Traduções

Ciclos Astrológicos e Proféticos

The şemse or Sun motif

 

Na Hermética Pseudo-Aristotélica e na Esotérica Islâmica*

δ

Godefroid de CallataÿLiana Saif

Université catholique de LouvainWarburg Institute
*A pesquisa para este artigo contou com o apoio do Speculum Arabicum e do Advanced ERC grant project The Origin and Early Development of Philosophy in tenth-century al Andalus : the impact of ill-defined materials and channels of transmission realizado na UCLouvain (Université catholique de Louvain) e no Warburg Institute (Universidade de Londres), de 2017 a 2023. Este projeto recebeu financiamento do European Research Council  (ERC) no âmbito do European Union’s Horizon 2020 da União Europeia sob subvenção do acordo nº 740618. Parte desta pesquisa foi conduzida por Godefroid de Callataÿ no Institute for Advanced Study (Princeton) como membro da School of Historical Studies durante o ano 2019-2020 com uma doação do membro fundador Willis F. Doney. Nossos agradecimentos a Cahrles Burnett pelas diversas sugestões relativas à forma e ao conteúdo deste artigo.

υ

Tradução:
César Augusto – Astrólogo

φ

A Hermética Pseudo-Aristotélica (doravante PsAH) é um corpus de textos que registram ensinamentos de Aristóteles a Alexandre, o Grande, na forma de epístolas sobre assuntos cosmológicos, cosmogênicos e ocultos, incluindo magia e astrologia. Baseando suas instruções no conhecimento que recebeu de Hermes, o filósofo ensina seu discípulo real sobre o universo, como trabalhar as forças ocultas dentro dele, e a magia como método para capturar essas forças. Um desses textos é o Kitāb al-Ustūṭās que constitui a primeira parte do Kitāb ‘ilal al-rūḥāniyyāt («Sobre as Causas das Forças Espirituais»), e será o foco da nossa discussão. Este artigo apresenta o esquema cosmológico do Kitāb al-Ustūṭās, ilustrando configurações e ciclos astrológicos únicos que não são encontrados em nenhum outro lugar sob essas formas. Como será argumentado, essas características parecem ser variações singulares dos elementos da cosmologia e astrologia Indo-Persa, exceto que aqui um sistema muito particular de causalidade volitiva via forças espirituais conhecidas como rūḥāniyyāt estão implicadas na gênese do mundo, na criação de plantas, animais e seres humanos. Além disso, os primeiros sete milênios de história humana, são conduzidos, cada um, por um profeta-sábio que treina os humanos nas artes, ciências e deveres requeridos para que a civilização humana prospere. Apresentaremos primeiro esses constituintes únicos do mundo do PsAH, então sua origem persa será destacada, seguida por um discussão da esotérica islâmica que se apropriou e reformulou estes ideias, com foco em Abū al-Ḥasan ‘Alī al-Mas‘ūdī’s, Murūj al-Dhahab («Prados de Ouro»), Shams al-Dīn Muḥammad al-Shahrazūrī’s, Rasāʾil al Shajara al-ilāhiyya fī ʿulūm al-ḥaqāʾiq al-rabbāniyya («Epístolas da Árvore Divina nas Ciências das Verdades Divinas») e al-Futūḥāt al-Makkiyya («As Revelações de Meca») de Ibn ‘Arabī’s.

No Kitāb al-Ustūṭās somos informados de que «o Criador» (bāri’) deu a cada signo seu próprio período de soberania, começando com Áries e terminando com Peixes. Os doze períodos de soberania (sulṭān) são expressos em milênios ou «milhares» (ulūf), mas esses períodos são de duração desigual:

A soberania de Áries é de 12.000 anos. A soberania de Touro é de 11.000 anos. A soberania de Gêmeos é de 10.000 anos. A soberania de Câncer é de 9.000 anos. A soberania de Leão é de 8.000 anos. A soberania de Virgem é de 7.000 anos. A soberania de Libra é de 6.000 anos. A soberania de Escorpião é de 5.000 anos. A soberania de Sagitário é de 4.000 anos. A soberania do Capricórnio é de 3.000 anos. A soberania de Aquário é de 2.000 anos. A soberania de Peixes é de 1.000 anos. A soma disso é 78.000 anos. O Sábio disse que o lapso (inqiḍā’) deste período (mudda) corresponde ao desaparecimento do macrocosmo (al‘ālam al-akbar) [quando] suas partes são dissolvidas. Deus faz o que Ele deseja.

O Kitāb al-Madīṭīs, outro texto do PsAH, fornece-nos a mesma cronologia zodiacal, exceto que no final da passagem, a soma total de 78.000 anos é interpretada como correspondendo à conclusão do mundo, a dissolução de suas partes e «seu retorno ao seu primeiro estado de ser» (wa-rujū’hu ilā kawni-hi al-awwal), sugerindo que aqui estamos lidando com um ciclo cosmológico.

Além disso, o Kitāb al-Ustūṭās fornece mais detalhes sobre a sequência da criação neste período de 78.000 anos. Referindo-se neste local a outra obra de Hermes, o Sábio, intitulada Kitāb al-makhzūn («O Livro do Tesouro»), o autor explica que durante os primeiros 33.000 anos, ou seja, de Áries para Gêmeos, não havia animais em movimento na Terra, mas as estrelas já estavam agindo nas entranhas da terra para criar as circunstâncias e as sementes necessárias para as plantas surgirem. Sob o domínio de Câncer, ou seja, entre os anos 33.000 e 42.000, os signos ganharam mais força em suas naturezas e derramou-se a «força espiritual da vida» (rūḥāniyyat al-ḥayyāt), correspondendo a criação dos animais aquáticos e dos insetos. Sob Leão, o quinto signo (entre os anos 42.000 e 50.000), surgiram animais quadrúpedes. Sob o reinado de Virgem (entre os anos 50.000 e 57.000), Admānūs e Haywānūs foram criados a partir do ruḥāniyyāt daquele signo – uma evidente variante da história de Adão e Eva, embora aqui ambos sejam descritos como microcosmos (al-‘ālam al-asghar). Admānūs é retratado como «um ser vivo, falante, mortal, com pouco conhecimento» (al-ḥayy al-nāṭiq al-mā’it al-qalīl al-‘ilm). A criação então termina «quando Virgem se estabeleceu em sua soberania e os planetas se tornaram fortes em seus movimentos, cada um estando naquele momento em sua exaltação» (lamma istawat al-sunbula fī sulṭāni-hā wa-qad qawwayat al-nujūm fī ḥarakāti-hā wa-kānat fī dhālika al-waqt fī sharafi-hā). Contudo, a criação humana não conclui o ciclo. O texto deixa claro, por exemplo, que os pássaros foram criados depois dos humanos, sob o subsequente signo de Libra (entre 57.000 e 63.000 anos) – uma informação também encontrada no Kitāb al-Madīṭīs. Infelizmente, nos 15.000 anos restantes  e nas últimas quatro soberanias do ciclo, o texto é silenciado, então é impossível determinar a que é que o nosso signo regente  atual deveria corresponder, de acordo com este esquema.

Embora nossos textos não afirmem claramente o momento exato em que os seres humanos foram criados sob Virgem, está escrito que:

Todos os planetas concederam sua força espiritual benéfica (rūḥāniyyat sa’di-hā) ao ser humano, que é o microcosmo, sem deliberação (min ghayr i’timād), mas pela facilitação (tawfīq) Daquele que os põe em movimento e em seus cursos, já que todos eles estavam em suas exaltações (fī ashrāfi-hā), exceto Saturno, que estava em conjunção com Marte na exaltação de Marte (muqārinan li-l-mirrīkh fī sharaf al-mirrīkh), legando grave infortúnio à sua descendência (fa-awwaratha al-naḥs al kabīr fī dhurrīyati-hi)7.

7 Kitāb ʿilal al-rūḥāniyyāt, fol. 8bis r. A exaltação de um planeta é o signo (ou, por vezes, o grau do signo) em que o planeta exerce a sua influência mais forte. A lista de valores, canónica desde a antiguidade grega, é a seguinte: Lua a 3° de Touro, Sol a 19° de Carneiro, Mercúrio a 15° de Virgem, Vênus a 27° de Peixes, Marte a 28° de Capricórnio, Júpiter a 15° de Caranguejo, Saturno a 21° de Balança. Para estes valores, ver, por exemplo, Ptolomeu, Apotelesmatika, I.19.

Contradizendo a “configuração ideal” para o resto dos planetas, o Kitāb al-Ustūṭās relata explicitamente que Saturno não é encontrado em sua própria exaltação, mas na exaltação de Marte, ou seja, Capricórnio. Como Capricórnio é a exaltação de Marte e o domicílio de Saturno, e como Marte e Saturno são dos dois planetas malévolos, devemos entender que a influência combinada destes dois planetas neste lugar significa a causa para Admānūs, Hay wānūs e toda a sua descendência experimentarem uma grande parcela de infortúnio, apesar das condições favoráveis ​​fornecidas pelo resto dos planetas nesta configuração.

Além disso, o PsAH sobrepõe a este esquema cosmogónico uma história sagrada que está naturalmente contida na era da humanidade pertencente a Virgem. A soberania de Virgem está dividida em «sete dias de 1.000 anos cada» e na segunda parte do Kitāb ʿilal al-rūḥāniyyāt que se segue no Kitāb al-Ustūṭās, ficamos cientes que cada um desses ‘milhares’ corresponde a um planeta específico, associado tanto a um clima específico quanto a um profeta-sábio identificado pelo nome na tabela:

Para três destes sábios, o texto também menciona alguns feitos notáveis. Assim, diz-se que Safandūlā, o sábio de Saturno, trouxe ordem, lei, administração e religião ao seu clima, num período em que as pessoas eram como animais. Barmahāṭūs, o sábio de Júpiter, é descrito como o primeiro a conhecer a astrologia e como autor de uma obra chamada ‘Sālūs’. Ele também é o profeta que forneceu roupas, artesanato e instrumentos às pessoas do seu clima. Quanto a ʿŪdʿūyā, o sábio do Sol, ele é retratado como tendo trazido «belas maravilhas incríveis (al-‘ajā’ib al-ḥasana al-bahiyya), ciências ocultas (‘ulūm khafiyya) e a arte sutil (al-ṣan ‘a al-raqiqa. Isto ele supostamente fez em seu próprio clima, o quarto dos sete.

A divisão ecumênica em climas (a parte habitada da terra segundo a representação herdada dos gregos) é um motivo recorrente do Kitāb al-Ustūṭās, assim como a noção de que «Deus colocou o Sol bem no centro do esferas celestes, com três acima e três abaixo, como o maior dos reis no centro de suas tropas». Também presente no PsAH está a ideia de que Admānūs/Adam aprendeu «os segredos de quatro ciências: os segredos da ciência das estrelas e de suas causas (asrār ‘ilm al-nujūm wa ‘ilali-hā), os segredos da medicina e suas causas (asrār al-ṭibb wa-‘ilali-hi.

A peculiaridade final na configuração e dinâmica cosmológica do PsAH é encontrada em Kitāb al-Ustūṭās, onde o período de 1.000 anos atribuído a cada planeta sucessivamente é colocado em relação ao movimento da esfera mais elevada, ou seja, a esfera das estrelas fixas:

A esfera muda à medida que gira um grau a cada mil anos, a partir do qual um ruḥāniyya é gerado. Uma vez gerado este ruḥāniyya, ele desce para estes planetas.

Uma revolução completa da esfera seria, portanto, realizada em 360.000 anos, uma duração frequentemente listada entre as “mil” revoluções na Literatura islâmica. É bastante peculiar que nos Ustūṭās o deslocamento da esfera das estrelas fixas seja de um grau a cada 1.000 anos, uma vez que o valor canônico atribuído ao movimento de precessão equinocial por Ptolomeu é o de um grau em 100 anos, correspondendo a 36.000 anos ao todo, e não a 360.000 anos. É mais provável que em algum momento tenha ocorrido uma confusão entre estes dois valores, nomeadamente os 360.000 anos do Grande Ano Platónico “Indiano” por um lado, e os 36.000 anos do movimento de precessão, por outro. O que também não está claro em nosso texto é como entender esses valores com respeito ao quadro cosmogônico geral, uma vez que nem 360.000 nem 36.000 anos parece corresponder ao número acima de 78.000 anos.

Até agora, elucidamos os doze períodos de soberania zodiacal do PsAH, cujo total é uma evolução de 78.000 anos, a sequência da criação de espécies com eles, a configuração astrológica particular sob a qual os primeiros humanos foram criados sob a soberania de Virgem, quando todos os planetas, exceto Saturno, estavam em suas exaltações, os sete profetas-sábios da era humana, cada um dos quais aparece a cada 1.000 anos da soberania de 7.000 anos de Virgem e corresponde a um planeta específico, e finalmente, a mudança de um grau na esfera das estrelas fixas a cada 1.000 anos, somando 360.000, o que marca a única revolução da esfera. Em conjunto, estes elementos formam uma visão única do cosmos que é simultaneamente astrológica e profética. Está é uma das muitas características que tornam o PsAH um corpus bastante curioso e singular. No entanto, existem alguns aspectos que lembram elementos dos sistemas astrológicos e astronômicos indiano e persa, como será mostrado a seguir.

Em relação à revolução de 78.000 anos, al-Bīrūnī (falecido em 1.111) em seu Qānūn al-mas’ūdī registra um período chamado ‘o grande fardār’, já conhecido pelo astrolólogo Abū Ma’shar (falecido em 886), que consiste em 78 anos solares divididos numa sequência exatamente na mesma proporção entre as soberanias dos signos zodiacais, a saber: 12 anos para Áries, 11 para Touro, 10 para Gêmeos e assim por diante até chegar a 1 ano para Peixes. Como David Pingree mostrou na sua reconstrução do tratado perdido de Abū Ma’shar, os períodos fardārāt são elementos de «um sistema complexo de ciclos que determinam as influências planetárias ou zodiacais dominantes num momento específico», um sistema que a astrologia islâmica herdou da Pérsia Sassânida.

Além disso, o PsAH não só discute a revolução de 78.000 anos como uma amplificação do sistema fardārāt persa por um fator de 1.000, mas também parece combinar entre si os dois sistemas de ‘cronocratoria’, o zodiacal e planetário, que são conhecidos por terem sido usados ​​na astrologia persa. A cronocratoria zodiacal é um sistema segundo o qual cada um dos signos zodiacais exercem seu domínio por sua vez por um período de 1.000 anos. Como vários outros textos Pahlavi, o Bundahishn mantém vestígios deste período de ciclo de 12.000 anos, que já era conhecido em tempos mais antigos entre os Zoroastrianos. No Kitāb al-Ustūṭas, 12.000 anos é o período de domínio de Áries, mas várias fontes gregas e árabes também mencionam um ciclo de 7.000 anos, possivelmente originado na Pérsia Sassânida, em que os sete planetas têm, por sua vez, o domínio sobre o mundo. No Kitāb al-Ustūṭas, o domínio de 7.000 anos recai sobre Virgem, mas é precisamente esse signo, como lembramos, que marca a entrada do ser humano no cenário mundial.

Inclusive, a condição de exaltações planetárias no momento em que primeiro homem e mulher foram criados e a chegada de um profeta-sábio em cada um dos sete milénios que constituem a soberania de Virgem, lembra-nos o persa e, mais especificamente, a astrologia zoroastriana, nomeadamente o uso destes exaltações em combinação com a doutrina das conjunções planetárias. Isso é tudo ainda mais surpreendente quando se diz que uma conjunção geral deste tipo coincide com eventos marcantes na história do mundo. Isto pode ser exemplificado por dois dois famosos capítulos do Bundahishn discutindo respectivamente o thema mundi (ou o horóscopo do mundo em sua origem) e o horóscopo e morte de Gayōmart (isto é, o primeiro humano) aos trinta anos – duas partes sobre o qual já foi dedicada uma literatura considerável. O thema mundi das fontes clássicas gregas tem os planetas localizados no 15º grau de seus respectivos domicílios. Contudo, no Bundahishn, o horóscopo do mundo, que deveria corresponder ao início do sétimo milénio do ciclo cósmico zoroastrista de 12.000 anos, tem (ou, pelo menos, deveria ter) os sete planetas em seus lugares de exaltação. Como observa Raffaelli, “Mercúrio não está em sua exaltação, mas em Peixes, o signo de sua queda (uma posição de grande fraqueza pelos corpos celestes, correspondente ao grau oposto ao da exaltação). Esta colocação teve como objetivo salvar a verossimilhança astronômica: se Mercúrio estivesse a 15° de Virgem, estaria mais longe do Sol do que seria possível». O tema mundi zoroastrista parece ter sido modelado no sistema indiano de Mahāpuruṣas, no qual os mapas de nascimento de indivíduos notáveis da história indiana estão dispostos de forma semelhante para ter os sete planetas nos lugares de suas exaltações.

Um estudo sistemático sobre a influência da hermética pseudo-aristotélica sobre o pensamento oculto e esotérico islâmico ainda não foi publicada. Como sempre, seus períodos de soberania zodiacal são conhecidos por fontes medievais. Como exemplo, em seu Murūj al-dhahab, o geógrafo e cronista Abū al-Ḥasan ‘Alī al-Masʿūdī (falecido em 956), escreve que um grupo de pessoas descreveu o fim do mundo da seguinte maneira:

E mencionaram que a soberania daquela época será de Virgem que é 7.000 anos [de duração], e esta é a idade do mundo humano, com Júpiter ajudando Virgem na administração […] alegaram que a soberania do signo de Áries 12.000 anos ; a soberania de Touro 11.000 anos; a soberania de Gêmeos 10.000 anos ; a soberania de Câncer 9.000 anos; a soberania de Leão 8.000 anos; a soberania de Virgem 7.000 anos; a soberania de Libra 6.000 anos; o soberania Escorpião 5.000 anos; a soberania de Sagitário 4.000 anos; o soberania de Capricórnio 3.000 anos; a soberania de Aquário 2.000 anos e a soberania de Peixes 1.000 anos. O total disso é 78.000 anos.

Em sua discussão sobre os diferentes tipos de ciclos astrológicos, o filósofo e médico Shams al-Dīn al-Shahrazūrī (falecido em 1288), em seu Rasāʾil al shajara al-ilāhiyya fī ʿulūm al-ḥaqāʾiq al-rabbaniya, menciona a doutrina do ano mundial entre “as pessoas dos ciclos”. Ele parece seguir todo o Masʿūdī em sua descrição da alternativa agora familiar:

Um grupo de pessoas afirma que os ciclos devem ser entendidos em termos do soberania dos signos sobre este mundo. Para cada signo, um ponto final: eles consideravam o soberania do signo de Áries 12.000 anos; a soberania de Touro 11.000 anos ; a soberania de Gêmeos 10.000 anos; a soberania de Câncer 9.000 anos ; a soberania de Leão 8.000 anos; a soberania de Virgem 7.000 anos; a soberania de Libra 6.000 anos; a soberania de Escorpião 5.000 anos; o soberania de Sagitário 4.000 anos; a soberania de Capricórnio 3.000 anos; a soberania de Aquário 2.000 anos e a soberania de Peixes 1.000 anos. O total disso é 78.000 anos. Eles afirmam que o mundo é destruído após a passagem disso e então retorna novamente. Eles afirmam que a soberania deste tempo é para Virgem, que tem 7.000 anos, e esta é a idade deste mundo.

Nos escritos medievais tardios e modernos que tratam da ciência esotérica das letras, podemos detectar paralelos e reformulações significativas de alguns elementos de suas cosmogonias astrológicas, tais como os ciclos zodiacais, idades planetárias e os respectivos sábios-profetas. Nessas discussões, cartas e os profetas assumem uma posição mais proeminente do que a astrologia, que geralmente é elementar em comparação com as nossas obras medievais anteriores. Um texto onde detectamos claramente a influência do PsAH com um toque letrista é o Futūḥāt al makkiyya de Muḥyī al-Dīn Ibn ‘Arabī (falecido em 1240). A familiaridade de Ibn ‘Arabī com os doze períodos de soberania zodiacal é encontrada no segundo capítulo do Futūḥāt que trata das classificações das letras. Algumas letras são associadas a uma esfera e a um período de soberania que imediatamente traz à mente o PsAH, embora a lista esteja incompleta:

γ

Como mostra a tabela, Ibn ‘Arabī dá uma interpretação letrista de três dos períodos de soberania zodiacal da hermética pseudo-aristotélica, atribuindo a cada um deles um domínio. No entanto, mais evidências de al-Futūḥāt acrescentam robustez à nossa sugestão de que Ibn ‘Arabī explicitamente ‘islamiza’ algumas ideias do PsAH. Por exemplo, ele explica que a alma do Profeta Maomé foi criada por Deus no primeiro movimento da esfera universal, um movimento que iniciou o Tempo. Este é o Maomé ‘esotérico’, que é incorpóreo, mas atual, uma vez que todos os profetas que o precederam funcionaram de acordo com a alma deste Muḥammad, de que eram representantes. A criação do profeta alma, o início do tempo, ocorreu no signo de Libra, a 7ª esfera. Entre a criação de sua alma e sua encarnação como o ‘exotérico’ Muhammad temos um ciclo de 78.000 anos. Sua alma passou a residir em seu corpo também em Libra, portanto está implícito o período de soberania zodiacal. Além disso, nós dizem que Adão foi criado em Virgem, o que também é encontrado no PsAH.

Finalmente, Ibn ‘Arabī parece dar uma leitura islâmica aos sábios-profetas planetários que governam os sete climas, mencionados anteriormente no PsAH. Entre os grupos seletos que são espiritualmente sublimes estão os abdāl (o plural de badal, que significa literalmente «substituto») que são sete correspondentes ao planetas. Cada um deles domina um dos sete climas. Eles estão ligados ao rūḥāniyyāt profético dos planetas. Verdades fluem destes rūḥāniyyāt em seus corações. Além disso, os segredos do macrocosmo, as ações do mundo superior sobre o mundo inferior, e a astrologia também são revelados. Tal como os sábios-profetas planetários do PsAH, estes abdāl transmitem conhecimento especializado para este mundo. Por exemplo, o badal do Sol conectado ao rūḥāniyya de Idrīs, rege o quarto clima, corresponde com o Domingo, e a ele pertence o conhecimento dos segredos de rūḥāniyyāt, a ciência da luz e da iluminação, e o conhecimento do trovão e da relâmpago. A lista de ciências não corresponde à encontrada no PsAH. No entanto, quando consideramos também as outras evidências apresentadas aqui, a probabilidade de Ibn ‘Arabī ter conhecido o PsAH torna-se mais forte.

Conclusão

Neste artigo apresentamos dois textos da hermética pseudo-aristotélica, os Ustūṭās e os Madīṭīs, e quatro ideias únicas e influentes: primeiro, a conceitualização de períodos de soberania planetária que compõem um ciclo mundial de 78.000 anos; segundo, a criação do homem sob a soberania de Virgem quando os planetas estavam em suas exaltações, exceto para Saturno; terceiro, os milênios planetários que constituem a idade da humanidade sob Virgem; e quarto, a manifestação dos sábios-profetas em cada milênio que transmitem as ciências e elementos de conhecimento que correspondem a o planeta regente.

Destacamos as teorias do ciclo astrológico persa que são uma reminiscência do sistema que encontramos no PsAH: como o ‘grande fardār’ (78 anos) e seus períodos de soberania proporcionalmente idênticos aos que encontramos no PsAH. Isto sugere que as teorias do PSAH foram concebidas num contexto onde a astrologia persa constituía uma parte importante da estrutura cosmológica daquela época. Também destacamos a relevância da cronocratoria e a teoria astrológica indo-persa das exaltações para as narrativas sobre a criação do homem. Estas não eram ideias isoladas, mas foram retomadas por al-Mas’ūdī como parte de seu Murūj al-Dhahab, e por al-Shahrazūrī em seu esotérico Rasāʾil al-Shajara al-ilāhiyya fī ‘ulūm al-ḥaqāʾiq al-rabbaniya. A ampla recepção desta cosmologia cíclica profética é evidente na explícita islamização das quatro ideias acima mencionadas por Ibn ‘Arabī em seu al Futūḥāt al-Makkiyya e sua fascinante abordagem letrista dos períodos de soberania planetária.

A cosmologia do PsAH é apenas um aspecto do seu conteúdo excepcionalmente interessante, que merece mais atenção. Sua cosmogonia pertence a um narrativa única e elaborada da criação, na qual os planetas e estrelas desempenham um papel central. O misterioso compositor estava claramente ativo num ambiente erudito onde a astrologia, as ciências ocultas e a filosofia natural foram integradas sob o legado de Hermes e Aristóteles. Isto também se aplica a atmosfera intelectual do século X, quando temos uma citação antiga dos Ustūṭās e outros tratados do PsAH no Rasā’il Ikhwān al-Ṣafā e no Ghāyat al ḥakīm do ocultista andaluz Maslama al-Qurṭubī (falecido em 964), cuja utilização e implementação do PSAH é objeto de estudos futuros.

Apêndice

Um esquema astrológico de criação no Rasā’il Ikhwān al-Ṣafā’

Godefroid de Callataÿ

O Corpus Ikhwāniano inclui um esquema astrológico de criação que lembra um pouco a cosmogonia do PsAH, embora substancialmente diferente dela nos detalhes. Na Epístola 31 (“Sobre a Diversidade de Línguas”), num capítulo dedicado às «origens dos sons e à corpos que no início estavam abaixo da esfera da Lua antes do criação do homem e dos animais», somos informados de uma época em que, depois da criação dos minerais, as ‘estrelas aquáticas’ (al-kawākib al-mā’iyya) assumiram o controle e enviaram chuvas sobre a superfície da terra. Ao entrarem em contato com o ar já presente, e com a contribuição das estrelas brilhantes e do Sol, estas chuvas possibilitaram a circulação do «poder crescente da alma» (quwwat al-nafs al-nāmiyya). Como resultado, o Ikhwān no diz:

A primeira coisa a surgir na superfície da terra, começando a crescer e a se desenvolver em sua superfície estava a forma de plantas (ṣūrat al-nabāt). [As coisas] permaneceram sob este condição, a terra sem nada além de vapores, montanhas, plantas, e árvores por 3.000 anos, conforme mencionaram alguns sábios […]. E quando este período designado (hādhihi al-mudda), com essas características, chegou ao fim, [e quando] o surgimento do novo ciclo (ibtidā’ al-dawr al jadīd) [ocorreu], Deus – Louvado seja – desejou a gênese da segunda gênese (al-nash’ā al-thāniyya), e Ele criou Adão e Eva do barro e os fez habitar o Jardim. O relato de tudo isso foi registrado em todos os detalhes por um Persa (rajul fārisī), especialista no cálculo das estrelas (ahl al-‘ilm bi-ḥisāb al-nujūm), num livro onde estas coisas são explicadas.

É nesta fase que são trazidos alguns elementos da cronologia zodiacal para a discussão, embora infelizmente não tantos como seria desejável. Tendo mencionado que o aparecimento de Adão e Eva ocorreu depois a dos animais, e que os animais, por sua vez, vieram depois das plantas, o Ikhwān escreve:

O início do surgimento das plantas ocorreu diante de Virgem (bi-ḥidhā’ al sunbula), o [surgimento] dos animais [ocorreu] na frente do signo de Touro (bi ḥidhā’ al-thawr), e Adão e Eva na frente de Gêmeos bicorpóreo (bi-ḥidhā’ al jawzā’ dhāt al-jasadayn). O começo foi em Áries, e Saturno estava nele, estando em sua queda (wa-kānat al-bidāya min al-ḥamal wa-qad ḥalla zuḥal wa-huwa hābiṭ).

Como é que devemos interpretar essas linhas? Uma vez que o Ikhwān acaba de se referir a um período de 3.000 anos, é possível que ao usar a expressão ‘em frente a um determinado signo zodiacal’ tenha-se em mente o tipo de esquema cosmogônico milenar que encontramos no PsAH. Mas como podemos entender o esquema dos Irmãos? No círculo zodiacal que convencionalmente começa com Áries, Virgem vem na sexta posição, enquanto Touro vem na segunda e Gêmeos na terceira. Certamente podemos explicar a mudança de Touro para Gêmeos, correspondendo à passagem da “fase animal” para a “fase humana”. De fato, num esquema baseado na precessão dos equinócios com o seu valor canônico (ou seja, 36.000 anos) e regularmente distribuído em doze signos (como sabemos que o Ikhwān o concebeu), o período para esta mudança equivaleria a 3.000 anos, correspondendo assim ao número que acabamos de mencionar para a ‘fase pré-animal’. Mas como é que Virgem se enquadra nisso, então?

Em seu La Philosophie des Iḫwān al-Ṣafā’, Yves Marquet conjecturou que «uma vez que existe oito signos de Virgem a Touro [contando no sentido horário], pode-se inferir que 24.000 anos teriam decorrido entre o aparecimento das plantas e dos animais». Nos manuscritos disponíveis na edição da Epístola 31, a qual Marquet não teve acesso, todos concordam com este lugar para Virgem, corroborando essa conjectura. Nas linhas subsequentes desta passagem, o Ikhwān parece voltar novamente no tempo, pois lá ele menciona “o início de Áries” com “Saturno estando em queda nele”, o que poderia muito plausivelmente ser uma referência a ‘fase mineral’ no início do ciclo. Em suma, dado o fato que nosso caminho parece incluir dados mutuamente contraditórios, é provavelmente melhor renunciar à reconstrução do ciclo como um todo. Dito isto, e desde que nossos dados não resultem de erros de escrita, provavelmente não é mera coincidência que, a um nível mais simbólico, Virgem (em árabe, sunbula: «a espiga») tenha sido escolhido em conexão com plantas, Touro com animais e Gêmeos com a raça humana na forma de seu casal original.

A parte final da passagem envolve novamente Adão e Eva. Baseando-nos mais uma vez no livro acima mencionado do especialista persa em astrologia, o Ikhwān detalha alguns importantes episódios do tempo de Adão e Eva (prostração dos anjos, comer da árvore, etc.). A maior pate deles estão explicitamente associados a condições que são relevantes em termos de astrologia, tais como o uso da lógica e do discurso articulado em relação a Mercúrio. Algumas outras indicações cronológicas reaparecem aqui como fundo da descrição. Assim, diz-se que a queda de Adão e Eva do Jardim e, a subsequente partilha da condição animal por algum tempo, ocorreu «antes de Áries dar lugar a Touro» (ilā an sallama al-ḥamal al-dawr ila al-thawr). A união deles e a instrução fornecida por Adão a sua descendência – em siríaco, e antes da escrita ser inventada – devem ter tido lugar «antes de Touro dar lugar a Gêmeos» (ilā an sallama al-dawr al-thawr ilā al-jawzā’). Diz-se que a escrita, usada no sistema de 24 letras dos gregos, teria sido inventada apenas nesta fase, como resultado de Gêmeos «ser a casa de Mercúrio, a exaltação da Cabeça e o abatimento da Cauda» (bayt ‘uṭārid wa-sharaf al-ra’s wa-hubūṭ al-dhanab).

Em geral, parece haver demasiados elementos contraditórios na Cosmogonia Ikhwāniana e também demasiadas divergências na narrativa do PsAH que sugerem que este último poderia ter sido tomado como modelo para o primeiro. Dito isto, resta que ambos os relatos revelam uma concepção semelhante do processo pelo qual o homem e as outras espécies da Terra foram gerados em sucessão como resultado da lenta revolução da esfera zodiacal e de acordo com às posições dos planetas. Apesar do anonimato do autor, o Ikhwān afirma que o pormenor de sua cosmogonia é explicado em um livro de astrologia persa. Isso também está de acordo com o que nosso estudo nos levou a supor sobre a origem do esquema cosmogônico do PsAH. Futuras investigações deverão trazer mais luz sobre o desenvolvimento e a transmissão deste padrão cosmogônico.

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