Traduções

Horóscopos Realizados por Mestres Astrólogos da Cracóvia

α

Virada dos séculos XV e XVI de acordo com os manuscritos BJ 3225 e 3227

Sylwia Konarska-Zimnicka

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Tradução:
César Augusto – Astrólogo

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Resumo

O artigo apresenta a produção da historiografia polonesa referente à pesquisa sobre os horóscopos da Cracóvia elaborados antes do ano de 1550, ou seja, no período de maior desenvolvimento da astrologia como ciência acadêmica na University of Krakow (Uniwersytet Jagielloński). Naquela época, a astrologia era um assunto de enorme interesse, o que se refletia no fato dos horóscopos serem encomendados a astrólogos profissionais (devido ao preço do serviço, isso era feito principalmente por pessoas ricas). Esses horóscopos deveriam, de acordo com as visões populares da época, mostrar o futuro. Isso, principalmente no que diz respeito à família real, afetando as políticas do governante e, muitas vezes, o destino de todo o país.

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Na coleção da Biblioteka Jagielloński,, dois códices manuscritos (assinaturas BJ 3225 e 3227) estão guardados; como indica Grażyna Rosińska, são do século XV; datado da virada dos séculos XV e XVI. Os códices são conjuntos de vários horóscopos e mapas (figurae caeli) juntamente com suas interpretações (iudicia, practicae), que constituem, em sua grande maioria, recursos materiais completamente não examinados (com exceção de numerosos trabalhos de Ewa Śnieżyńska¬Stolot, especialmente o livro mais recente, que discute os horóscopos como fontes históricas).

Um grande número desses recursos excepcionalmente interessantes foi preservado, provavelmente porque (como Antonio Bonfinius, um estudioso e poeta italiano, o cronista da corte de Maciej Korwin, escreveu em 1491), “Cracovia astrologis referta est”. Isso foi comentado no final do século XIX por Michał Wiszniewski, que escreveu: “enquanto alguns mestres se envolviam em disputas e treinavam os jovens para fazer o mesmo, escreviam calendários, horóscopos e davam aulas de cálculo, outros explicavam VIrgílio, Cícero, Ovídio, Valério Máximo e o livro de Boécio Consolação da Filosofia. Jerzy Samuel Bandtkie enfatizou que “mesmo em Lombard e outras obras pode-se ver horóscopos e outras porcarias astrológicas”. Sem dúvida, devemos este rico legado científico deixado pelos mestres astrólogos da Cracóvia à existência de duas cátedras na University of Krakow – a primeira, a Cátedra de Astronomia criada no início do século XV, batizada Stobnerian do nome do seu provável criador, e a segunda, a Cátedra de Astrologia, fundada em meados do século XV por Marcin Król de Żurawica sendo a única cátedra deste tipo em toda a Europa cristã nessa época. Nessa altura, a astrologia despertou enorme interesse não só entre os jovens estudiosos, mas também, sobretudo, entre a sociedade em sentido amplo, independentemente do status social ou situação financeira. A fé no poder da influência dos corpos celestes era grande, o que estava de acordo com a crença comum de que nada acontece na Terra que não tenha sido previamente escrito nas estrelas. Portanto, observando e registrando meticulosamente quaisquer mudanças no arranjo dos corpos celestes, as pessoas tentaram prever os eventos vindouros, o que resultou em vários prognósticos e horóscopos, que são objeto de nosso interesse.

Os horóscopos, de acordo com os antigos e depois medievais e primeiros investigadores modernos do céu, podiam ser divididos em mapas de nascimento (esta categoria foi subdividida em mapas natais, definidos para o momento do nascimento e horóscopos baseados no momento da concepção; gráficos de retificação – corrigidos devido à falta de precisão geralmente em relação à hora do nascimento; e os chamados retornos solares, referidos em recursos como Revolutio nativitatis ou Revolutio coronationis, calculados para o aniversário de nascimento ou coroação exatamente para a mesma posição horoscópica do Sol como aquela no momento do nascimento de um bebê ou da coroação de um rei, mapas eletivos, cujo objetivo era selecionar o momento mais favorável para realizar diversas atividades ou tomar decisões importantes, e horóscopos de eventos, que também incluíam mapas horários (o gráfico era calculado no momento de uma determinada pergunta –astrologia horária-, no início de um evento, a fim de encontrar o prognóstico do sucesso ou fracasso do evento no arranjo dos corpos celestes). Todos esses horóscopos eram prognósticos e, conforme pretendido não apenas por seus criadores, mas, acima de tudo, por seus destinatários, devendo deste modo revelar os segredos do futuro aos astrólogos e seus clientes.

Os mapas de Cracóvia são geralmente chamados de figura caeli (no caso dos horóscopos natais podemos ver nomes como nativitas, figura geniture, figura nativitatis, genesis, figura rectificatae nativitatis) e não horoscopus, como escreveriam os antigos estudiosos, que, no entanto, era uma prática bastante comum na Idade Média. Estes mapas são algumas vezes complementados por extensos textos, que são as suas interpretações, mais frequentemente designados por iudicium (no caso das interpretações dos mapas astrais – iudicium nativitatis). Aqui o astrólogo teve a possibilidade de demonstrar a sua familiaridade não só com os segredos do conhecimento astrológico e astronômico (como o conhecimento das tabelas astronômicas necessárias para determinar as posições corretas dos planetas no momento que serviu de base para o horóscopo), mas também com trabalhos então disponíveis de estudiosos antigos e medievais, nomeadamente Manilius, Firmicus Maternus, Claudius Ptolemeus, Alcabitius, Abraham Ibn Ezra e outros, que eram frequentemente citados para confirmar o conteúdo do iudicium.

Os destinatários dos horóscopos eram geralmente pessoas ricas (podemos ver isso pelos nomes dos destinatários dos horóscopos dos manuscritos BJ 3225 e 3227), porque os serviços de astrólogos profissionais com formação acadêmica não eram baratos. Portanto, não é de admirar que na Idade Média um astrólogo residisse e servisse com suas habilidades prognósticas e seu conhecimento, geralmente no campo da medicina e, em quase todas as cortes reais, nas cortes dos príncipes e muitas vezes até nas cortes dos bispos. Naquela época, os astrólogos também desempenhavam o papel de médicos da corte, como foi o caso do médico real Herman de Przeworsk, o médico italiano de Pavia – John de Saccis, Marcin Król de Żurawica, ou Piotr Gaszowiec, Maciej de Miechowo, Jakub de Zalesie e muitos outros preparavam horóscopos, como podemos imaginar, sendo esta uma das suas funções.

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Nos códices BJ 3225 e 3227, a maioria dos mapas de nascimento são como os listados acima. Podemos encontrar horóscopos de crianças reais, incluindo o horóscopo natal de Casimir Jagiellon, elaborado em 1427 por Henricus Bohemus, um controverso astrólogo, cujos serviços foram utilizados pelo casal real – Władysław Jagiełło e sua esposa Sophia (diz-se que este horóscopo foi copiado e ao mesmo tempo retificado por volta de 1485 por Jakub de Zalesie). Informações interessantes sobre este tópico nos são apresentadas por Jan Długosz, que citou os prognósticos de Henricus Bohemus sobre o futuro que aguardava os filhos reais. O astrólogo, com base na observação dos corpos celestes, afirmou que o mais velho, Vladislaus, “ganhará poder sobre numerosos reinos e principados, se o destino não invejar sua longa vida”. O segundo filho, Casimir, deveria amar muito sua mãe, mas, infelizmente, Henricus Bohemius previu sua morte prematura (Casimir viveu menos de um ano). Quanto ao próximo filho, Casimir Jagiellon, Długosz escreveu que ele não apenas foi concebido, mas também nasceu “sub infelicis auspicii sidere” (ou seja, sob uma estrela azarada), e seu reinado traria vários infortúnios ou até destruição para a Polônia, a menos que o rei e o país fossem salvos pela misericórdia de Deus. Como podemos ver, o prognóstico era muito diplomático, pois combinava a confiança das pessoas na ação dos corpos celestes com a fé no poder de Deus, o Criador de todas as coisas. Como o rei Casimir Jagiellon também estava disposto a usar os serviços de um astrólogo e médico; ele contratou um distinto especialista – Piotr Gaszowiec (Petrus Gasowiec). Como seu pai, ele também encomendou horóscopos para seus filhos – Vladislau, Alexandre, Sigismundo e Frederico. Esses horóscopos foram parcialmente preservados nos códices discutidos. Seus filhos agiram de maneira semelhante; acima de tudo, Sigismundo, o Velho, que era famoso por sua propensão para previsões astrológicas e tinha Iudicium Cracoviense de rege Sigismundo Augusto neonato preparado para seu filho tão esperado e desejado como herdeiro do trono.

Vale a pena notar, que os horóscopos das crianças reais, horóscopos da nobreza e da burguesia, incluindo: Figura nativitatis Annae Groszowa Figura nativitatis Matthiae Drzewicki (o futuro Arcebispo de Gniezno, Primaz da Polônia, Grande Chanceler da Coroa), Figura nativitatis Karnkowski, canonici Cracoviensis (John Karnkowski), Figura nativitatis Andreae Vitreatoris, Figura nativitatis Ioannis Veneti, apothecarii Plocensis, Judicium nativitatis Stanislai Belze, mercatoris et scabini Cracoviensis, etc., foram igualmente preservados. Curiosamente, também existem horóscopos que podem ser chamados de ‘internacionais’, porque no códice 3227 podemos encontrar o mapa natal de Giovanni di Lorenzo de’ Medici, ou seja, o Papa Leão X. Os códices BJ 3225 e 3227 são também abundantes em horóscopos retificados, melhorados em comparação com os horóscopos natais, por exemplo, tornando a hora do nascimento, isto é, a hora e o minuto, mais precisos (isso estava relacionado com o fato de que antes de 1428 eram usadas as Tabelas Alfonsinas, que não incluíam a latitude de Cracóvia). A correção era frequentemente feita muitos anos após o nascimento, como aconteceu com o horóscopo de Casimir Jagiellon, retificado em 1485 (a data de nascimento segundo o horóscopo – 29 de novembro de 1427, 20:47:39, corrigida para 21:09:25, ou seja, contando a partir do meio-dia, como era feito naquela hora, 9:09:25 da manhã do dia seguinte, ou seja, 30 de novembro de 1427). Pessoas ricas e influentes sucumbiram à tentação de conhecer os acontecimentos que os esperavam – por conseguinte muitos horóscopos eram feitos no aniversário de nascimento, na expectativa de que as promessas do horóscopo natal seriam cumpridas no próximo ano (por exemplo, se no horóscopo natal Júpiter fosse colocado na 10ª casa, o que significava, de acordo com a interpretação de trabalhos de estudiosos antigos, honras e carreira, então os indicadores desta previsão seriam procurados na carta do retorno solar. Para o chanceler Krzysztof Szydłowiecki, foram preparados um horóscopo retificado e gráficos de retorno solar). Portanto, devemos concordar com Henryk Barycz, que escreveu:

“A influência da astrologia afetou muito fortemente não apenas a vida e os atos de pessoas particulares, que não tomavam nenhuma decisão importante sem consultar as estrelas, mas teve um peso considerável nas relações dentro do estado e até mesmo internacionais. Um astrólogo freqüentemente expressava sua opinião em questões políticas de grande importância”.

Esta opinião é confirmada por horóscopos lançados por ocasião de coroações reais (o astrólogo geralmente selecionava a data mais apropriada para a coroação de acordo com o arranjo esperado dos corpos celestes), entronização e até sublimação. No códice BJ 3225 podemos encontrar os horóscopos das coroações de Casimir Jagiellon e Matthias Corvinus, Rei da Hungria, e no códice BJ 3227 – os horóscopos das coroações de Vladislaus II da Hungria, Rei da Boémia e Hungria, de Alexander Jagiellon, e o horóscopo Sublimationis regis Sigismundi in ducem Lithuaniae, o horóscopo da coroação de Sigismundo, o Velho, para Rei da Polônia, bem como a entronização de Bárbara Stefanovna, ou seja, Bárbara Zapolya, a primeira esposa de Sigismundo, o Velho. O monarca dizia-se que acreditava tão fortemente nas previsões astrológicas que não tomava nenhuma decisão importante relativa ao estado (e não apenas) sem uma consulta prévia com um astrólogo (diz-se que ele ordenou a Maciej de Miechowo que preparasse um horóscopo em cuja interpretação ele se baseou sua decisão de viajar para o Congresso de Viena). O que é digno de nota, também aqui (ou seja, no BJ msc 3227) podemos encontrar o anônimo Iudicium Cracoviense coronationis Ioan nis de Conary in episcopum Cracoviensem. Os serviços dos astrólogos também eram usados ​​de bom grado pelo clero. O bispo Piotr Tomicki era considerado um entusiasta das previsões astrológicas. Ele viu o prognóstico de eventos futuros em um cometa visível no céu em 1533. O bispo também demonstrou sua crença nos prognósticos astrológicos quando descobriu uma doença de Sigismundo, o Velho, em 1529; ele buscou consolo nos signos, ou melhor, na falta deles, nos céus. Horóscopos de doenças, chamados decumbitures, eram frequentemente usados ​​naquela época. Embora o clérigo estivesse ciente da falta de confiabilidade de muitas previsões astrológicas, como ele escreveu em uma carta a Dantyszek, “[…] descobrimos que previsões e adivinhações não são completamente nulas e inúteis”.

Também gostaria de chamar sua atenção para o horóscopo denominado Figura aedificationis civitatis Venetiarum 421a cum nota de civitate Bononiensi, incluído no códice BJ 3225. Baseava-se na lendária data da fundação de Veneza em 421 (25 de março), e à qual se acrescentava uma nota referente a Bolonha. Infelizmente, o quadro não está acompanhado de explicações, o que certamente nos daria muita informações interessantes, como a motivação do autor anônimo para lançar este horóscopo. Vale acrescentar que um horóscopo semelhante para Veneza foi preparado em 1501 por Leonard de Dobczyce e o mapa pode ser encontrado no manuscrito BJ 576. Felizmente, as intenções de outro, também anônimo autor de um horóscopo eletivo, desta vez chamado Figura caeli pro initio fundamenti scholae sanctae Annae, são conhecidos. O horóscopo foi feito em 1510, ou seja, um ano antes da reconstrução da escola, ou melhor, da construção de raiz – o edifício original de madeira tinha sido completamente queimado. Em 1511, Maciej de Miechowo doou fundos para a construção de um novo e impressionante prédio escolar de concreto que durou até 1689; foi demolido porque a nova Igreja Barroca de St. Anne foi construída no lugar do antigo templo gótico. É provável que o próprio Maciej de Miechowo tenha sido o autor deste horóscopo horário, através do qual se certificou de que a iniciativa planejada tinha uma oportunidade de sucesso. É também provável que o fato (como foi escrito numa breve nota que pode ser vista sob o gráfico) de que “nada é visível [na disposição dos corpos celestes] que constituiria um obstáculo” o tenha convencido a investir nesse empreendimento.

Jan de Głogów, um dos mais famosos astrólogos, professor de Nicolau Copérnico

No códice 3227 também podemos encontrar outros horóscopos horários (astrologia horária) extremamente interessantes que foram feitos para dar respostas às perguntas feitas. Assim, os clientes dos astrólogos buscavam conselhos antes de partir para uma viagem, buscavam respostas para uma pergunta sobre o motivo da ausência de alguém e até o local onde estavam escondidos tesouros. Com a ajuda das “estrelas”, alguém até tentou encontrar um ladrão; além disso, eles perguntavam se isso poderia ser feito prontamente e onde o ladrão seria encontrado; o autor anônimo do Iudicium pro fure et fugitivo de 1512 teve uma motivação semelhante e a conclusão foi a seguinte: o objeto perdido de que o horóscopo tratava certamente fora deixado em uma taverna. Outro horóscopo pretendia responder à pergunta sobre o roubo de dois cavalos do doutor Mikołaj de Comprivnicza; outro foi ajudar um certo publicano a decidir se viajaria para Koszyce ou “cumpriria seus deveres na Cracóvia”.

Sem dúvida, esses últimos exemplos de horóscopos causaram a maior oposição da Igreja, pois a posição oficial do clero era que os astrólogos não podiam assumir as prerrogativas reservadas a Deus. Stanisław de Skarbimierz, doutor em decretos e o primeiro reitor da restaurada University of Krakow, decidiu que não era possível dar um veredicto sobre casualidades, que por sua própria natureza não têm e nem podem ter uma razão particular. Com base nisso, ele afirmou que usar o conhecimento astrológico para fins utilitários ou mesmo para satisfazer o mero conhecimento humano é um erro contrário à fé cristã. As pessoas que buscam a ajuda de astrólogos parecem duvidar do poder do Senhor.

No entanto, como podemos imaginar pela quantidade de recursos preservados e pelos clientes que os encomendaram, houve críticas contundentes à astrologia, mas com resultados ruins. A astrologia era praticada mesmo em sua forma negada e rejeitada (a astrologia natural, incluindo a medicina astrológica e a astrometeorologia, era aprovada; a astrologia supersticiosa, cobrindo, acima de tudo, a astrologia eletiva e também a astrologia horária e natal, preocupada com a previsão do futuro, era negada), que geralmente era inteligentemente chamada de astronomia prática, cujo conhecimento pode levar as pessoas a um melhor conhecimento de Deus. E tudo provavelmente aconteceu porque a maioria dos estudiosos contemporâneos permitiam, ou mesmo aceitavam a visão da influência dos corpos celestes sobre a vida no mundo sublunar – as controvérsias estavam relacionadas apenas ao alcance e quantidade dessa influência.

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Computus nouus nuper denuo reuisus: et recollectus: res ad ecclesie cultum debite perficiendum vna cum pulcherrimis fundamentis astronomiae complectens – The National Museum in Krakow

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