Majestade, naquelas palavras — Volo enim in te, et in semine tuo Imperium mihi stabilire — e por Profecias de Varões Santos e virtuosos; mas ainda conjecturado das influências das conjunções dos Planetas superiores, pois Vossa Majestade há-de ser a origem e o principal fundamento desta Coroa Imperial.

Portanto favoreça Vossa Majestade com sua Real grandeza estes felizes anúncios aplicados com a pena, e estudo deste seu fiel vassalo, para zelar e engrandecer com ânimo fidelíssimo as glórias de Vossa Majestade, cuja vida e Império sempre Deus aumente e prospere.

De Vossa Majestade Vassalo fidelíssimo,
F. T. M. António Pais Ferraz.

δ

Discurso astrológico das influências da Maior conjunção de Júpiter e Marte, que sucederá neste ano de 1660

Posto que no meu Prognóstico deste ano de 1660 não fiz menção da conjunção de Júpiter e Marte, que sucederá a oito de Agosto, foi a causa de falar sobre ela em particular, como aqui faço, não só para mostrar por conjecturas astrológicas a exaltação, e aumentos de Portugal, mas juntamente para desengano de alguns tíbios e perplexos. Falo Physicè, et secundum dispositiones causarum secundarum; Logicè enim, et respectu primae causae. Será o que Deus for servido e assim tudo o que disser neste papel, submeto com toda a submissão de humilde filho da Igreja Romana, à correcção e juízo dos Senhores Dom Inquisidores e Ministros de Sua Majestade.

§ 1

Dá-se notícia das conjunções dos três Planetas superiores e de suas influências

Várias são as opiniões dos astrólogos e, por esta causa, se (des)encontram em seus escritos no eleger do almutem das figuras, que observam por cada um seguir a doutrina daquele autor a quem mais se afeiçoa, sendo que as experiências mais contínuas, e quotidianas são as que mais podem acertar; pois os efeitos das causas celestes, são futuros: Eorum enim causae tantummodo a posteriori cognoscuntur; V. test axioma Astrologicum.

Os planetas errantes são sete, convém, a saber, (começando de cima para baixo) Saturno, Júpiter, Marte, Sol, Vénus, Mercúrio e a Lua. Destes sete, os três a que chamamos superiores são Saturno, Júpiter e Marte, porque estão acima do Sol. Destes três planetas se formam certos congressos, ou conjunções, cujos nomes são conjunção Máxima, Maior e Magna: a positivo enim (Magnus) tantummodo formatur comparativus (Maior) et superlativus (Maximus). Uns dão quatro conjunções, a saber, Máxima, Maior, Média, ou Magna e ainda estes, que concedem estas quatro, se [des]encontram, porque uns dizem que a conjunção Máxima se forma de Saturno, Júpiter e Marte; a Maior, quando Saturno e Júpiter se encontram, digo se juntam. A Magna ou Média, quando Saturno e Marte têm congresso e a Mínima quando Júpiter e Marte se encontram. Outros dizem que a conjunção Máxima se forma de Saturno e Júpiter e tiram a Marte e que esta se há-de fazer em triplicidade contrária, e sendo em diversa não totalmente oposta, se chama Magna, ou Média, e sucedendo em a mesma triplicidade, se diz Mínima.

Sem embargo do que dizem esses astrólogos, digo eu que a conjunção de Júpiter, Saturno e Marte é universal e que tem influência sobre toda a terra. E este domínio universal sómente tem Cristo Senhor Nosso e depois seu Vigário, o apóstolo São Pedro e por sucessão os Sumos Pontífices, e esta conjunção raramente sucede.

A Máxima é a que se faz de dois planetas quaisquer dos superiores em algum dos quatro signos cardeais, como sucedeu no ano de 1453, em que o Turco alcançou o Império de Constantinopla, que se fez de Júpiter e Marte, em Capricórnio.

A Maior é a que sucede de dois destes planetas em qualquer dos signos fixos e sucedentes aos cardeais e esta influi sobre Monarquias que dominam Reinos que lograram Reis naturais.

A conjunção Magna é a que se faz dos ditos planetas em qualquer dos signos cadentes e sua influência é sobre Reinados e Potentados.

Por outro modo tirado das palavras de Ptolomeu na palavra 64 do Centilóquio — onde se diz: In Alchirer minori (idest magna) est divisa alchiren media (hoc est maior) et in media divisa est maior (scilicet maxima) — se podem considerar estas conjunções, a saber, que sucedendo algum dos três planetas em qualquer signo do zodíaco, se dirá Magna, e no fim da sua duração suceder outra cujas influências esforçarem e corroborarem as da conjunção precedente, esta se chamará Maior; a terceira depois destas se chamará Máxima, cujos influxos continuarem com os das duas precedentes.

§ 2

Das circunstâncias necessárias para as influências de qualquer das conjunções sobreditas sortir efeito

As circunstâncias necessárias para qualquer conjunção dos três planetas superiores influir seus efeitos são as seguintes. A primeira é que o almutem de alguma das quatro partes do ano seja algum dos três planetas superiores. A segunda que tenha precedido congresso, ou o venha a ter no mesmo ano com outro superior. A terceira, que o senhor da sétima casa esteja mais poderoso, que o do horóscopo. A quarta, que neste tempo estejam acabados os efeitos das influências da conjunção precedente, aliás, faltando algumas destas circunstâncias, o congresso será baldado e de nenhum efeito para a mudança; antes influirá firmeza e aumento do precedido. E declaro-me com o seguinte.

No ano de 1580, em que este Reino se atenuou com a morte do senhor cardeal D. Henrique, que Deus tem, foi senhor da primeira parte do ano Saturno, porque o Sol nela entrou nesta Corte a 10 de Março às 8 horas e 11 minutos da manhã, no primeiro ponto de Áries; Saturno se achou em 13 graus e 48 minutos de Aquário com Marte em 7 graus 6 minutos do mesmo signo, os quais planetas tiveram congresso a 2 de Março, segundo consta de Stadio em suas Efemérides. E porque nesta figura se acharam todas as quatro circunstâncias sobreditas, por esta causa (e volente Deo) el-Rei Filipe ocupou este Reino e porque pela conta duodecatenária dos graus, em que Saturno se achou, caíu no signo de Câncer, contando de Aquário para Câncer vão seis signos, que somam 60 anos, os quais juntos aos 1580 fazem 1640, e assim tanto tempo haviam de durar suas influências como duraram, (Loquor physicè) e dentro deste tempo nenhuma outra conjunção que houvesse podia ter efeito antes do ano de 1640. E se não vejam-se as Efemérides, quantas conjunções precederam antes do ano de 1640 sem até esse tempo se sentirem suas influências.

No ano de 1640 na entrada do Sol em Áries nesta Corte, que foi a 19 de Março às 9 horas e 26 minutos da tarde, foi almutem do ano Júpiter; este se achou em 5 graus de Capricórnio, acompanhado de Marte, com o qual teve congresso, antecedentemente em 5 graus do dito signo a 16 de Março do mesmo ano, e porque esta conjunção tinha todas as circunstâncias necessárias como a sobredita do ano de 1580 e juntamente porque se acabava o tempo das influências da precedente conjunção no de 1640, por esta razão houve a mudança — considere-se que aqui em tudo falo fisicamente e segundo a ordem e disposição das causas segundas — na felicíssima aclamação de el-Rei Dom João IV, que Deus tem em glória, e porque doze vezes cinco fazem 60 cai a conta em Aquário, que são dois signos e somam 20 anos, os quais juntos aos 1640 fazem 1660 e posto que alguns imaginem que as influências da conjunção de 1640 por esta conta se acabam neste de 1660 e que haverá mudança pela conjunção deste ano, enganam-se. Antes se corroboram as influências precedentes e se aumentam com as da conjunção deste ano de 1660, pelas razões que abaixo aponto.

Noite em Portugal_

§ 3

Da Maior conjunção de Júpiter e Marte, que sucederá este ano de 1660

 Neste ano de 1660 sucederá a Maior conjunção de Júpiter e Marte, em 7 graus do signo da Virgem, a 8 de Agosto às duas horas e quase 25 minutos da manhã. Este aspecto é indiferente, porque observando-se a figura deste aspecto por si só considerado não mostra coisa que se haja de notar, mais que somente, sobre as alterações do ar e mudanças do tempo, havendo sempre respeito ao dominador da parte do ano em que sucedem estes, e outros aspectos. E porque se achará Câncer no horóscopo, Júpiter, Lua, Marte e Vénus na terceira casa celeste, o Sol e Mercúrio na segunda, Saturno na quinta. E segundo a opinião de Magini na proeminência das casas, fica sendo senhor desta conjunção o Sol, que influirá grandes calmas, vários fogos no elemento do Ar e outras constelações. Porém, para o mais é necessário observar a figura da quarta do ano e seu dominador e considerar as circunstâncias necessárias que acima apontei.

Primeiramente, considerando e notando a figura da segunda parte deste ano, que entra a 20 de Junho quase às 9 horas da tarde, é senhor dela Júpiter, per transitum Lunae. Este se acha em o signo da Virgem e Marte no signo de Leão e porque dentro desta parte do ano, tem conjunção a 8 de Agosto, vem a ser a segunda circunstância, porque a primeira é ser almutem da quarta Júpiter, que é um dos três planetas superiores. Faltam-lhe as duas para haver mudança, como sucedeu no ano de 1580 e no de 1640, porque está o senhor da sétima casa mais fraco, que representa amigos descobertos, que o senhor da primeira. E que em vez de se acabarem os influxos da conjunção de 1640 tornam a começar (e por melhor dizer continuarão com maior aumento as mesmas influências da conjunção de 1640, porque juntando-se uma conjunção Magna com outra da mesma qualidade, como são as do ano de 1640 e a deste ano de 1660 fazem uma Maior, da qual se pode conjecturar princípios de aumentos e exaltação de Portugal. E ainda que depois desta conjunção deste ano, sucedam outras, não surtirão efeito suas influências, enquanto durarem as desta conjunção, que se dilatam por espaço de 30 anos, que é até ao ano de 1690. E esta consequência tiro dos antecedentes, porque a conjunção que sucedeu no ano de 1580 de Saturno e Marte, que influiu o cativeiro deste reino ao Ibero, tinha a duração de 60 anos e assim as conjunções que sucederam neste tempo não podiam surtir efeito, como se tem visto, e muitas houve assim na mesma triplicidade, como em diversas.

Torre de Belém - Portugal_

§ 4

Notam-se as influências desta Maior conjunção

Primeiramente, esta conjunção de Júpiter e Marte sucede na segunda parte deste ano e para vermos que efeitos influirá nos primeiros 30 anos, que tanto tempo se dilataram, é necessário observemos a figura da entrada do Sol no signo de Câncer, nesta Corte cabeça deste Reino de Portugal, o qual entra a 20 de Junho às 9 horas e 30 minutos da tarde — como notei no meu prognóstico particular deste ano de 1660 — no ascendente se acha Aquário, a Lua e Saturno em Escorpião, no meio do Céu, Marte e Vénus no Ocidente, em Leão, o Sol e Mercúrio em Câncer, na sexta casa do Céu, Júpiter no oitavo domicílio, no signo da Virgem. É formada esta figura pela doutrina dos árabes. Considerando a postura e ordem dela, temos cinco planetas dominadores e almutens destes 30 anos, que começam a 8 de Agosto deste ano de 1660 e durarão até o de 1690 a respeito da conjunção.

Em primeiro lugar, e como almutem principal, e mais geral dominador, é Júpiter senhor da conjunção e destes 30 anos, assim como Marte o foi dos 20 que começaram em Dezembro de 1640 e da conjunção que sucedeu a 16 de Março do dito ano. E assim como Marte influiu guerras no espaço dos 20 anos passados, também Júpiter nos influi daqui por diante não só sossego nas armas, mas ainda pazes com os maiores inimigos nossos.

O planeta Júpiter por si só considerado dizem os astrólogos que é de natureza temperado, qual se acha no cálido e húmido, o que lhe vem por ter seu movimento entre Saturno e Marte, segundo quer Ptolomeu no Quadripartito, e seu comentador — e não como pareceu a Jarco, Alquinda, e outros –, atribuindo a tal natureza a cada um dos planetas, conforme se achavam ficar um sobre o outro em seus lugares. Porque está claro que quando Ptolomeu fez observação em Júpiter comparando-o com o Sol e Lua, logo nos ensinou que seu influir neste mundo inferior, era um meio entre grande frialdade, que faz Saturno, e excessiva quentura, que causa Marte, e este é o entendimento daquelas palavras (Qua propter simul calefacit, et humectat) e assim fica em boa razão sendo quente e húmido; porque como a quantidade de seu orbe, ou corpo seja grande, e tenha muito lume, faz que atraindo a si alguns humores, ajuda mais a que seja húmido, menos porém do que quente. É planeta feliz, benéfico, saudável, fecundo e que sempre ajuda, favorece, e aumenta, de modo que quando Júpiter é dominador sobre os inferiores, influi neles geralmente aumento, prosperidade, melhoramento e abundância nas coisas necessárias para o ministério dos viventes. Tudo isto nos dá a entender o Príncipe dos astrólogos, Ptolomeu no livro segundo de seu Quadripartito, quando diz: Jupiter solus nactus dominium generaliter incrementa rebus confert; sed peculiariter cum eventus inhumanum genus exeunt: largitur gloriam, amicitias, tranquilitatem, pacem, rem familiarem auget, corpus animumque componit, etc. Nos frutos da terra influi fertilidade, liberalidade nos Príncipes, aumentos em seus vassalos. Tudo isto e muito mais influi Júpiter por sua boa natureza, singular temperamento e bondade de seus influxos e por esta causa lhe puseram o nome de fortuna maior. Bem o mostrou Almançor na proposição 13 onde disse que o homem que em seu nascimento tivesse a Júpiter por almutem da figura, nunca seria pobre, nem sentiria falta das coisas necessárias para a vida humana: Nunquam erit pauper (diz o autor) et inops, cujus nativitatis dominus fuerit Jupiter, mas Deus é o que governa.

Todas estas boas influências logrará este Reino de Portugal por espaço de 30 anos: será abundante, feliz, rico e pomposo; seus naturais bem afortunados, descansados, gozarão de felicidades, haverá boas navegações, tudo será um mar de bonança; as terras serão férteis e abundantes em seus frutos, (falo em geral, e a respeito da conjunção deste ano) os comércios felizes. E, finalmente, será Portugal um jardim pomposo e seu princípio será no ano de 1663 em que os mais dos Príncipes da Europa estarão em paz com este Reino e ainda o maior inimigo nosso e Deus sobretudo.

Loarre-Portugal_

§ 5

Da exaltação de Portugal, e do princípio de seu Império na Real pessoa de D. Afonso VI, nosso Senhor

Nihil est tam difficile, et arduum, quod non humana mens vincat, et in familiaritatem perducat meditatio. Assim diz Séneca e o confirma Cícero. Mas eu digo com Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Tomás: Quod omnia potest Deus, quae posse potentia est. Algumas conjecturas principais entre muitas acho, que influem e demonstram a exaltação de Portugal e os princípios de seu Império na Real pessoa de Sua Majestade D. Afonso VI, nosso Senhor, que Deus guarde.

A primeira é a conjunção de Saturno e Júpiter, que sucedeu no ano de 1603, a 24 de Dezembro, às 10 horas quase da manhã — desta faz menção Bocarro em seus Anacephaleoses. As influências deste congresso se dilatam até o ano de 1643, porque sucedeu em 9 graus 36 minutos do signo de Sagitário e a Lua se achou a esse tempo em 21 graus do signo de Virgem. A conjunção no meio do Céu sobre esta Corte. No horóscopo o signo de Peixes e a Lua no ângulo ocidental e pela conta duodecatenária cai no signo de Peixes que tem domínio sobre Portugal e de Sagitário a Pisces somam 40 anos. Estes juntos aos 1603 fazem 1643 e no dito ano surtiu efeito a influência desta conjunção com outra que sucedeu no mesmo ano de 1643 no signo de Peixes, que se achou no horóscopo do congresso precedente, no Real nascimento de Sua Majestade D. Afonso VI, nosso Senhor, segundo a doutrina de Alchibicio no seu breve tratado que fez das conjunções dos Planetas. E posto que nele diga que sucedendo conjunção de Saturno e Marte em Aquário, Homo tunc nascetur, de quo gaudium magnum erit in populo, cui gentes plurimae subjicientur. E se deve entender a respeito não só da conjunção, mas também das quatro qualidades, que nela se acham para a geração do Príncipe, que diz: a mesma razão milita e digo que maior se acha nesta conjunção de 1603, porque não somente nela se acham todas as quatro qualidades para a geração deste Príncipe soberano, mas também que o congresso é de Saturno e Júpiter, que são superiores a Marte, e das sobreditas palavras de Alchibicio conjecturo que sua Majestade, que Deus guarde, nasceu para dominar a maior parte do mundo. E, por consequência, em sua Real Pessoa, terá cumprimento o Império Lusitano, há tantos anos prometido e profetizado.

A segunda conjectura é a conjunção de Júpiter e Marte que sucederá este ano de 1660, como acima notei. E posto que alguns astrólogos em seus escritos fazem grandes admirações sobre ela, dizendo que é semelhante à que sucedeu no ano de 1640, dando com isto motivo não só aos ignorantes, mas aos indiferentes para andarem perplexos e arriscarem-se alguns com esta ocasião ao que experimentaram os do ano de 1641, que bem o disse muitos anos antes Bandarra naqueles seus versos:

Trinta dois anos e meio
Haverá sinais na terra
A Escritura não erra,
Que assim faz o conto cheio
Um dos três que vem arreio
Demonstra grande perigo
Haver açoite e castigo
A gente que não nomeio.

De sorte que aqueles trinta dois anos e meio foram oitenta, juntos esses oitenta aos 1560, fazem 1640, assim quer dizer o Autor que em um dos três que vem arreio, se há de entender no ano de 1641, como mais claramente o diz o mesmo Autor no verso 144:

Vejo quarenta e um ano
Pelo correr do Cometa,
Pelo ferir do Planeta
Que demonstra ser grão dano.

Porque nesse ano grave perigo estava eminente e bem se viu o açoite e castigo que nele houve. Não acho nos ditos astrólogos razão alguma e, se é que o entendem, deviam explicar-se, ou não falar na dita conjunção para evitar inconvenientes ignorantes, ou a perfídia sujeitos. Eu lhes concedo que esta conjunção é semelhante à de 1640. Assim por ser feita dos mesmos planetas, como na mesma triplicidade do signo. Porém são muito diversas nas influências, porque a conjunção de 1640 influiu na mudança do Reino do cativeiro do Ibero para a liberdade Lusitana e restauração de Portugal, na feliz aclamação de el-Rei D. João IV, que Deus tem, e a conjunção deste ano de 1660. E a continuação delas com maior aumento e prosperidade e não mudança, ou alterações contrárias à conjunção precedente, como consideram alguns inconsiderados. Provo o sobredito, com os antecedentes, ou precedentes congressos.

No ano de 1580, sucedeu a conjunção de Saturno e Marte, em 14 graus e 44 minutos de Aquário a 20 de Março, de cujas influências resultou o cativeiro e sujeição deste Reino ao domínio de Castela, porque tinha as circunstâncias que atrás no § 2 aponto; foram continuando estes influxos até o ano de 1590, onde tornaram estes mesmos planetas a juntar-se a 17 de Maio (no ano antigo que pela reformação foi a 27), em 16 graus 4 minutos de Geminis da mesma triplicidade de Aquário, e, contudo, não se sentiram as influências desta conjunção. Vamos adiante. No ano de 1598 tornaram estes mesmos planetas a ter congresso a 17 de Agosto e pela reformação a 27 em 4 graus de Libra, da mesma triplicidade, não sortiram efeito, foi continuando o cativeiro. Urget argumentum, no ano de 1610 a 3 de Maio se juntaram os sobreditos planetas em o mesmo signo de Aquário, onde tiveram congresso no ano de 1580, que deviam alterar os influxos e, contudo, os mesmos foram continuando até o ano de 1640, em que se diversificaram com as influências da conjunção de Júpiter e Marte, em Capricórnio, e outras muitas que sucederam, assim no intervalo daqueles 60 anos de cativeiro, como nestes 20 de liberdade Lusitana, cujas influências até agora se não sentiram. Logo que razão para que esta de Agosto influa como a de 1640 não a acho pelo modo que alguns a consideram, senão pelo que abaixo noto.

A esta conjunção de Agosto, chamam alguns astrólogos Magna, outros lhe chamam Máxima, porém segundo o que temos dito no § 1 acerca das conjunções e pelo que diz Ptolomeu acima citado, se chamará Média, ou Maior, que é entre a Magna e a Máxima porque a conjunção de 1640 foi Magna e a conjunção que se há-de seguir depois desta de 1660, se dirá Máxima, que vem a ser como auge e apogeu! Secundum axioma Astrologicum, das influências de todas as 3 conjunções e quando estas conjunções se dividem em Magna, Maior e Máxima é quando a segunda e terceira se assemelham com a primeira que sucedeu e assim se deve interpretar aquelas palavras do Quadripartito de Ptolomeu, palavra 64: In Alchiren minori (hoc est magna) divisa est Alchiren media (scilicet maior) et in media divisa est maior (id est maxima). Porque diversificando-se, em tal caso se não dá a dita divisão, mas começa em diversos influxos a segunda conjunção e não se dirá senão Magna, pois as influências da primeira se extinguirão.

Suposto isto, se a conjunção de 1640 influiu a restauração deste Reino (Loquor Phisicè) com todas as suas pertenças e com as mais felicidades que se viram que influirá a conjunção deste ano de 1660 que é Maior, pois combinam seus influxos com os da primeira? Eu digo que dobradas felicidades e princípio do Império Lusitano: Tunc enim datur augmentum, quando aliquid de novo jungitur ei, quod possidetur. A propósito o traz FirmicoSi Jupiter, et Mars in unum simul fuerint collocati in eodem signo pariter constituti, aequabili societatis potestate jungantur Maxima decernit insignia dignitatum, et maximam conferunt licentie potestatem; faciunt enim homines magnarum civitatum, aut magnarum regionum officia gubernantes, et in populis maximis gloriosae licentiae potestates, etc. Por estes efeitos, que diz este autor, influem uma conjunção de Júpiter e Marte; que efeitos influirão duas conjunções da mesma qualidade? Que princípios de Império? E na terceira conjunção, que suceder destes mesmos planetas? Complemento do dito Império Lusitano. A qual conjunção sucederá no ano de 1690, no signo de Aries de Júpiter e Marte, e no dito ano este Reino será Império, segundo as palavras de Cristo ditas a el-Rei Dom Afonso Henriques: Volo enim in te et in semine tuo mihi imperium stabilireE que el-Rei Dom Afonso VI nesse ano há-de ser o primeiro Imperador deste Império de Cristo. Provo com esta conjectura astrológica, a simili. No ano de 1604 nasceu Sua Majestade, que Deus tem em glória, Júpiter e Saturno se acharam em Sagitário, Júpiter senhor da Lua, per sui transitum. Estava impedido do Sol em Peixes, para onde caminhava; Sagitário tem de longitude quase 26 graus, estes juntos aos 1604 com os dez do orbe de Júpiter, fazem 1640 em cujo ano lhe influiu esta conjunção o reinado e no dito senhor a liberdade Lusitana, como sucedeu. No ano de 1643 nasceu Sua Majestade, que Deus guarde, também Júpiter foi almutem da Lua, aquele se achou em Aries com Saturno (e segundo o que digo no § 5) influi Império este congresso e porque Marte, senhor de Aries, se achou em o signo da Virgem, que se alonga a quase 47 graus, estes 47 graus juntos aos 1643 somam 1690 e nesse ano será Sua Majestade o primeiro Imperador deste Império Lusitano, volente Deo.

E se confirma com o entendimento das mesmas palavras de Cristo, scilicet: Volo enim in te, e in semine tuo mihi Imperium stabilire, nas quais nos dá a entender que assim como dava este Reino ao primeiro Rei, que se chamava Afonso, faria este mesmo Reino Império em outro Afonso, que sucedesse depois do complemento da profecia do Santo Ermitão: Respiciet, et videbit, etcQue é sua Majestade, finalmente, por estas conjecturas temos provado, que o princípio das glórias e aumentos de Portugal, será este ano de 1660 na Real pessoa de Sua Majestade, que Deus guarde; no que toca às causas segundas, porque a primeira e principal, Qui est Deus optim. maxim. fará o que for servido. Concluamos no § seguinte.

Imagem da conjunção da Lua, Vénus e Júpiter ao anoitecer do dia 1 de Dezembro de 2008

§ 6

Conclusão deste discurso Astrológico

Temos mostrado como a conjunção Maior de Júpiter e Marte que sucederá este ano de 1660 influi aumentos e exaltação de Portugal e princípio de seu Império prometido por Deus: Ego enim aedificator, et dissipator Imperiorum, et Regnorum sum. Volo enim in te, et in semine tuo Imperium mihi stabilire. Em que aquela palavra in te, mostra a Real Pessoa de el-Rei Nosso Senhor. Dom Afonso VI, in te, hoc est in altero Alphonso, que assim como Deus deu este Reino ao primeiro Rei D. Afonso Henriques, que lançou os Mouros dele, para fazer assento e pedra fundamental à Fé de Jesus Cristo, assim também este Império, há-de ser tomado aos próprios Mouros por outro Afonso, que é el-Rei nosso Senhor, como se colhem das palavras de Bandarra segundo a verdadeira interpretação:

De quatro Reis o segundo
Haverá toda a vitória.

Hoc est, que o segundo Rei depois da Restauração de Portugal, terá a vitória e alcançará este Império, que se entende Sua Majestade, filho de el-Rei Dom João o IV, que Deus tem, verdadeiro encoberto de quem fala Bandarra quando diz:

Já o tempo desejado
É chegado,
Já se chegam os oitenta
Que se ementa
Por um Doutor já passado
Rei novo alevantado
Já dá brado:
Já assoma sua bandeira
Contra a Grifa parideira
Logomeira,
Que tais prados tem gozado.

Aqueles oitenta juntos aos 1560 em que morreu o autor fazem 1640 e o mesmo combina com o que dizem outros papéis, que em lugar do verso Já se chegam os oitenta, tem, Já se cerram os quarenta, em que sucedeu a felicíssima aclamação de Sua Majestade, que Deus tem. E a Grifa parideira se entende Castela, que gozava os prados de Portugal. E não el-Rei D. Sebastião, que não foi verdadeiro encoberto, por não ter as seis circunstâncias, ou sinais, que Bandarra aponta em seus versos. A primeira, O Rei novo é levantado (verso 87) diz que é Rei novo; a segunda, que será Rei eleito e não só por sucessão (verso 100): O Rei novo é escolhido e elegido; a terceira que é Infante, como se lê no verso 88: Saia, saia esse Infante, bem andante; a quarta que o encoberto se chamará Dom João (verso 88): O seu nome é Dom João, e seis vezes fala o Autor neste nome, de que tanto gostou e de quem tomou a sua teima, como se vê nos versos 25, 38, 44, 55, 88, 93; a quinta que terá um irmão bom Capitão (verso 102): Este Rei tem um irmão, grão Capitão; ultimamente, diz que este Rei será aclamado e alevantado quando se cerrarem os 40 anos como consta do verso 87 que acima apontei. Antes todos estes sinais evidentemente se acharam em el-Rei Dom João o quarto que Deus tem em glória, verdadeiro encoberto e o Rei de quem Bandarra tomou sua teima no verso 72:

Este Rei tão excelente
De quem tomei minha teima.

O Império maometano se ergueu no ano de 1453 em que sucedeu a Máxima conjunção de Júpiter e Marte, em Capricórnio. A Restauração de Portugal no ano de 1640 em que sucedeu a própria conjunção. Nunca se viu uma balança erguer, sem se abaixar a outra. Estas duas conjunções de 1640 e de 1453 representam as balanças: a de Portugal começou (a) erguer-se, a do Turco começará a baixar-se e per consequens, no Império maometano porá Portugal seu Estandarte. Volo enim in te, et in semine tuo Imperium mihi stabilire. Também tem concordância, o que diz Bandarra acerca do Império Lusitano nos seguintes versos:

Um grande Leão se erguerá
E dará grande gemido:
Seu brado será ouvido
Que a todos assombrará.
Correrá, e andará,
E fará mui grandes danos,
E os Reinos Africanos
A todos subjugará.

Este grande Leão, se entende o segundo Rei dos quatro, que governaram depois da Restauração, que acima notei. A palavra se erguerá, se entende, por embravecer e assanhar; e assim o dá a entender o mesmo autor dizendo:

Mas acho que o Sanhudo
Mui sisudo,
Arrepelará o gato,
E far-lhe-á murar o rato
Do seu fato.
Deixando-o todo desnudo.

A palavra Sanhudo, é a mesma que assanhado e embravecido, mas o gato que este Leão há-de arrepelar considere o Leitor que nação é e para menos trabalho olhe para a palavra Desnudo, que língua soa e logo virá em conhecimento do intento do Autor. No domínio de Sua Majestade, que Deus guarde, apareceram e se descobriram os Santos Mártires no elemento da terra; no Céu apareceu uma nova Estrela a 21 de Dezembro do ano de 1659, segundo observou o padre Valentim Estancel da Companhia de Jesus, Lente das Matemáticas no Colégio de Santo Antão (30). Estes sinais e conjecturas são indícios e prognósticos de grandes felicidades, aumentos e exaltação deste Reino de Cristo, no domínio da Real Pessoa de Sua Majestade e da Rainha nossa Senhora que veja e logre todas estas felicidades na vida de seu muito amado Filho, Rei e Senhor nosso.

Ω

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